Após
encontro em Havana, teólogo conta que líder cubano ainda está lúcido e que,
embora veja aproximação com Washington como uma iniciativa de paz, considera
que americanos precisam fazer mais.
Amigos
de longa data, Frei Betto e Fidel Castro conversaram por uma hora e meia na
residência do líder cubano em Havana sobre política internacional e até física
quântica. O encontro ocorreu na terça-feira (27/01).
O
escritor, expoente da teologia da libertação no Brasil, estava preocupado com o
estado de saúde do ex-presidente, que não aparecia em público e em fotos desde
agosto do ano passado.
"Mas
o encontrei muito bem. Ele está completamente lúcido, embora mais magro",
disse Frei Betto em entrevista à DW Brasil.
Enquanto
anotava cada detalhe da conversa, o ex-presidente cubano, de 88 anos, disse que
a abertura de diálogo entre os Estados Unidos e a ilha é positiva, mas o
governo americano ainda é visto como inimigo e colonizador. "É preciso dar
fim ao embargo econômico", ressaltou Fidel.
Frei
Betto, que anualmente visita Cuba, vai voltar ao país em abril para a
comemoração dos 30 anos do livro "Fidel e a Religião" (1985), baseado
em mais de 20 horas de entrevistas feitas por Frei Betto com o então ditador
sobre sua visão religiosa.
Deutsche
Welle: O que Fidel Castro comentou sobre a aproximação entre Cuba e
Estados Unidos?
Frei
Betto: Ele disse que essa é uma iniciativa de paz, mas deixou claro que o
governo americano ainda é visto como um inimigo. Não basta apenas estar
disposto ao diálogo. Deve-se suspender o bloqueio econômico, anular as leis que
determinam o embargo ao regime cubano [lei Torricelli e ata Helms-Burton] e
tirar Cuba da lista dos países considerados terroristas. Meras formalidades,
como troca de embaixadas, não são suficientes para dizer que as relações estão
normais.
O
que isso representa depois de mais de meia década do embargo imposto a Cuba?
Posso
dar a minha opinião. Eu comentei com ele que a retomada das relações
diplomáticas representa um encontro de um caminhão consumista com um Lada
[marca russa do carro mais usado em Cuba] da austeridade. Por outro lado, eu
disse que o fato de o presidente Barack Obama vir a público e admitir que o
embargo não funcionou é assumir que foi derrotado pela resistência do povo
cubano nesses 53 anos de bloqueio.
Como
Fidel vê essa atitude de Obama?
Ele
acha que a atitude de Obama significa uma mudança de métodos, mas Fidel quer
saber quais são os objetivos. Se os métodos mudam e os objetivos, não, de nada
adianta. Fidel deixou claro que os Estados Unidos precisam mudar o objetivo de
querer colonizar Cuba e a América Latina, de querer achar que o modelo de
democracia deles é o ideal para a humanidade.
Qual
é o estado de saúde de Fidel Castro?
Ele
está absolutamente lúcido. Eu até quis tirar uma foto para mostrar como ele
está bem, mas ele preferiu não tirar. Ele está mais magro, mas absolutamente
lúcido, e anotou tudo o que a gente falou durante a conversa. Anotar tudo é um
costume. Ele é uma pessoa que sabe tirar informações e opiniões do
interlocutor. Conversamos por uma hora e meia no final da tarde, acompanhados
da mulher dele, Dalia. Eu vou uma vez por ano a Cuba e ele sempre me chama para
ir à casa dele.
Você
e o líder cubano têm uma relação fraternal de longa data. Você estava
preocupado com a saúde de Fidel Castro, antes de encontrá-lo?
Eu
estava preocupado, porque há muito tempo não se falava nada e ele não aparecia em público. Havia uma
grande interrogação mesmo entre os próprios cubanos. Desde agosto do ano
passado, ele não dava nenhum sinal de vida. Temia que ele estivesse muito
doente, mas eu o encontrei muito bem em sua casa, acompanhando a Celac [Cúpula
da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e do Caribe, na Costa Rica] pelo
canal Telesur, enfim, muito tranquilo.
Durante
a cúpula da Celac, que começou na quarta-feira, o presidente Raúl Castro disse
que a aproximação não tem sentido sem um fim total do bloqueio.
Eu
acho exatamente isso. Não adianta falar "vamos ser amigos" se você
tem uma faca apontada para o meu pescoço. Enquanto o bloqueio não for suspenso,
é uma mera hipocrisia. Além disso, Cuba deve ser tirada da lista dos países
terroristas.
Você
também esteve com o vice-presidente Miguel-Diaz Canel?
Na
quarta-feira de manhã, ele e eu tivemos um encontro com o movimento estudantil
na Universidade de Havana. Foi uma longa conversa sobre neoliberalismo e o
reatamento das relações entre EUA e Cuba. Miguel concordou que esse é um passo
importante, um reconhecimento.
Como
os cubanos têm recebido essa mudança?
Os
cubanos estão lidando com isso de uma maneira muito diplomática e elegante.
Eles não querem tripudiar sobre o fato de Obama ter admitido que o embargo não
funcionou. Como há muitos cubanos nos Estados Unidos, eles têm muito interesse
em que esse reatamento seja feito o quanto antes, assim como têm interesse na
ida de turistas americanos à ilha. A previsão é que, com o reatamento, Cuba
receba cerca de três milhões de turistas dos EUA, o que ainda não foi
autorizado por Washington. E isso é importante para a economia cubana. A
questão para eles agora é trabalhar na infraestrutura.
Fidel
ressaltou o papel do papa Francisco na retomada das relações diplomáticas entre
os dois países?
Ele
comentou com muita admiração, principalmente, a boa resposta que o papa deu
sobre liberdade de expressão, ou seja, ela deve existir, mas não para ofender e
humilhar. Referindo-se ao jornal francês Charlie Hebdo, o papa disse que
"se xingasse a minha mãe, eu responderia com um murro". Fidel gostou
muito dessa resposta.
Como
vocês se despediram?
Eu
disse que continuo orando por ele e por Cuba. Ele agradeceu e eu desejei que
Deus o abençoe.
Karina
Gomes – Deutsche Welle
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