José
Eduardo Agualusa – Rede Angola, opinião
Na
passada quarta-feira, 27 de Maio, o representante de Angola no Conselho de
Segurança das Nações Unidas votou favoravelmente uma resolução condenando as
violações e abusos cometidos contra jornalistas em todo o mundo. No dia
seguinte, um tribunal angolano sentenciou Rafael Marques a uma pena suspensa de
seis meses de cadeia por calúnia e difamação.
Recorde-se
que Marques chegara a acordo com os generais envolvidos, num entendimento que
previa a monitorização de possíveis violações de direitos humanos na região das
Lundas. Era um acordo inteligente, e que, de certa forma, salvava a face dos
generais. Uma solução, aliás, que não fui capaz de prever numa crónica
anterior.
Com
a presente sentença voltou tudo atrás. Caiu a máscara. A verdade é que o regime
angolano fez do cinismo a sua ideologia e da hipocrisia uma religião.
Felizmente, pratica o cinismo e a hipocrisia de forma tão ingénua, tão
extraordinariamente desastrada, que mesmo os seus clientes mais fiéis e
invertebrados começam a sentir enormes dificuldades em defendê-lo publicamente.
Em privado é diferente, em privado não conheço uma única pessoa que defenda o
actual regime, nem sequer os próprios governantes. Em privado, em Angola, todo
o mundo é da oposição.
A
intenção da sentença é clara – silenciar Rafael Marques pelo menos durante seis
meses. O mais provável é que o tiro saia pela culatra, ferindo o atirador. Por
um lado o próprio Rafael já veio a público dizer que, diante desta armadilha
infame, irá denunciar todo o processo. Por outro, a mesma voltou a chamar a
atenção do mundo para a situação da liberdade de expressão no país. Lendo a
imprensa internacional é este o resumo da situação: vigora em Angola um sistema
de “justiça” que condena o jornalista e se recusa a investigar quem este
denuncia, por crimes gravíssimos, não obstante a exibição de inúmeras provas,
presentes no livro que originou todo o processo, “Diamantes de Sangue: Tortura
e Corrupção em Angola”.
Creio
que foi Einstein quem disse haver apenas duas coisas infinitas: o universo e a
estupidez humana. O erro de Rafael Marques foi ter subestimado a estupidez do
regime. O regime que nos condena manifesta, por vezes, rápidos lampejos de
inteligência – como aconteceu com a decisão dos generais – mas quase sempre
essas imprevistas manifestações são contrariadas, logo a seguir, por um
invencível ataque de cegueira. Já se sabe: a raiva cega.
E
agora?
Agora
Rafael continuará a falar, e continuará a falar para uma audiência cada vez
mais alargada. Virão mais prémios. O seu brilho aumentará na mesma proporção em
que a imagem do Presidente da República se irá degradando.
No
fim, a inteligência triunfa. É quase uma história de fadas.
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