segunda-feira, 15 de junho de 2015

UM LUGAR PARA O SOCIALISMO. SOCIALISMO PORQUÊ



Daniel Vaz de Carvalho

"A República não será uma realidade se não tiver por fim prático a reforma social e por instrumento a liberdade plena garantindo a iniciativa popular dento e fora do governo. Para nós só é real e séria a República em que houver garantido para o Socialismo um lugar seu". - Antero Quental, A República e o Socialismo, 1873 [1]

1 - Porquê o socialismo 

Em 1949 Einstein escrevia um texto intitulado "Porquê o socialismo" [2] . Um texto absolutamente atual. Dizia então, que sob o sistema capitalista os impulsos sociais se deterioram progressivamente. "Os seres humanos, seja qual for a sua posição na sociedade, sofrem este processo de deterioração, Inconscientemente prisioneiros da sua subjetividade, sentem-se inseguros, sós, e privados do prazer simples e não sofisticado da vida".

"O capital privado tende a concentrar-se em poucas mãos, em parte por causa da concorrência entre os capitalistas e em parte porque o desenvolvimento tecnológico e a crescente divisão do trabalho encorajam a formação de unidades de produção maiores à custa de outras mais pequenas. O resultado destes desenvolvimentos é uma oligarquia de capital privado cujo enorme poder não pode ser eficazmente controlado mesmo por uma sociedade democraticamente organizada." "A anarquia económica da sociedade capitalista como existe atualmente é, na minha opinião, a verdadeira origem do mal". "O homem pode encontrar sentido na vida, apenas dedicando-se à sociedade. A clareza sobre os objetivos e problemas do socialismo é da maior importância na nossa época de transição".

Einstein via a discussão livre e sem entraves destes problemas prisioneira de um poderoso tabu, embora considerasse a abordagem dos temas do socialismo um serviço público importante.

O Grande cientista tinha e tem razão. Passadas seis décadas e meia, o tema socialismo como que desapareceu do debate político-ideológico. Raros são hoje os partidos a nível europeu, que apresentam o socialismo como objetivo estratégico. Vários partidos embora apresentem críticas à austeridade e ao neoliberalismo, colocam-se à margem do processo histórico, fogem à questão de que uma política alternativa impõe um lugar para o socialismo.

Na realidade, acabam por não pôr em causa o capitalismo, permanecendo numa linha social-democrata de querer gerir "melhor" o capitalismo, "salvá-lo dele próprio" ou torna-lo socialmente menos danoso. E no entanto o capitalismo tem de ser substituído: Mas substituído porquê?

2 – Um sistema disfuncional 

O capitalismo tornou-se um sistema que apodreceu por dentro. As fraudes, a manipulação das taxas de juro e de câmbio por grandes bancos ditos de referência, as falências fraudulentas e os resgates com dinheiros públicos retirados aos salários, reformas e prestações sociais, tornaram-se políticas recorrentes. O dinheiro do crime organizado, os horrores do tráfico de seres humanos, da prostituição, da droga, é absorvido pelo sistema bancário sem reais problemas.

"Os bancos ganham milhões com o tráfico de droga. As entidades reguladoras são relutantes em investigar o enorme processo da lavagem de dinheiro da droga, levada a cabo pelos bancos europeus e norte-americanos. " [3] Escandalosos arranjos financeiros com bancos envolvidos na lavagem do dinheiro sujo provam que o combate aos tráficos de droga e seres humanos não passa de uma farsa. [4]

Como afirma Michael Hudson [5] , uma classe cleptocrática, os "banksters", gangsters bancários, assumiu o poder económico. A economia foi capturada por um poder capaz de fazer fortunas, mas sem "criação de riqueza" da forma que a maioria das pessoas a reconhece.

O sistema capitalista mergulhou o mundo em quatro avassaladoras crises, crises, insuperáveis neste sistema que apenas as agrava: a crise económica e financeira, a crise social, a crise ambiental e a crise militar-belicista. O capitalismo chegou a uma situação em que não tem soluções para resolver os problemas e as crises que criou.

