Obama
solta o Reagan que vive nele - Como inventar uma “Extraordinária Ameaça à
Segurança Nacional”
Mark Weisbrot*
2ª-feira
(9/3/2015), a Casa Branca deu mais um passo rumo ao teatro do absurdo, ao
declarar “emergência nacional com respeito à inusual e extraordinária ameaça à
segurança nacional e à política exterior dos EUA que se manifesta na situação
na Venezuela” – como o presidente Obama escreveu em carta que enviou ao
presidente do Congresso, John Boehner.
Falta
ver se alguém, do valente corpo de jornalistas que cobre a Casa Branca, terá
coragem de perguntar o quê, afinal, diabos, o chefe do executivo da nação mais
poderosa do universo pensou que estivesse dizendo na tal carta. O quê?! Estará
a Venezuela financiando iminente ataque de terroristas contra o território dos
EUA? Planeja invadir território norte-americano? Está construindo bomba
atômica?
A
quem essa gente pensa que engana? Alguns alegaram que o linguajar tinha de ser
esse, porque é o que a lei dos EUA exige, para impor a mais recente rodada de
sanções contra a Venezuela. Mas não melhora coisa alguma alegar, como se fosse
defesa, que a lei norte-americana é negócio em cujo processo de manipular e
fraudar o presidente pode dizer mentiras à vontade, para contornar o que não
queira confessar.
Foi
precisamente o que fez o presidente Ronald Reagan em 1985, quando fez
declaração semelhante para impor sanções – inclusive um embargo econômico –
contra a Nicarágua.
Como
Obama em 2015, Reagan também tentava derrubar governo eleito que não agradava a
Washington. Conseguiu usar violência paramilitar e terrorista, além de um
embargo, no esforço bem-sucedido para destruir a economia da Nicarágua e,
afinal, derrubar o governo do país. (Em 2007, os sandinistas voltaram ao poder
e são hoje o partido governante.) O mundo andou adiante. Washington, não.
A
Venezuela hoje conta com o forte apoio dos países vizinhos contra o que
praticamente todos os governos na América Latina veem como tentativa do governo
Obama para desestabilizar o país.
“A
Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribe (CELAC) reitera seu forte
repúdio à aplicação de medidas unilaterais coercitivas que violentam a lei
internacional” – como se lia na declaração assinada por todos os países do
hemisfério, exceto EUA e Canadá, dia 11/2/2015. Respondiam às sanções que os
EUA haviam imposto à Venezuela, sancionadas por Obama em dezembro passado
(2014).
Alguém
leu alguma coisa sobre isso na imprensa-empresa em língua inglesa? Então, você
provavelmente não leu tampouco sobre a imediata reação ao golpe da Casa Branca,
ontem, do Presidente da União de Nações Sul-Americanas:
A
UNASUL rejeita qualquer tentativa externa ou interna de interferência que
busque qualquer violência contra o processo democrático na Venezuela.
Washington
já esteve envolvida na tentativa de golpe militar, rapidamente derrotada em
2002, na Venezuela; deu “treinamento, construção de instituição e outros apoios
a indivíduos e organizações que se sabia que estavam ativamente envolvidos no
golpe” contra o presidente Hugo Chávez (golpe que durou apenas algumas horas) –
segundo o Departamento de Estado dos EUA.
Brasil
- Golpe MILICANALHA de 1964
Os
EUA não mudaram sua política para a Venezuela depois daquilo e continuaram a
financiar grupos de oposição naquele país. Assim sendo, nada mais normal do que
todos que conheçam essa história recente e conheçam o conflito entre EUA e
América Latina também no golpe militar de 2009 em Honduras, sabendo agora das
atuais sanções contra a Venezuela, imediatamente concluam que, sim, Washington
está novamente envolvida em golpismos para derrubar governo democraticamente
eleito que está na mira dos EUA, para ‘mudança de regime’, já há mais de uma
década.
O
governo da Venezuela já exibiu provas perfeitamente aceitáveis de que há um
golpe em marcha no país: a gravação de um ex-Vice-Ministro do Interior lendo o
que obviamente é um comunicado a ser lançado depois que (se) os militares
derrubarem o atual governo; confissões de oficiais militares acusados; e uma
conversa telefônica gravada entre chefes da oposição que admitem que há
um golpe em preparação.
