Expresso revela
o teor do despacho judicial de contraditório sobre a gestão gaiense, onde
pontificavam Luís Filipe Menezes e o atual número dois do PSD
Valdemar Cruz - Expresso
Tem
data de 19 de dezembro do ano passado, é assinado pelo juíz conselheiro Ernesto
Cunha e, sob a designação de "Auditoria Orientada ao Endividamento do
Município de Vila Nova de Gaia", defende que o município gaiense
"desenvolveu uma gestão orçamental desiquilibrada, caracterizada pela
ausência de sinceridade e fiabilidade na previsão de receitas, de racionalidade
e prudência na efetivação de gastos e de monotorização da execução do orçamento
no sentido de adequar a realização de despesas à arrecadação de receitas,
tornando impossível o cumprimento atempado dos compromissos assumidos e
acumulando dívidas a fornecedores originariamente de curto-prazo".
Trata-se
de um documento provisório com base no qual, no entanto, os visados terão de
exercer o contraditório, já que, sublinha o juiz conselheiro, o relato é
"claro e preciso, constituindo com todos os seus anexos uma base idónea,
suficiente, e adequada para o exercício do direito de contraditório pelos
responsáveis".
Esta quinta-feira, a "Visão", num trabalho do
jornalista Miguel Carvalho, divulga também o relatório preliminar da auditoria
do Tribunal de Contas sobre a Câmara Municipal de Gaia, no qual é feita uma
apreciação demolidora sobre a atuação do presidente da Câmara. Luís Filipe
Menezes e o "vice-presidente", Marco António Costa, entre 2008 e
2012.
Também
aqui as palavras são demolidoras. O relatório preliminar fala de "falta de
sinceridade, transparência e fiabilidade na previsão de receitas",
"falta de racionalidade e prudência na efetivação dos gastos" e
"falta de cumprimento atempado dos compromissos assumidos,
acumulando dívidas a fornecedores".
Marco
António Costa foi o responsável pelo pelouro financeiro em quatro dos cinco
anos auditados, mas a lista de políticos e responsáveis municipais instados a
justificar as decisões tomadas é vasta. Envolve vereadores da coligação
PSD/CDS, diretores, administradores e eleitos do PS, entre os quais o atual
presidente da Câmara de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, que votou favoravelmente
uma das operações consideradas ruinosas: a transferência da posição da
autarquia para a Águas de Gaia no contrato celebrado com o consórcio SUMA
(empresa de recolha de resíduos), liderado pela Mota Engil. O negócio veio a
revelar-se prejudicial para a empresa municipal e o erário público.
Município
endividado
Num município que superava, em 2012, os 278 milhões de euros, o Tribunal de Contas encontra fortes indicíos de que, ainda assim, a autarquia terá ido muito "para além da sua capacidade financeira" em todo o período analisado, arriscando a rutura.
Um
dos exemplos maiores da deriva apontado pelos auditores é o facto de, entre
2008 e 2012, o executivo camarário ter assumido, no global, mais de 450 milhões
de euros de "despesas sem cobertura".
No
documento, a que o Expresso teve acesso, são apontados os pontos principais
sobre os quais incide a necessidade de justificações cabais sobre as opções
tomadas. Entre os vários exemplos estão "a constituição de um Fundo de
Investimento Imobiliário fechado que, tendo servido de veículo de financiamento
indireto do Município, em tudo se assemelha a uma operação de 'sale and lease
back' que, em termos económico-financeiros, se traduz numa forma de obter
liquidez com recurso a um empréstimo por interposta pessoa, sendo o serviço da
dívida pago indiretamente" pelo município de Vila Nova de Gaia (MVNG).
Junta-se a celebração de contratos swap pelas empresas pertencentes ao grupo
municipal, "em virtude de se tratar de contratos cuja finalidade económica
se esgotou na pura especulação, não associada à cobertura de risco.
Os
negócios com a SUMA
Outro ponto polémico é o juízo de auditoria sobre a "posição contratual detida na SUMA, que se traduziu na instrumentalização de uma empresa controlada por si para contrair empréstimos (que lhes estavam vedados por limitações legais) e 'desorçamentar' 20,6 milhões de euros, valor que desapareceu do perímetro da dívida municipal e foi assumida pela empresa municipal que deveria ter contabilizado como um gasto, mas contabilizou como um ativo, ao arrepio da mais elementar lógica económica, financeira e contabilística".
Em
questão, também, a transferência das infraestruturas de saneamento "em
alta para a SIMDOURO, operação que foi objeto de um segundo auto de
transferência, cuja finalidade se traduziu na obtenção de liquidez imediata
para o MVNG, à custa da perda de valor da empresa local por via da redução do
seu ativo e da subsequente redução da sua dívida líquida, dando origem a
movimentos contabilísticos que tiveram por base uma transação fictícia".
O
juízo de auditoria censura o modo como foi feito o recurso ao Programa de
Regularização Extraordinária de Dívidas ao Estado, "que não alcançou os
objetivos propostos", ou a não relevação contabilística dos juros de mora
debitados por credores do município de Vila Nova de Gaia, "pelo não
pagamento tempestivo das suas obrigações que, em 2012, ascendeu a 4,68 milhões
de euros".
Falta
de prudência
Os auditores consideram que "as demonstrações financeiras de 2008 a 2012 "não estavam dotadas do necessário grau de prudência, pois não foi reconhecida a totalidade dos encargos que a autarquia previa suportar com processos judiciais em curso, sobrevalorizando os resultados económicos e os fundos próprios e subvalorizando os passivos".
Há,
diz o Tribunal de Contas, uma "sobrevalorização de ativos", em
resultado de, pelo menos ao longo de cinco exercícios, o MVNG "ter mantido
nas suas contas créditos sobre os quais não detinha os respetivos direitos ou
cuja cobrabilidade era altamente improvável, não tendo constituído
provisões".
A
deficiente previsão orçamental ao longo do quinquénio levou o município,
sublinha o juiz conselheiro, "a incorrer em défices sucessivos, pois os
reais fluxos económicos demonstram uma continuada ausência de sinceridade
orçamental no cálculo da dotação previsional de receita".
O
relator defende que entre 2010 e 2012, a autarquia gaiense "ultrapassou o
limite legal de endividamento" de curto, médio e longo prazo, além de ter
ultrapassado o limite legal de endividamento líquido em 2011,
Logo
a abrir o documento, o juiz conselheiro baliza o comportamento dos agentes
políticos e públicos ao fazer questão de expressar a sua convicção de que
"cabe aos que administram dinheiros e ativos públicos, em nome do povo, e
com mandato conferido pelo povo, e que prestam contas ao Tribunal de Contas (…)
o ónus de provar através dos meios de prova que entenderem convenientes (…) que
as contas que prestam e que as transações que lhes estão subjacentes são legais
e regulares e são conformes aos fins de interesse público que justificam a
assunção de compromissos e a autorização de despesas e de pagamentos, para os
fins deliberados pelas assembleias representativas".
Foto: Alberto Frias
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