O capitalismo atravessa a pior crise da sua existência. Crise que apresenta características diferentes das anteriores e que põem em perigo a própria Humanidade: atingiu os limites ecológicos da sua reprodução; a amplitude dos meios de violência e controlo social é sem precedentes; atingiu os limites da sua expansão extensiva; um excedente de população cresce num "planeta de favelas"; a economia globalizada tornou-se incompatível com o Estado-Nação baseado num sistema de autoridade política [6]

O que temos hoje no chamado "mundo ocidental" é o neoliberalismo, uma incoerente e dogmática aplicação ao capitalismo monopolista de princípios do liberalismo dos fins do séc. XVIII. A política de austeridade não funciona em parte alguma, mas não têm outra. As políticas do FMI e da UE, são um exemplo da desconexão da realidade que o sistema capitalista impõe em benefício da uma minoria de 1%.

Recentemente, o chefe da delegação do FMI que mantém Portugal sob vigilância (?!) afirmou que a "dívida pública, o fraco investimento, a falta de dinamismo do mercado de trabalho, o endividamento das empresas são problemas que persistem". Insistiu nas "reformas estruturais": "cortar salários e pensões, cortar na despesa pública". Mas não foram estas mesmas "medidas" que impõem há quatro anos (sem contar com os PEC…) que resolveriam todos aqueles problemas?!

"As sociedades estão vergadas ao absurdo de um sistema económico que é uma pura especulação matemática sem referência com o mundo real". "Esta crise de metodologia é ao mesmo tempo um sintoma e um dos elementos da decadência da economia atual e a sua transformação em apologética". [7] No seu horizonte define-se um "ótimo". Mas este ótimo de eficiência e este equilíbrio, não é nem um ótimo nem representa um equilíbrio social. Nem se prova que esses estados de equilíbrio são socialmente justos, possíveis, éticos. [9]

O pseudo cientismo vigente necessita de negar a existência do social. A democracia está efetivamente condicionada por esta "ciência" com o absurdo de as suas leis serem pretensamente válidas universalmente, independentemente das circunstâncias históricas e sociais. Na realidade, a dita "ciência económica" está reduzida à facilitação de negócios: ao Estado reserva-se o papel de os assegurar. Como dizia um deputado PSD acerca da privatização da TAP, sem mais argumentos: "é preciso deixar a economia funcionar".

A pobreza aumenta na UE, todas as medidas para "crescimento e emprego" mostraram-se contraproducentes. O reformismo social-democrata afunda-se numa espiral de contradições internas e externas, mas persiste em ter como objetivo salvar o sistema e impedir uma alternativa política em que o socialismo tenha lugar.

3 – A UE, um desconexo conjunto de povos sem controlo 

Num espaço economicamente desenvolvido como a UE, praticamente toda a capacidade de decisão popular foi usurpada. Vive-se um totalitarismo, mas a social-democracia pretende dar ainda mais competências à UE "para aumentar a competitividade relativamente a outros blocos" ou ultimar a "união bancária" com as finanças nacionais a serem geridas por burocratas às ordens da oligarquia dos países dominantes.

Estas políticas colocaram a generalidade dos países da UE, e em primeiro lugar os do euro, à beira da catástrofe. Portugal mergulhou na estagnação económica, aumento da pobreza, desemprego, ausência de investimento, emigração que se transformou em fuga do país para os mais jovens. O PIB está ao nível de 15 anos atrás, apesar de mantido pelo turismo e imobiliário de luxo (em parte pelos "vistos gold").

Tudo o que poderia beneficiar o país, mesmo tímidas medidas como a intervenção pública na economia, o controlo da banca, efetiva regulação financeira, etc, não é permitido pelas instituições europeias sob pena de represálias que os seus sequazes nacionais repetem à exaustão. O poder democrático foi usurpado pelos organismos da UE contra os interesses nacionais. Sem colocarem a questão de verificar se as regras da UE e do euro são boas para Portugal e os portugueses o único argumento que os propagandistas dispõem é o da cedência às ameaças e chantagem das burocracias europeias,

Em quatro anos de dito "ajustamento" a dívida pública aumentou 54 mil milhões de euros, os juros pagos atingiram cerca de 35,5 mil milhões de euros e em termos líquidos, o país perdeu nos últimos quatro anos, 25,5 mil milhões de euros (diferença entre PIB e RN). Estes números expressam a natureza neocolonial das políticas impostas pela UE. Face a isto, os papagaios de serviço falam em "atrair capitais e investimento como prioridade absoluta"…

