Como
os laboratórios globais manipulam insegurança e desemparo quotidianos para
multiplicar vendas — desrespeitando, se necessário, a saúde dos pacientes
Martha
Rosenberg*, no Alternet - Outras Palavras - Imagem: Hónoré
Daumier, O Doente Imaginário (1856) | Tradução: Inês Castilho e Antonio
Martins
Muito
antes da internet e da publicidade direta ao consumidor, a profissão médica
tentava tranquilizar as pessoas sobre suas preocupações de saúde. Claro, fadiga
e dores de cabeça poderiam ser sintoma de um tumor cerebral; certo, tosse
poderia ser um sintoma de câncer de pulmão. Mas a maioria dos médicos tentava
atenuar o medo – ao invés de semeá-lo. Lembra do “tome duas aspirinas e me
ligue pela manhã?”
Projetemos
isso para os “guias de sintomas” online de hoje, testes para ver se você tem
uma determinada doença e exortações para que vá a seu médico, mesmo que se
sinta bem. Desde que a indústria farmacêutica descobriu que medo de doenças e
até a hipocondria vendem drogas, as novas doenças, sintomas e riscos com que as
pessoas precisam se preocupar parecem não ter fim.
Vender
sintomas para pessoas sugestionáveis tem sido uma mina de ouro para as grandes
transnacionais farmacêuticas desde que começaram a fazer propaganda diretamente
ao consumidor, no final dos anos 1990. Graças a tal marketing, que na verdade
“vende” doenças para construir a demanda, milhões de pessoas que já estiveram
muito bem têm agora alergias de estação, Gerd (Doença do refluxo
gastroesofágico), distúrbio de atenção, distúrbio de dor e outras “doenças”.
Não
se trata de ignorar sofrimento legítimo. Mas para muita gente, a relação com os
medicamentos prescritos é melhor expressa na camiseta que diz “Tomo aspirina
para a dor de cabeça causada pelo Zyrtec, que uso contra a rinite alérgica
que adquiri com oRelenza para a dor de estômago da Ritalina que
eu tomo para o déficit de atenção causado pelo Scopoderm, que uso
para o enjôo que me dá o Lomotil, que tomo para a diarréia causada
pelo Xenical que tomo para perder o peso ganho com o Paxil que
tomo para a ansiedade que me dá o Zocor, que uso para o colesterol alto,
porque praticar exercício, boa dieta e tratamento quiroprático regularmente dão
muito trabalho” (uma camiseta que nem pode ser vestida por gente que usa
números pequenos…)
Eis
algumas das estratégias que a indústria farmacêutica usa para manter o público
comprando drogas.
1.
Medo de envelhecer e perder o apetite sexual
As
terapias de de reposição hormonal (TRH), que milhões de mulheres fizeram até
cerca de dez anos atrás, eram oficialmente vendidas para acabar com as ondas de
calor e manter os ossos fortes. Mas, extraoficialmente, era difundidas como um
modo de manter-se jovem e sexy. Anúncios publicitários de terapia de reposição
hormonal precoce diziam às mulheres que elas tinham “sobrevivido aos seus
ovários” e não se mantinham à altura de seus maridos, que queriam mulheres com
aparência mais jovem. Quando descobriu-se que TRH aumentava o risco de ataque
do coração e câncer (“sentimos muito por isso”), as drogas para fortalecer os
ossos assumiram o papel de portadoras mensagem da indústria farmacêutica (“não
fique velha!”) para as mulheres. Agora a indústria está dizendo aos homens que
eles também necessitam de terapia de reposição hormonal para sua “baixa
testosterona” e para manter sua potência sexual. A TRH masculina não parece
mais segura que a feminina.
2. Medo de sintomas que parecem benignos
Antigamente,
pessoas com azia tomavam Eno, Alka Seltzer ou Sonrisal e juravam não comer
muito. Não se preocupavam se tinham refluxo gastroesofágico (Gerd), estavam a
caminho de um câncer do esôfago; nem tomavam inibidores de bomba de prótons
para o resto de suas vidas. Da mesma forma, embora a depressão possa causar um
sofrimento inimaginável, é também verdade que a tristeza ocasional – a dor
causada por problemas no casamento, na família, no trabalho, pela situação
financeira ou mesmo a perda de alguém amado – faz parte da vida. Mas o
marketing das grandes farmacêuticas sugerem que você deveria ir correndo ao
médico, no instante que sentir-se mal; e se pendurar em “pílulas da felicidade”
por uma década ou mais. Claro que o grande sucesso da indústria ao produzir
medo em torno de sintomas benignos está convencendo pais e professores de que
crianças saudáveis e muito ativas estão sofrendo de ADHD (transtorno do déficit
de atenção com hiperatividade).
