sábado, 30 de maio de 2015

Maior dever do Brasil na África é ajudar Guiné-Bissau a se reerguer, diz Amorim



Vanessa Martina Silva, São Paulo – Opera Mundi

'Se o Boko Haram ou o ebola chegarem ao país, será uma vergonha', alertou o ex-ministro, durante evento que celebrou o 52º Dia da África

“A grande responsabilidade do Brasil na África hoje é a Guiné-Bissau”, disse Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e ex-ministro da Defesa da gestão de Dilma Rousseff, durante evento realizado na última terça-feira (26/05).

De acordo com o diplomata, “o país tem que ajudar a Guiné-Bissau a se reerguer e resolver os seus problemas. Porque, Deus nos livre, mas se o problema do Boko Haram ou do ebola chegar à Guiné-Bissau e o Brasil não fizer nada, vai ser uma vergonha porque o país não vai conseguir sobreviver”. A Guiné-Bissau, também integrante da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) passou, nas últimas décadas, por uma sequência de golpes de Estado e desde a guerra civil de 1998-1999 e vive em constante fragilidade institucional.

Durante sua exposição no evento realizado pelo Instituto Lula, por ocasião do 52º Dia da África, comemorado na segunda (25/05), Amorim comentou o interesse do governo brasileiro — e seu, em particular — em fortalecer as relações com o continente: “Um dia um jornalista me perguntou: ‘ministro, por que o senhor dá tanta atenção à América do Sul?’ Eu disse: ‘porque eu moro aqui’. E com a África é a mesma coisa. A principal razão de o Brasil dar atenção à África é que ela mora aqui, mora em nós”.

Única africana a compor a mesa, representando simbolicamente os demais presentes, a embaixadora da Guiné-Bissau no Brasil, Eugénia Pereira Saldanha Araújo, lembrou que a data marca a libertação africana do jugo colonial e ressaltou as boas relações entre o Brasil e o continente. A diplomata ressaltou ainda que as políticas públicas e tecnologias brasileiras que são bem sucedidas podem ser apropriadas: “Os bons resultados obtidos pelo Brasil devem ser usados como paradigma para o nosso continente”, resumiu.

Também compuseram a mesa o diretor do Centro de Excelência contra a Fome (programa mundial de alimentos da ONU), Daniel Balaban; a secretária-geral do Sindicato dos Bancários, Ivone Maria da Silva, e a professora da Escola de Sociologia e Política de São Paulo Suhayla Khalil, além de Celso Marcondes do Conselho Consultivo do Instituto Brasil-África, de Fortaleza.  

Amorim sintetizou que "para cada problema africano existe uma solução brasileira". A frase do professor africano, radicado nos Estados Unidos, Calestous Juma foi usada por Amorim para enfatizar a importância das relações entre o Brasil e o continente africano. “Eu não sei se é verdade, mas se seguirmos esse lema, poderemos ajudar muito a África e nos engrandecer humanamente — o que é mais importante do que vender duas ou três paneladas a mais desse ou daquele produto”.

No evento realizado na sede do Sindicato dos Bancários estiveram presentes embaixadores, cônsules e representantes, de diversos países africanos e latino-americanos. Além de Amorim, o ato também contou com a presença de outros ex-ministros da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: Altemir Gregolin (da Pesca e Aquicultura), Matilde Ribeiro (Igualdade Racial), Nilcéia Freire (Secretaria de Políticas para as Mulheres) e Eloi Ferreira (Igualdade Racial).

Relações multilaterais

Apesar de o Brasil ser o país com a maior população afrodescendente do mundo depois da Nigéria, as relações com o continente africano foram, muitas vezes, deixadas de lado, pontua o ex-chanceler. “Acontece que a mídia brasileira expressa o que boa parte da elite brasileira pensa. Por que a África? Porque ela está muito perto e tem problemas muito parecidos com o Brasil”, aponta.

Apesar de ter ressaltado a proximidade física — Natal (RN) é mais próxima de Dakar, no Senegal, do que de Rio Branco (AC) — o ex-chanceler apontou que “entre as debilidades que nem o presidente Lula conseguiu vencer está o fato de que não há nenhuma linha aérea brasileira que vá direto para a África. Isso é quase vergonhoso”.

Quando voltei das minhas viagens à África como chanceler, vim com uma frase na cabeça: “A África tem sede do Brasil. Não que o Brasil seja um país desenvolvido, mas eles precisavam de coisas que nós tínhamos”. Ele contou ainda que “o ex-presidente da Namíbia Hifikepunye Pohamba disse que o ‘Brasil não nos dá o peixe, nos ensina a pescar’. Essa é a diferença entre a cooperação do Brasil com outras cooperações de países sejam potência, sejam emergentes”, marcou Amorim.

“A África tem um PIB hoje em valores de mercado de 2,7 trilhões de dólares. E cresce mais do que a média mundial. Será um grande mercado não só para retirar recursos naturais, mas também para desenvolver o comércio local. O continente, como conjunto, tem uma das maiores economias do mundo”, ressaltou o ex-ministro.

Na sequência, apontou que são inúmeros os projetos que o Brasil desenvolve na área técnica e deu como exemplo o projeto de melhoramento com a Embrapa de melhoria de algodão dos países produtores africanos como Chade, Burquina Faso, Mali e Togo, entre outros. Outro grande projeto é uma fábrica de medicamentos retrovirais em Moçambique que está em fase de implantação.

Críticas

Com relação às críticas de que as empresas brasileiras estariam fazendo uma espécie de “neocolonialismo” no continente africano ao explorar os recursos abundantes e terras baratas daqueles países, Amorim rebateu: “Claro que as empresas brasileiras visam lucros. Acontece que muitas vezes esse lucro pode se tornar compatível com os objetivos de desenvolvimento social, em outras não”.

E ressaltou que Lula e ele sempre tiveram atenção para que as empresas brasileiras não se descuidassem desses aspectos. “O país onde é feito o investimento tem direito de reclamar, de fazer demandas e o que investe também pode aparar as arestas, modificar o comportamento da empresa. No geral acho que é compatível. Você pode até negar o capitalismo, mas dentro do nosso tempo a presença das empresas é uma maneira de ajudar a África”, concluiu.

Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

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