quarta-feira, 27 de maio de 2015

Angola. LEMBRAR UM MASSACRE NO ANIVERSÁRIO DE OUTRO




O jornalista Simon Allison traça um paralelismo entre o 27 de Maio de 1977 e os incidentes do monte Sume.

No aniversário do “seu dia mais sangrento”, Simon Allison relembra no Daily Maverick “outro massacre de civis pelo Estado” em Angola, traçando um paralelismo entre os acontecimentos do 27 de Maio, do qual hoje passam 38 anos, e aquilo que se passou a 16 de Abril no monte Sume, no Huambo.

“O governo gostaria que o mundo esquecesse aquilo que se passou no monte Sume a 16 de Abril deste ano, tal como escondeu durante décadas as dezenas de milhares que morreram a 27 de Maio de 1977 e aqueles mortos no massacre de Outubro de 1992. Desta vez, no entanto, a informação não é tão fácil de controlar – nem as consequências”, escreve Allison, correspondente do Daily Maverick em África.

O jornalista refere que ainda hoje o número 27 é calado, porque, mesmo murmurado, ainda “pode ser considerado um acto político subversivo”. Chamando-lhe um “símbolo poderoso” de operação brutal do Estado, Allison cita a historiadora Marissa Moorman, para explicar que os acontecimentos de 1977 se transformaram numa história que os pais contam aos filhos para evitar que se envolvam em protestos ou se juntem à oposição. “Tem sido responsável por quantidades incalculáveis de autocensura”, garante Moorman.

Falando dos relatos que colocam o número de mortos entre os 12 mil e os 80 mil, que classifica como o “mais sangrento massacre do século XX”, Allison fala também de como a quantidade de vítimas fatais na acção da polícia contra os seguidores da seita A Luz do Mundo é ainda indefinida. Aquilo que a versão oficial coloca em 22, incluindo nove polícias, a UNITA diz que foram 1080.

E aí, o jornalista cita Lara Pawson, autora do livro Em Nome do Povo – O Massacre que Angola Silenciou: “É interessante como em Angola os números de massacres ou de alegados massacres crescem rapidamente. Dei por mim a pensar que isto é como no 27 de Maio, tendo em conta as denominadas estimativas de mortos que foram das, talvez, centenas da altura, para duas mil a três, subindo para 15.000, 25.000, 50.000 e há pessoas que falam em 80 mil a 90 mil”.

Seja como for, escreve o jornalista, tendo em conta o que os jornalistas e activistas puderam testemunhar, “a que se juntam as fotografias e o vídeo do monte Sume que apareceram, sugerem que a afirmação do governo de que foram apenas 13 mortos [entre os fiéis de Juliano Kalupeteka] é ridícula, com os verdadeiros números a andarem pelas centenas”.

E é provável que, tal como no 27 de Maio, nunca se venha a saber realmente quantos morreram no monte Sume, até porque o governo impõe a sua versão através dos órgãos de comunicação do Estado e exige provas aos órgãos independentes, ao mesmo tempo que militarizou a área e impediu o acesso aos jornalistas nos dias a seguir aos acontecimentos.

Allison cita uma declaração exclusiva de Rafael Marques em que este refere que a acção da polícia contra a seita ainda não terminou: “O principal problema não é só que o massacre tenha acontecido. As pessoas estão a ser perseguidas por pertencer à seita. Acabei de receber informação ontem, e passei a um amigo para ser publicada, de que a sul de Luanda, um comandante da polícia se recusou a acatar as ordens do administrador do município para, basicamente, ir atrás da seita e matá-los. Não parou. As pessoas estão a ser perseguidas, perseguidas e mortas.”

Para o jornalista do Daily Maverick, “não há dúvida de que uma coisa terrível aconteceu na encosta do monte Sumi. Se calhar mais assustador para o resto dos cidadãos angolanos que sofrem há muito é aquilo que o massacre, e a correspondente resposta do governo, nos diz sobre o próprio Estado angolano”.

No entanto, o jornalista acaba por concluir num tom, senão optimista, pelo menos, não tão pessimista: “Ao contrário do 27 de Maio, a Angola não será permitido varrer para debaixo do tapete o 16 de Abril – e terá lidar com as consequências, mais cedo do que tarde”.

Manifestações marcadas para Luanda e Benguela

Hoje há manifestações agendadas em Luanda e Benguela para assinalar mais um aniversário dos acontecimentos de 27 de Maio de 1977, que resultaram na morte de um número ainda indeterminado de vítimas mas que se contam na casa dos milhares. Se tudo correr como habitualmente, as manifestações não se chegarão a realizar, porque a polícia actuará antes para as impedir, como tem feito sistematicamente com todas as acções do género.

Segundo Eduardo Ngumbe, um dos organizadores da manifestação, em declarações àDeutsche Welle, a manifestação foi mesmo proibida em Benguela pelo Governo Provincial: “Recebemos [ameaças] do director do Gabinete do Governador, e recebemos do Sr. Mota, do comando policial, e de tantos outros que ligam clandestinamente. Numa reunião que tivemos com o Sr. Mota ele até chegou a perguntar-nos se estávamos preparados para repetir o dia 27 de Maio, tipo fazer uma segunda edição”, denunciou.

Na convocatória da manifestação, além de referirem que se destina a marcar o dia no presente para que as pessoas hoje não esqueçam o acontecido há 38 anos, os organizadores falam também em relembrar outros casos mais recentes, de gente como Alves Kamulingue, Isaías Cassule e Hilbert Ganga.

“Nós não vamos só honrar a memória dos nossos concidadãos que morreram no dia 27 de Maio, como vamos honrar também a memória dos nossos concidadãos e irmãos patriotas como Alves Kamulingue, Isaías Cassule e Hilbert Ganga, e tantos outros que têm clandestinamente sido mortos pelo regime ditatorial”, acrescentou Eduardo Ngumbe.

Rede Angola – Foto: Acampamento da seita A Luz do Mundo no monte Sume - Ampe Rogério / RA

Sem comentários:

Mais lidas da semana