3. Medo de novas doenças
Quem
se lembra da Síndrome do Atraso das Fases do Sono, ou da Síndrome das 24 Horas
em dormir, diagnosticadas para pessoas que provavelmente não dormiam
suficientemente? Doenças obscuras sobre as quais a indústria farmacêutica
“aumenta o alerta” não são inventadas – mas elas são tão raras que não seriam
jamais tratadas em publicidade, a menos que a indústria estivesse tentando
criar “demanda” para medicamentos caros – inclusive porque não há exame de
sangue ou de laboratório confirmando um diagnóstico. Há pouco, a AbbVie, uma
empresa farmacêutica norte-americana, lançou duas campanhas, promovendo drogas
de alto custo, para convencer pessoas com dor nas costas que eles tinham
espondilite anquilosante; as pessoas com diarreia de que tinham insuficiência
pancreática exócrina., replete de sites ajudando-as a discernir que têm a
doença por seus sintomas. Será que as pessoas com sintomas ou doenças realmente
precisam que a indústria farmacêutica lhes diga quando ir ao médico e o que
elas têm?
4. Medo de que seus filhos não sejam normais
O
ADHD (“transtorno do déficit de atenção com hiperatividade”) não é a única
receita da indústria farmacêutica para medicalizar e monetizar a infância. As
birras são agora chamadas “Transtornos de Humor”. Graças à “psicofarmacologia
pediátrica”, as crianças estão cada vez mais diagnosticadas com transtorno
desafiador opositivo (DDO), manias mistas, fobias sociais, distúrbios
bipolares, transtornos de conduta, depressão e transtornos do “espectro”. Por
que a indústria gosta de crianças? Crianças são pacientes submissos que farão o
que seus pais, professores e médicos mandarem, diz o ex-promotor de vendas da
indústria farmacêutica Gwen Olsen, autor de Confessions
of an Rx Drug Pusher [“Confissões de um Vendedor de Drogas”]. Eles são
os “tipos de paciente ideal porque representam prescrição contínua, obediente e
longeva. “Em outras palavras, eles vão ser pacientes ao longo da vida e renovar
o estoque de clientes para a indústria. Não é exagero. Além disso, além de
consumirem drogas pesadas e desnecessárias, muita crianças apresentarão reações
que exigirão mais drogas, para tratar dos efeitos colaterais.
5. Medo de que sua droga deixe de produzir efeitos
Desde
que as grandes indústrias farmacêuticas descobriram que era fácil acrescentar
mais drogas a uma droga original — seja para crianças ou pessoas com doenças
mentais –, começou a era das drogas “agregadas” e das condições “resistentes a
tratamento”. Seu remédio pode não funcionar, dizem novas campanhas do Alility
ou Seroquel, porque você precisa de uma segunda droga para ativar a primeira e
torná-la mais efetiva. A redefinição da depressão, para vender medicamentos,
foi particularmente furtiva. Médicos financiados pela indústria reclassificaram
a doença como uma condição para a vida toda, que requer uso permanente de
drogas. E há mais! Quase sem evidência médica alguma, a depressão foi
considerada “progressiva” — o que, é claro, ampliou seu potencial de produzir
medo. “À medida em que o número de grandes episódios depressivos aumento, o
risco de episódios subsequentes é previsível”, alertava um artigo denominado
“Neurobiology of Depression: Major Depressive Disorder as a Progressive
Illness” [“Neurobiologia da Depressão: o Grande Distúrbio Depressivo como
Doença Progressiva”], publicado no site médico Medscape, e ladeado por anúncios
do antidepressivo Pristiq.
6. Medo de doenças silenciosas
E
se você não apresentar sintomas e estiver se sentindo bem? Isso não significa
que você não sofre de condições silenciosas, que podem estar ameaçando sua
saída sem que você saiba. Nenhuma pílula, na história, foi tão bem sucedida
como a estatina Lipitor, com sua campanha de TV “Know Your Numbers” [“Conheça
seus Números”] e o medo crescente de ataques cardíacos relacionados ao
colesterol. Milhões de pessoas usam estatinas para proteger contra o medo de
doenças cardíacas silenciosas, embora recentemente, em alguns estudos, o
colesterol tenha sido excluído,
como risco central de doença cardíaca (ainda bem que a patente do Lipitor
expirou…). Também as campanhas da indústria farmacêutica que amedrontam as
mulheres sobre perda silenciosa de ossos venderam drogas anti-oesteosporose
como Fosamax, Boniva e Prolia, ao convencerem mulheres que algum dia, sem
nenhum aviso, seus ossos em processo de enfraquecimento irão se partir. A
previsão era verdadeira, com um pequeno detalhe: algumas das mulheres cujos ossos
estalaram estavam usando drogas anti-osteosporose, cujos efeitos
colaterais passaram a incluir fraturas!
*Martha Rosenberg - Repórter investigativa, cujo
trabalho já apareceu em
Consumers Digest , o Boston Globe, San Francisco Chronicle,
Chicago Tribune, New Orleans Times-Picayune, Los Angeles Times, Providence
Journal e Newsday. Ela serve como cartunista editorial no Evanston Roundtable.
Sua comida Random House e drogas expor, que nasceu com uma deficiência Junk
Food: Como Flaks, charlatães e Hacks Pimp A Saúde Pública, foi citado na
Sociedade Americana de Jornalistas e Autores 2013 Outstanding Livros prêmios.
Ela já apareceu em CSPAN, National Public Radio e outros meios de comunicação
do tipo
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