quarta-feira, 27 de maio de 2015

Cabo Verde. A geração que hipotecou o espírito crítico e reivindicativo à espera de esmola...



... dos dinossauros políticos

Nilton Correia – Expresso das Ilhas (cv), opinião

Em Cabo Verde os jovens estão à espera: à espera de uma bolsa universitária; à espera de um emprego; à espera de um visto; à espera de um cargo de chefia na administração; à espera de um lugar elegível num partido político… mesmo as jovens vendedeiras estão à espera de uma loja  no  Novo Mercado Municipal da Praia, enfim “Tudo arguém s’ta espera algum kusa”!

Tudo bem. Até aqui, nada contra! Porque até os políticos estão à espera do aumento dos seus salários!  E na vida, quando nascemos, ficamos à espera da tão falada morte!...

Hoje posso afirmar sem qualquer complexo  e pesar que faço parte da  “Geração que hipotecou o espírito crítico e reivindicativo à espera de esmola dos dinossauros políticos”.

Alguns autores têm a seguinte opinião sobre a juventude:

“Grazioli (1984) – a juventude é também um estilo de vida que vai além da definição da idade, evocando a transgressão, o anticonformismo...; Carrano (2000) – a juventude associa-se à potencialidade de construção de uma sociedade melhor, apesar de muitas vezes ser vista como problema pelos elevados índices de infracções cometidas por jovens...; Lima (1958) – a procura do risco e do prazer, a omnipotência, a irreverência, a contestação, a solidariedade e os esforços para mudar os padrões estabelecidos...; Azambuja (1985) – o jovem é revolucionário porque é dele que saem as novas propostas”.

Façamos uma pequena radiografia sobre a problemática da juventude no  mundo:

Em relação ao continente africano:

De acordo com o Banco Mundial, a África possui 4/5 da riqueza do mundo. Possui 90% das reservas de minerais do grupo da platina e metade dos diamantes do mundo; mais de 50% de terras aráveis, muitos de seus países com clima chuvoso, com lagos e rios. A África, sendo habitada por 200 milhões de pessoas com idade compreendida entre os 15 e os 24 anos, possuí a população mais jovem do mundo e é o que continua em constante crescimento. Com esta enorme potencialidade, os jovens africanos representam 60% do total de desempregados sendo as mulheres jovens as mais afectadas. Os jovens africanos, dotados de muita energia, criatividade e talento não ficam de braços cruzados porque manifestam, reivindicam, criticam e lutam para mudar o “status quo”. Basta reavivar a memória com: a Primavera Árabe, as últimas eleições presidenciais no Senegal, ou então, a queda de Blaise Campaoré. Muitos especialistas no domínio das ciências sociais afirmam que o  desemprego juvenil em África é uma bomba-relógio que agora está eminentemente perto da explosão.

Em relação à Europa:

Em Setembro de 2012, um artigo publicado no jornal The Washington Post, intitulado “Young and without a future”, evocava uma “geração perdida” na Europa, com mais de 5,5 milhões de jovens no desemprego correspondendo a uma taxa de desemprego de 23,2% na área do euro. Esta alta taxa de desemprego provoca o aumento da criminalidade juvenil, a diminuição da natalidade, o aumento de casos de depressão entre as demais consequências. Apesar da criação da “Garantia Jovem”, pelos líderes Europeus, um compromisso para que, gradualmente e num prazo de 4 meses, após o jovem sair do sistema de ensino ou do mercado de trabalho, lhe seja feito uma oferta de emprego, ou de continuação dos estudos, ou de formação profissional ou de estágio, o desemprego juvenil contínua galopante na Europa. Os jovens Europeus unem-se, realizam manifestações, reivindicam, criticam e lutam para mudar o “status quo” e constata-se a mudanças de partidos políticos,  a fim de viver numa Europa melhor.

