sexta-feira, 24 de abril de 2015

Portugal. CENSURAS OCULTAS



Felisbela Lopes – Jornal de Notícias, opinião

Passados 41 anos sobre o 25 abril, há ainda um longo caminho pela frente para conquistar liberdades fundamentais. Como a liberdade de Imprensa.

Hoje, as redações dos média portugueses veem-se confrontadas com constrangimentos que todos os dias lhes subtraem poder para publicar aquilo que sabem ser o mais relevante do ponto de vista do interesse público. E isso tem uma enorme influência na qualidade da democracia. Eis aqui um debate que urge abrir com urgência.

Os jornalistas vivem hoje sob uma pressão colossal. Pressão para ser rentável. Pressão para fazer a cobertura de determinado acontecimento. Pressão para ouvir este ou aquele interlocutor. Pressão para não afrontar os financiadores da sua empresa. Pressão para cumprir leis que não deixam margem para noticiar factos com relevância noticiosa. Pressão para trabalhar depressa. Pressão para ser o primeiro a anunciar a última coisa que acontece. Pressão para multiplicar conteúdos em diversas plataformas. Pressão para atender àquilo que os cidadãos dizem nas redes sociais. Pressão para desenvolver conteúdos de qualidade que suscitem o interesse do público. Pressão para não provocar reações dos reguladores dos média. Não é fácil trabalhar assim. Por isso, atualmente, ser jornalista é aceitar viver sob permanentes censuras ocultas que são tão ou mais eficazes do que o temível lápis azul do Estado Novo.

O jornalismo livre e de qualidade sempre foi vital para a construção de um espaço público dinâmico e para uma cidadania à procura de uma sociedade mais equilibrada, mais diversificada, mais criativa. Esse jornalismo nunca constituirá um perigo para a democracia. Pelo contrário. Apresenta-se como um antídoto dos abusos de poder, da corrupção, das disfuncionalidades das instituições públicas, dos atropelos cometidos no setor privado, das tiranias individuais que aqui e ali vão fazendo o seu caminho. Felizmente esse jornalismo existe entre nós, o que nos devolve alguma esperança de que há um futuro para a profissão. No entanto, este é um campo cada vez mais minado e isso tem vindo a agravar-se.

Imersas numa inegável crise económica, as redações dos média confrontam-se com a diminuição de meios e a redução de equipas. Hoje é difícil ir até ao fim da rua ou até ao fim do Mundo à procura de uma boa estória. Relata-se o que acontece a partir da fábrica das notícias. Não há dinheiro para grandes deslocações. É preciso fazer mais com menos. E é preciso fazer. E no meio de tudo isto, ressalta ainda o pânico de perder o emprego.

Sem muito tempo para investigar os factos, os jornalistas ficam à mercê de fontes de informação cada vez mais sofisticadas na sua forma de atuar, pisando frequentemente a linha vermelha que separa a disponibilização da informação da manipulação dos jornalistas. No entanto, estes processos são hoje deveras subtis e, por isso, difíceis de denunciar.

Afundados num contexto demasiado agreste para a liberdade de Imprensa fazer caminho, os jornalistas veem-se ainda confrontados com permanentes reptos tecnológicos que podem constituir-se como uma espécie de terceira via em direção à conquista da sua autonomia, mas também podem assumir-se como sérios constrangimentos. Escrever para diversas plataformas, estar sob o escrutínio permanente de cidadãos que querem ser "prosumers" (produtores e consumidores), encontrar novas linguagens para plataformas móveis que são cada vez mais veículos para a informação constituem hoje desafios a que as redações não podem virar costas sob pena de perderem públicos importantes para a sobrevivência de um projeto editorial. Mas isso exige mais tempo, mais recursos humanos e tecnológicos, mais conhecimentos. Ora hoje não há dinheiro para cumprir aquilo que se sabe ser fundamental. E isso é um grande problema.

Assinala-se amanhã mais um aniversário do 25 de abril. Para além das cerimónias costumeiras deste dia, seria aconselhável aproveitar a data para abrir um debate à volta da atual crise em que está imersa a liberdade de Imprensa. Porque isto não é um assunto de jornalistas. É a base da nossa democracia.

PROF. ASSOCIADA COM AGREGAÇÃO DA UMINHO

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