Vanessa
Martina Silva, São Paulo – Opera Mundi
'Se
o Boko Haram ou o ebola chegarem ao país, será uma vergonha', alertou o
ex-ministro, durante evento que celebrou o 52º Dia da África
“A
grande responsabilidade do Brasil na África hoje é a Guiné-Bissau”, disse Celso
Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores do governo do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (2003-2010) e ex-ministro da Defesa da gestão de Dilma
Rousseff, durante evento realizado na última terça-feira (26/05).
De
acordo com o diplomata, “o país tem que ajudar a Guiné-Bissau a se reerguer e
resolver os seus problemas. Porque, Deus nos livre, mas se o problema do Boko
Haram ou do ebola chegar à Guiné-Bissau e o Brasil não fizer nada, vai ser uma
vergonha porque o país não vai conseguir sobreviver”. A Guiné-Bissau, também
integrante da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) passou, nas
últimas décadas, por uma sequência de golpes de Estado e desde a guerra civil de
1998-1999 e vive em constante fragilidade institucional.
Durante
sua exposição no evento realizado pelo Instituto Lula, por ocasião do 52º Dia
da África, comemorado na segunda (25/05), Amorim comentou o interesse do
governo brasileiro — e seu, em particular — em fortalecer as relações com o
continente: “Um dia um jornalista me perguntou: ‘ministro, por que o senhor dá
tanta atenção à América do Sul?’ Eu disse: ‘porque eu moro aqui’. E com a
África é a mesma coisa. A principal razão de o Brasil dar atenção à África é
que ela mora aqui, mora em nós”.
Única
africana a compor a mesa, representando simbolicamente os demais presentes, a
embaixadora da Guiné-Bissau no Brasil, Eugénia Pereira Saldanha Araújo, lembrou
que a data marca a libertação africana do jugo colonial e ressaltou as boas
relações entre o Brasil e o continente. A diplomata ressaltou ainda que as
políticas públicas e tecnologias brasileiras que são bem sucedidas podem ser
apropriadas: “Os bons resultados obtidos pelo Brasil devem ser usados como
paradigma para o nosso continente”, resumiu.
Também
compuseram a mesa o diretor do Centro de Excelência contra a Fome (programa
mundial de alimentos da ONU), Daniel Balaban; a secretária-geral do Sindicato
dos Bancários, Ivone Maria da Silva, e a professora da Escola de Sociologia e
Política de São Paulo Suhayla Khalil, além de Celso Marcondes do Conselho
Consultivo do Instituto Brasil-África, de Fortaleza.
Amorim
sintetizou que "para cada problema africano existe uma solução
brasileira". A frase do professor africano, radicado nos Estados Unidos,
Calestous Juma foi usada por Amorim para enfatizar a importância das relações
entre o Brasil e o continente africano. “Eu não sei se é verdade, mas se
seguirmos esse lema, poderemos ajudar muito a África e nos engrandecer
humanamente — o que é mais importante do que vender duas ou três paneladas a
mais desse ou daquele produto”.
No
evento realizado na sede do Sindicato dos Bancários estiveram presentes
embaixadores, cônsules e representantes, de diversos países africanos e
latino-americanos. Além de Amorim, o ato também contou com a presença de outros
ex-ministros da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: Altemir
Gregolin (da Pesca e Aquicultura), Matilde Ribeiro (Igualdade Racial), Nilcéia
Freire (Secretaria de Políticas para as Mulheres) e Eloi Ferreira (Igualdade
Racial).
Relações
multilaterais
Apesar
de o Brasil ser o país com a maior população afrodescendente do mundo depois da
Nigéria, as relações com o continente africano foram, muitas vezes, deixadas de
lado, pontua o ex-chanceler. “Acontece que a mídia brasileira expressa o que
boa parte da elite brasileira pensa. Por que a África? Porque ela está muito
perto e tem problemas muito parecidos com o Brasil”, aponta.
Apesar
de ter ressaltado a proximidade física — Natal (RN) é mais próxima de Dakar, no
Senegal, do que de Rio Branco (AC) — o ex-chanceler apontou que “entre as
debilidades que nem o presidente Lula conseguiu vencer está o fato de que não
há nenhuma linha aérea brasileira que vá direto para a África. Isso é quase
vergonhoso”.
Quando
voltei das minhas viagens à África como chanceler, vim com uma frase na cabeça:
“A África tem sede do Brasil. Não que o Brasil seja um país desenvolvido, mas
eles precisavam de coisas que nós tínhamos”. Ele contou ainda que “o
ex-presidente da Namíbia Hifikepunye Pohamba disse que o ‘Brasil não nos dá o
peixe, nos ensina a pescar’. Essa é a diferença entre a cooperação do Brasil
com outras cooperações de países sejam potência, sejam emergentes”, marcou
Amorim.
“A
África tem um PIB hoje em valores de mercado de 2,7 trilhões de dólares. E
cresce mais do que a média mundial. Será um grande mercado não só para retirar
recursos naturais, mas também para desenvolver o comércio local. O continente,
como conjunto, tem uma das maiores economias do mundo”, ressaltou o ex-ministro.
Na
sequência, apontou que são inúmeros os projetos que o Brasil desenvolve na área
técnica e deu como exemplo o projeto de melhoramento com a Embrapa de melhoria
de algodão dos países produtores africanos como Chade, Burquina Faso, Mali e
Togo, entre outros. Outro grande projeto é uma fábrica de medicamentos
retrovirais em Moçambique que está em fase de implantação.
Críticas
Com
relação às críticas de que as empresas brasileiras estariam fazendo uma espécie
de “neocolonialismo” no continente africano ao explorar os recursos abundantes
e terras baratas daqueles países, Amorim rebateu: “Claro que as empresas
brasileiras visam lucros. Acontece que muitas vezes esse lucro pode se tornar
compatível com os objetivos de desenvolvimento social, em outras não”.
E
ressaltou que Lula e ele sempre tiveram atenção para que as empresas
brasileiras não se descuidassem desses aspectos. “O país onde é feito o
investimento tem direito de reclamar, de fazer demandas e o que investe também
pode aparar as arestas, modificar o comportamento da empresa. No geral acho que
é compatível. Você pode até negar o capitalismo, mas dentro do nosso tempo a
presença das empresas é uma maneira de ajudar a África”, concluiu.
Foto:
Ricardo Stuckert/Instituto Lula
Sem comentários:
Enviar um comentário