Em relação aos Estados Unidos da América:

Desempregados e sem perspectivas, muitos jovens americanos não se sentem viver no país “self-made man” e o sonho americano tornou-se um pesadelo para muitos deles. Apenas 1/5 da juventude americana trabalha a tempo inteiro e a taxa do desemprego jovem ronda os 16%. Cerca de 73% dos jovens americanos pensam fazer estudos superiores (mestrado e doutoramento) a fim de conseguirem um bom emprego. Só que estudar é um luxo e muitos questionam “Todos estes anos de estudo e milhares de dólares para nada?”. Os jovens americanos reivindicam, criticam, manifestam, e lutam para mudar o “status quo”, criando movimentos como “Occupy Wall Street” e constata-se mudanças de partidos políticos a fim de recuperar o “American Dreams”.

Em Cabo Verde, historicamente a juventude reivindicou, criticou, manifestou, lutou, criou movimentos, mudou o “status quo” e constatou-se a mudança de regime e partidos políticos. A luta pela independência e a abertura política são exemplos memoráveis.

Segundo os dados do senso de 2010, a idade média da população é de 27 anos e a mediana de 22 anos. A grande percentagem do eleitorado é jovem, ou seja, quem decide as eleições em Cabo verde são os jovens. Os partidos políticos sabem muito bem disso! Mas será que os jovens  Cabo-verdianos estão ciente deste poder??? Em Cabo Verde, hoje, são os jovens que tiram e que dão poder!

Como é que se explica o facto de os jovens serem o pêndulo do poder e no entanto permitirem que os dinossauros políticos os manipulem? Como? Mas como?

Será pelo facto da não existência de uma representatividade justa e contrabalançada nas listas partidárias, visto que a democracia é representativa? Uma representação que espelha a população cabo-verdiana?

 A situação actual da juventude cabo-verdiana é semelhante à conjuntura mundial, mas,  é visível e perceptível um certo conformismo, obediência, medo,   receio,  passividade, indiferença, desinteresse em relação ao presente e ao futuro dos nossos filhos e dos nossos netos. Não se reivindica, não se critica, não se manifesta, não se luta para mudar o “status quo”.

Pessoas que frequentam e que frequentaram universidades, com formação, capacitada, que coabitaram com povos desenvolvidos, pessoas que conheceram a liberdade de opinião e expressão, de revindicação e o espírito crítico, ficam indiferentes à situação actual, escudando-se em  frases, tais como: “ nka teni trabadju”, “nten medu”, “nka kre purblema ku ninguem”, etc. Enfim, todos estão à espera de qualquer coisa! Um comportamento ingénuo, “naïf” e muitas vezes feito de forma inconsciente, sem se perceber que estão a alimentar o actual sistema do país.

O ridículo nisso é que muitos políticos, os “Djon sperto”, conotam estes jovens com a palavra “humilde”, porque aqui em Cabo Verde alguns confundem a humildade com o “calar o bico e engolir tudo a seco”.

 Aproxima-se a época da feitura das listas e a inserção dos jovens nas fileiras dos partidos políticos.  Será que é desta que vai valer a pena esperar? Será que é desta vez que vai valer a pena hipotecar o espírito crítico e reivindicativo?

Espero que o saldo do vosso silêncio e da vossa cumplicidade seja pago desta vez!

Good Luck!

PS: Nunca te esqueças que desde os tempos antigos cada geração pensa que a próxima é estúpida e decadente, prova disto é:

“Eu não tenho nenhuma esperança para com o futuro do nosso país, se a juventude de hoje assumir os destinos de amanhã. Porque esta juventude é insuportável, atrevida, simplesmente terrível.” Hesíodo (720 a.C.). 

“Nossos adolescentes actuais parecem amar o luxo. Têm maus modos e desprezam a autoridade. São desrespeitosos com os adultos e passam o tempo vagando nas praças. São propensos a ofender seus pais, monopolizam a conversa quando estão em companhia de outras pessoas mais velhas; comem com voracidade e tiranizam seus mestres.” Sócrates (470-399 a.C.).

Sem comentários:

Mais lidas da semana