terça-feira, 2 de junho de 2015

Angola. UMA HISTÓRIA DE FADAS



José Eduardo Agualusa – Rede Angola, opinião

Na passada quarta-feira, 27 de Maio, o representante de Angola no Conselho de Segurança das Nações Unidas votou favoravelmente uma resolução condenando as violações e abusos cometidos contra jornalistas em todo o mundo. No dia seguinte, um tribunal angolano sentenciou Rafael Marques a uma pena suspensa de seis meses de cadeia por calúnia e difamação.

Recorde-se que Marques chegara a acordo com os generais envolvidos, num entendimento que previa a monitorização de possíveis violações de direitos humanos na região das Lundas. Era um acordo inteligente, e que, de certa forma, salvava a face dos generais. Uma solução, aliás, que não fui capaz de prever numa crónica anterior.

Com a presente sentença voltou tudo atrás. Caiu a máscara. A verdade é que o regime angolano fez do cinismo a sua ideologia e da hipocrisia uma religião. Felizmente, pratica o cinismo e a hipocrisia de forma tão ingénua, tão extraordinariamente desastrada, que mesmo os seus clientes mais fiéis e invertebrados começam a sentir enormes dificuldades em defendê-lo publicamente. Em privado é diferente, em privado não conheço uma única pessoa que defenda o actual regime, nem sequer os próprios governantes. Em privado, em Angola, todo o mundo é da oposição.

A intenção da sentença é clara – silenciar Rafael Marques pelo menos durante seis meses. O mais provável é que o tiro saia pela culatra, ferindo o atirador. Por um lado o próprio Rafael já veio a público dizer que, diante desta armadilha infame, irá denunciar todo o processo. Por outro, a mesma voltou a chamar a atenção do mundo para a situação da liberdade de expressão no país. Lendo a imprensa internacional é este o resumo da situação: vigora em Angola um sistema de “justiça” que condena o jornalista e se recusa a investigar quem este denuncia, por crimes gravíssimos, não obstante a exibição de inúmeras provas, presentes no livro que originou todo o processo, “Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola”.

Creio que foi Einstein quem disse haver apenas duas coisas infinitas: o universo e a estupidez humana. O erro de Rafael Marques foi ter subestimado a estupidez do regime. O regime que nos condena manifesta, por vezes, rápidos lampejos de inteligência – como aconteceu com a decisão dos generais – mas quase sempre essas imprevistas manifestações são contrariadas, logo a seguir, por um invencível ataque de cegueira. Já se sabe: a raiva cega.

E agora?

Agora Rafael continuará a falar, e continuará a falar para uma audiência cada vez mais alargada. Virão mais prémios. O seu brilho aumentará na mesma proporção em que a imagem do Presidente da República se irá degradando.

No fim, a inteligência triunfa. É quase uma história de fadas.


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