Mais
de uma centena de oficiais, entre os quais estavam sete antigos generais e
almirantes chefes de Estado-Maior, desfizeram num jantar em Lisboa os últimos
quatro anos de governação no sector da Defesa. O ministro desvalorizou o
encontro
Carlos
Abreu - Expresso
Três
repúdios, alguns sublinhados, vários alertas com muitas e duras críticas à
política de Defesa do Governo. Eis a declaração lida aos jornalistas pelo
general Loureiro dos Santos, no final do jantar de reflexão que reuniu esta
quinta-feira à noite, num hotel de Lisboa, mais de uma centena de oficiais dos
três ramos das Forças Armadas.
O
primeiro repúdio foi para aquilo que consideram medidas apresentadas como
reformas estruturantes mas que, no entender deste grupo de oficiais, entre os
quais estiveram sete antigos chefes de Estado-Maior, “não têm sido mais do que
ações avulsas, cujo efeito tem sido o degradar da instituição militar no que se
refere a organização, capacidades e efetivos, bem como em relação à situação
profissional e pessoal de quantos nela servem e, também, dos seus familiares”.
Segundo
repúdio: “A tentativa de desresponsabilização política da tutela, que sempre
tem feito o anúncio público das medidas tomadas, escudando-se na participação e
concordância das chefias militares”.
Terceiro:
“O repetido anúncio tutelar de um clima de satisfação e de tranquilidade
institucional que só na aparência existe, tirando partido de forma iníqua, do
sentido do dever, de disciplina e de profissionalismo dos militares”.
Ainda
antes de se sentar à mesa, o coronel Vasco Lourenço, num crítico olhar para o
interior da instituição, lamentou a aparente passividade dos chefes mas também
dos seus subordinados quando estão no ativo.
“Não
é só enquanto se é chefe militar e se exercem funções que se tem de assumir
posições. Aplaudo estas iniciativas mas lamento que elas só surjam quando
deixam de desempenhar funções. Assim como lamento que os militares no ativo,
que estão a ser extraordinariamente mal tratados, esperem os militares na
reserva e na reforma lhes tirem as castanhas do lume. Deviam estar aqui”, disse
à Antena 1 o militar de Abril.
“QUEBRA
DE SOLIDARIEDADE GERACIONAL”
De
volta ao comunicado final, passemos aos sublinhados: “A degradação do serviço
de saúde, que deixou de ter capacidades de reserva estratégica do Serviço
Nacional de Saúde, com sérias fragilidades no apoio aos militares e seus
familiares” (este Governo criou o Hospital das Forças Armadas que resulta da
fusão dos quatro hospitais militares existentes em Lisboa); “a degradação da
ação social complementar” (desde 2013 que se vem registando a redução das
verbas para os programas de assistência social do Instituto de Ação Social das
Forças Armadas); e o recém-publicado Estatuto dos Militares das Forças Armadas
(entra em vigor na próxima quarta-feira, 1 de julho), que para estes oficiais
“introduz uma quebra de solidariedade geracional, que nunca existiu, nem pode
existir na instituição militar”.
Dito
isto, o general Loureiro dos Santos, em nome dos oficiais presentes, passou aos
alertas: a apelidada “Reforma 2020”, materializou-se no “cancelamento da
maioria dos programas de modernização que estavam em curso, por menos recursos
humanos e materiais, menos capacidades, menos unidades operacionais
disponíveis, menos meios passíveis de serem empregues, quer em termos
nacionais, quer no âmbito dos compromissos internacionais, e menores graus de
prontidão, com realce para os meios aéreos e navais dedicados às regiões
autónomas”.
“TRATAMENTO
DESIGUAL”
“Apregoa-se
o feito, de mais de mil milhões de poupanças, ignorando-se os muito mais que
serão necessários despender para recuperar o que foi afetado, sem sequer
preparar forças complementares ou prever medidas para o crescimento, em caso de
necessidade, do sistema de forças nacional”, acrescentou o homem que chefiou o
Estado-Maior do Exército (1991-1992) e também foi ministro da Defesa no IV e V
governos constitucionais (novembro de 1978 a janeiro de 1980).
Mas
as críticas à “atual ação governativa” não ficaram por aqui. Nos últimos
parágrafos da declaração lida aos jornalistas lamenta-se que “a instituição que
mais se reformou, desde a instauração do Regime Democrático, em 1974” é alvo de
um “tratamento desigual, que parece configurar uma ação persecutória”.
“TRANQUILIDADE
DOENTIA”
“O
poder político não pode ser exercido apenas para justificar, arrogantemente,
medidas e soluções tidas como únicas, o que em Democracia não é aceitável. Ao
invés, reivindicamos que reconheça, de facto, que o que é diferente deve ser
tratado de forma diversa, tal como, afinal, tem acontecido em relação a outras
carreiras especiais do Estado”, afirmou Loureiro dos Santos para logo
acrescentar: “Existe um ambiente de tranquilidade doentia que vem encontrando
raízes na desmotivação profissional e que só o sentido do dever e da disciplina
dos militares, tem evitado que se torne numa evidência pública, mas que não se
pode mais silenciar.”
Ao
tomar publicamente esta posição, este grupo de oficiais pretende evitar que “a
gravidade da situação se torne irreversível e possa pôr em perigo a solidez e a
estabilidade da instituição militar, para garantir o cumprimento das missões de
soberania, face a possíveis cenários de grande incerteza e risco”.
Esta
quinta-feira ao princípio da tarde, durante a conferência de imprensa no final
do Conselho de Ministros, questionado sobre este encontro o ministro da Defesa
desvalorizou-o.
"É
um conjunto de oficiais que sempre estiveram contra a reforma que nós levámos a
cabo. Em democracia, é normal e é legítimo que haja quem pense diferente.
Portanto, não atribuo um valor nem um significado especial. Acho que é a
democracia a funcionar", disse José Pedro Aguiar-Branco.
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