O
jornalista Simon Allison traça um paralelismo entre o 27 de Maio de 1977 e os
incidentes do monte Sume.
No
aniversário do “seu dia mais sangrento”, Simon Allison relembra no Daily
Maverick “outro massacre de civis pelo Estado” em Angola, traçando um
paralelismo entre os acontecimentos do 27 de Maio, do qual hoje passam 38 anos,
e aquilo que se passou a 16 de Abril no monte Sume, no Huambo.
“O
governo gostaria que o mundo esquecesse aquilo que se passou no monte Sume a 16
de Abril deste ano, tal como escondeu durante décadas as dezenas de milhares
que morreram a 27 de Maio de 1977 e aqueles mortos no massacre de Outubro de
1992. Desta vez, no entanto, a informação não é tão fácil de controlar – nem as
consequências”, escreve Allison, correspondente do Daily Maverick em
África.
O
jornalista refere que ainda hoje o número 27 é calado, porque, mesmo murmurado,
ainda “pode ser considerado um acto político subversivo”. Chamando-lhe um
“símbolo poderoso” de operação brutal do Estado, Allison cita a historiadora
Marissa Moorman, para explicar que os acontecimentos de 1977 se transformaram
numa história que os pais contam aos filhos para evitar que se envolvam em
protestos ou se juntem à oposição. “Tem sido responsável por quantidades
incalculáveis de autocensura”, garante Moorman.
Falando
dos relatos que colocam o número de mortos entre os 12 mil e os 80 mil, que
classifica como o “mais sangrento massacre do século XX”, Allison fala também
de como a quantidade de vítimas fatais na acção da polícia contra os seguidores
da seita A Luz do Mundo é ainda indefinida. Aquilo que a versão oficial coloca
em 22, incluindo nove polícias, a UNITA diz que foram 1080.
E
aí, o jornalista cita Lara Pawson, autora do livro Em Nome do Povo – O
Massacre que Angola Silenciou: “É interessante como em Angola os números de
massacres ou de alegados massacres crescem rapidamente. Dei por mim a
pensar que isto é como no 27 de Maio, tendo em conta as denominadas estimativas
de mortos que foram das, talvez, centenas da altura, para duas mil a três,
subindo para 15.000, 25.000, 50.000 e há pessoas que falam em 80 mil a 90 mil”.
Seja
como for, escreve o jornalista, tendo em conta o que os jornalistas e
activistas puderam testemunhar, “a que se juntam as fotografias e o vídeo do
monte Sume que apareceram, sugerem que a afirmação do governo de que foram
apenas 13 mortos [entre os fiéis de Juliano Kalupeteka] é ridícula, com os
verdadeiros números a andarem pelas centenas”.
E
é provável que, tal como no 27 de Maio, nunca se venha a saber realmente
quantos morreram no monte Sume, até porque o governo impõe a sua versão através
dos órgãos de comunicação do Estado e exige provas aos órgãos independentes, ao
mesmo tempo que militarizou a área e impediu o acesso aos jornalistas nos dias
a seguir aos acontecimentos.
Allison
cita uma declaração exclusiva de Rafael Marques em que este refere que a acção
da polícia contra a seita ainda não terminou: “O principal problema não é só
que o massacre tenha acontecido. As pessoas estão a ser perseguidas por
pertencer à seita. Acabei de receber informação ontem, e passei a um amigo para
ser publicada, de que a sul de Luanda, um comandante da polícia se recusou a
acatar as ordens do administrador do município para, basicamente, ir atrás da
seita e matá-los. Não parou. As pessoas estão a ser perseguidas, perseguidas e
mortas.”
Para
o jornalista do Daily Maverick, “não há dúvida de que uma coisa terrível
aconteceu na encosta do monte Sumi. Se calhar mais assustador para o resto dos
cidadãos angolanos que sofrem há muito é aquilo que o massacre, e a
correspondente resposta do governo, nos diz sobre o próprio Estado angolano”.
No
entanto, o jornalista acaba por concluir num tom, senão optimista, pelo menos,
não tão pessimista: “Ao contrário do 27 de Maio, a Angola não será permitido
varrer para debaixo do tapete o 16 de Abril – e terá lidar com as
consequências, mais cedo do que tarde”.
Manifestações
marcadas para Luanda e Benguela
Hoje
há manifestações agendadas em Luanda e Benguela para assinalar mais um
aniversário dos acontecimentos de 27 de Maio de 1977, que resultaram na morte
de um número ainda indeterminado de vítimas mas que se contam na casa dos
milhares. Se tudo correr como habitualmente, as manifestações não se chegarão a
realizar, porque a polícia actuará antes para as impedir, como tem feito
sistematicamente com todas as acções do género.
Segundo
Eduardo Ngumbe, um dos organizadores da manifestação, em declarações àDeutsche
Welle, a manifestação foi mesmo proibida em Benguela pelo Governo Provincial:
“Recebemos [ameaças] do director do Gabinete do Governador, e recebemos do Sr.
Mota, do comando policial, e de tantos outros que ligam clandestinamente. Numa
reunião que tivemos com o Sr. Mota ele até chegou a perguntar-nos se estávamos
preparados para repetir o dia 27 de Maio, tipo fazer uma segunda edição”,
denunciou.
Na
convocatória da manifestação, além de referirem que se destina a marcar o dia
no presente para que as pessoas hoje não esqueçam o acontecido há 38 anos, os
organizadores falam também em relembrar outros casos mais recentes, de gente
como Alves Kamulingue, Isaías Cassule e Hilbert Ganga.
“Nós
não vamos só honrar a memória dos nossos concidadãos que morreram no dia 27 de
Maio, como vamos honrar também a memória dos nossos concidadãos e irmãos
patriotas como Alves Kamulingue, Isaías Cassule e Hilbert Ganga, e tantos
outros que têm clandestinamente sido mortos pelo regime ditatorial”,
acrescentou Eduardo Ngumbe.
Rede
Angola – Foto: Acampamento da seita A Luz do Mundo no monte Sume - Ampe Rogério
/ RA
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