Emildo Sambo – Verdade (mz),
em Tema de
Fundo
Contrariamente
ao que vários estudos têm indicado, não são apenas as crianças das classes
iniciais do Sistema Nacional de Educação que não sabem ler, escrever, falar
correctamente a língua portuguesa e efectuar cálculos simples. Os docentes,
também, apresentam o mesmo problema, o que leva a concluir que eles são uma das
causas da iliteracia. Graça Machel, antiga ministra deste sector em Moçambique,
considera que o erro foi o Estado ter baixado a qualidade de formação de
professores de tal sorte que indivíduos com “10a classe mais um ano e 12a
classe mais um ano” foram colocados a ensinar.
Graça
Machel fez estes pronunciamentos num encontro em Maputo, na quinta-feira (12),
diante de outras mulheres com uma larga experiência na instrução e que
dispensam quaisquer apresentações, tais como Luísa Diogo, Alice Mabota, Telmina
Pereira, Elizabete Sequeira e Eulália Maximiano, senhoras que não falam à toa.
Elas
assumem um papel de relevo na sociedade por causa da instrução e já não
acreditam na sua suposta inferioridade congénita diante dos homens, sobretudo
em diferentes esferas sociais, e lutam para subverter a ideia de que as outras
– que vivem em famílias onde a palavra escola ainda é um tabu – são incapazes e
o seu lugar são os lares, onde lhes são reservadas tarefas meramente domésticas
e ficam de joelhos flectidos numa fogueira ou num almofariz a preparar
refeições para a sua prol e cuidam dos filhos. Elas pedem para que o Estado
invista mais na rapariga, nos professores e a sociedade assuma, efectivamente,
que “a educação é tarefa de todos nós”.
Graça
Machel é uma mulher que, por natureza, fala à vontade. Sem fugir à regra,
criticou bastante o despreparo com que os pedagogos são colocados a ensinar as
crianças e disse que se houvesse formação eles podiam operar milagres mesmo
educando em condições adversas caracterizadas pela habitual escassez de
infraestruturas e materiais didáticos.
Para
ela, enquanto o Governo não apostar em professores bem formados, “vamos
continuar, nas próximas décadas, com gravíssimos problemas de qualidade”. E é
absurdo que um pedagogo não domine a língua através da qual ensina. “Os nossos
professores não conhecem a língua portuguesa, não sabem falar, escrever e
comunicar como deve ser. É preciso prestar muita atenção porque a língua como
meio de ensino é o principal instrumento para transmitir o conhecimento”. Sem isso
“não é possível ser um educador”.
Jorge
Ferrão, ministro da Educação e Desenvolvimento Humano, ouviu atentamente tudo o
que se disse, até porque foi ele próprio que chamou estas mulheres para que se
reflectisse sobre o futuro do ensino em Moçambique. O
governante admitiu que nem sempre as escolas moçambicanas são lugares
aconchegantes paras as crianças, pois assustam-nas, são um choque cultural para
elas e impedem- nas de aprender. “Todos devemos melhorar os conceitos morais
para não se comprometer o futuro dos nossos filhos e fazer uma geração
diferente”.
Aliás,
Graça disse igualmente que os pedagogos não dominam a Matemática não sendo
possível desenvolver-se um país sem se ter fundamentos muito sólidos nesta
disciplina. E não só, a sociedade raciocina muito pouco com base nas ciências
sociais, o que pode ser um obstáculo para o desenvolvimento.
Segundo
ela, é verdade que a equidade de alunos no que diz respeito ao acesso à escola
melhorou substancialmente, mas “há problemas seríssimos em termos de retenção.
Há problemas graves em termos de performance da rapariga em comparação com os
rapazes.” E a atenção que se deve ter com as meninas não pode ser só escola.
As
discrepâncias existentes entre raparigas e rapazes são, em parte, o reflexo do
facto de as províncias do norte de Moçambique apresentarem os piores resultados
nos indicadores sociais de educação, mortalidade materna e infantil, nutrição e
outras áreas. “Há qualquer coisa que não estamos a saber. O índice de
analfabetismo nas mulheres, a partir dos 15 a 49 anos de idade, é mais alto e chega
a atingir 80%. Há uma relação, sem dúvidas, entre uma mãe que sabe ler e
escrever e os filhos que ela educa. Quero dizer ao ministério, porque é sua responsabilidades educação de adultos, que tem de exigir a educação das mulheres nestas províncias”, disse Graça.
Há
má gestão de docentes
Elizabete
Sequeira é outra mulher com bastante experiência na instrução. Na sua
intervenção indicou que ensinar a ler e escrever exige que o docente entenda
primeiro o que pretende transmitir mas não é o que tem acontecido. “Desde a
independência nunca ensinámos o professor a falar português”. Esta língua, que
à luz da Constituição é oficial, “é estrangeira para as crianças”; por isso, há
dificuldade de aprendizagem, uma vez que os pedagogos não sabem ensinar com
base nas línguas maternas. Eles são afectos em províncias onde nunca estiveram
sob o pretexto de se fortalecer a “unidade nacional”, mas tal situação
influencia negativamente os propósitos da educação. “A gestão dos professores é
um problema maior que a distribuição dos livros”.
Alocar
meios aos professores
A
outra interveniente, cujo nome não registámos, disse que a sociedade exige
bastante dos professores mas dá-se- -lhes poucos meios de trabalho. Eles
precisam de apoio, estímulo e respeito. A falta de carteiras nas escolas,
considerada empecilho para o ensino e a aprendizagem, pode ser um falso
problema porque é possível aprender sentado no chão.
Aliás,
Luísa Diogo – dispensa apresentações – disse que não é possível que num parque
industrial como o da Matola, na província de Maputo, existam petizes que
estudam sentados no chão enquanto os gestores desses empreendimentos podem
fazer um pouco mais pela educação.
Para
ela, os docentes do ensino público debatem-se com problemas de sobrevivência
devido às precárias condições de trabalho e salários magros. Por isso eles não
educam devidamente, ao contrário do que acontece no ensino privado.
Carlos
Serra, sociólogo, anotou, em forma de perguntas às quais gostaria de obter
respostas, que a distância entre as escolas e os locais de residências e a
falta de alimentação contribuem também para a falta de qualidade da educação no
país.
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