A catástrofe é permanecer no euro e seguir as regras da UE. Os países poderiam criar moeda sem juros, mas o euro é o instrumento privilegiado para o domínio alemão sobre a Europa, uma liderança imposta custe o que custar aos outros povos. Na UE as liberdades democráticas estão subordinadas aos interesses da gestão dos negócios dos oligarcas. A democracia cessa na austeridade, na legislação antilaboral, na comunicação social controlada, na submissão às burocracias selecionadas pela oligarquia e pelo imperialismo.

A social-democracia está ao serviço desta tragédia e aviva os seus preconceitos anti socialismo, mostrando-se afligida com uma hipotética "ditadura de esquerda". Vejam-se as atitudes para com Cuba, Bolívia, Venezuela, ao mesmo tempo que apoia o nazi-fascismo de Kiev.

A UE tornou-se um espaço neocolonial. Porém, verdadeiramente colonizado é apenas o povo que para se identificar com o colonizador e esquece as suas raízes. Verdadeiramente colonizados, são os que se deslumbram e curvam perante os modelos políticos e sociais do colonizador.

4 – O socialismo como imperativo histórico 

O sistema capitalista espalhou o caos em regiões inteiras do Afeganistão à Líbia, à Somália. O capitalismo atingiu a sua fase senil incapaz de resolver os problemas que cria. Nenhum problema pode ser resolvido com a mesma forma de pensar que está na sua origem. Deste modo, é necessário compreender que os partidos que nos trouxeram à situação de descalabro atual, PS, PSD, CDS, não serão capazes de nos tirar dela. O capitalismo é pois um sistema que tem de ser substituído.

O socialismo é de facto a alternativa à barbárie capitalista. [9] A barbárie atual surge como produto da ascensão de uma classe dominante financeira, parasitária e militarista. Governam e perseguem agressivamente uma agenda que está continuamente a reduzir os padrões de vida, a transferir a riqueza pública para os seus cofres privados, a violar direitos constitucionais no exercício de suas guerras imperiais, a segregar e perseguir milhões de trabalhadores imigrantes e a promover a desintegração e o desaparecimento do trabalho estável e da classe média. [10]

A luta de classes existe e foi exacerbada, mas a social-democracia mascara-a com as noções de competitividade e de "atrair capitais". A propaganda, a manipulação podem parar a história? Não, mas atrasam-na, pois só se pode mudar o que se compreende. Procuram criar uma opinião pública confundida, talvez revoltada, mas passiva.

Perante o poder avassalador da finança e do imperialismo, seria fácil admitir que nada pode ser alterado, por mais que os povos abominem o sistema em que vivem. Assim seria se o materialismo dialético não nos permitisse compreender e interpretar os fenómenos da vida tanto individual como coletiva e suas correlações. Tudo pareceria empiricamente perfeito ao capitalismo, sem a análise dialética. Mas por maior que seja o poder ao serviço da oligarquia, nada pode contra as leis económicas e sociais objetivas, inerentes a cada modo de produção, nada pode para anular as contradições que as estratégias de sobrevivência do capitalismo agravam.

O materialismo dialético, o marxismo, permite-nos compreender o caos que nos cerca e suas causas, mas também definir e estimular as soluções para o superar. Permite-nos compreender que as transformações quantitativas dão origem às transformações qualitativas. Tal como o capitalismo sucedeu ao feudalismo, o socialismo sucederá ao capitalismo, como solução para as suas contradições e antagonismos.

A alternativa parece-nos clara: socialismo ou barbárie. O socialismo é dirigido para um fim sócio ético, como escreveu Einstein. O socialismo representa a superioridade de um poder alicerçado numa base social alargada em relação a um poder submetido a uma minoria ultraprivilegiada.

A construção do socialismo, quaisquer que sejam as variantes do seu processo de transição, deverá consistir numa alternativa que defenda os interesses nacionais e populares, que lute pela soberania económica, monetária e jurídica, do país. Uma alternativa que se afirme contra as quatro crises capitalistas e o espectro do neofascismo do século XXI.


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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