Independente
de que se considerem suficientes essas provas (a imprensa-empresa
norte-americana não noticiou praticamente coisa alguma), não surpreende que os
governos regionais tenham-se dado por convencidos. Praticamente há 15 anos,
sem interrupção, veem-se esforços para derrubar o governo democraticamente
eleito da Venezuela. Por que seria diferente agora, quando a economia está em
recessão e houve tentativa para derrubar o governo venezuelano ainda no ano
passado?
Aliás...
alguém alguma vez ouviu falar de tentativa de golpe para derrubar governo
democrático, independente e progressista na América Latina, na qual Washington
não estivesse metida? Pergunto, porque eu, nunca.
A
grande imprensa-empresa norte-americana e internacional fez grande alarde em
torno do começo da normalização de relações entre EUA e Cuba. Mas entre os
governos latino-americanos, qualquer traço de credibilidade que aquele
movimento do governo de Obama talvez tivesse, acaba de ser radicalmente
desmentido pela violenta agressão contra a Venezuela.
Duvido
que alguém encontre um presidente, presidenta, Ministro ou Ministra de Relações
Exteriores na região, que acredite que as sanções impostas à Venezuela teriam
algo a ver com direitos humanos ou democracia. Absolutamente não têm.
Considerem
por exemplo o México, onde trabalhadores de direitos humanos e jornalistas são
regularmente assassinados ; ou a Colômbia, estado líder há anos no número de
sindicalistas assassinados. Nada sequer comparável a esses pesadelos de
violação a direitos humanos jamais aconteceu na Venezuela em 16 anos de
governos do presidente Chávez e do presidente Nicolás Maduro. E apesar disso
México e Colômbia são os principais recebedores de ajuda dos EUA na região,
incluindo financiamento para militares e policiais e para comprar armas.
Obama
deportou 2.000.000 de latino-americanos
O
governo Obama está mais isolado hoje, na América Latina que, até, o governo de
George W. Bush. Por causa da ravina profunda que separa a grande
imprensa-empresa internacional e o pensamento de governos regionais, nada disso
é óbvio para os que não sejam dedicados estudiosos das relações hemisféricas.
Veja-se,
por exemplo, quem são os autores da legislação que impôs sanções contra a
Venezuela, em dezembro: os Senadores Robert Menendez (que está prestes a ser
indiciado criminalmente por corrupção ativa de funcionário público) e o
Republicano da Flórida, Marco Rubio, ambos ardentes defensores do embargo
contra Cuba. Pois e o governo Obama anunciou, com orgulho – e sem vergonha –
que as novas sanções “vão além do que essa legislação exige”.
Washington
mostra, frente à América Latina, a face do extremismo. Apesar de algumas
mudanças em algumas áreas da política exterior (por exemplo, a abertura de
Obama em relação ao Irã), a face do extremismo norte-americano não mudou em
nada, desde os dias em que
Reagan “alertava” o país de que os sandinistas nicaraguenses
estavam “a apenas dois dias de viagem, de carro, de Harlingen, Texas”. Foi
ridicularizado por Garry Trudeau em “Doonesbury” e por outros chargistas.
A
Casa Branca de Obama, Regan redux, merece o mesmo tratamento.
[*]
Mark Weisbrot, Counterpunch
How
to Create an “Extraordinary National Security Threat” – Obama Channels His
Inner Reagan on Venezuela
Traduzido
pelo pessoal da Vila Vudu[*] Mark Weisbrot é um economista americano, colunista
e co-diretor, com Dean Baker, do Centro para Pesquisas Econômicas e de
Políticas Públicas (Center for Economic and Policy Research - CEPR) em Washington. Como
comentarista, ele contribui em publicações como The New York Times, The
Guardian e a Folha de S. Paulo.
Como
economista, Weisbrot criticou a privatização do sistema norte-americano de
seguridade social e foi um grande crítico da globalização e do FMI. Os
trabalhos de Weisbrot a respeito dos países latino-americanos (incluindo
Argentina, Bolívia, Brasil, Equador e Venezuela) atraíram interesse nacional e
internacional, e em 2008 ele foi mencionado pelo ex-Ministro brasileiro das
Relações Exteriores, Celso Amorim.
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2015/03/venezuela-obama-solta-o-reagan-que-vive.html
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