Nobel
de Economia sustenta: vale a pena rechaçar chantagem da aristocracia
financeira. Será penoso e complicado — mas politicas de “austeridade”, além de
humilhantes, são tacanhas
Joseph
Stiglitz e Martin Guzman, no Huffington Post – Outras Palavras
- Tradução Antonio Martins
Quando,
há cinco anos, a crise grega começou, a Europa estendeu uma mão salvadora. Mas
foi algo diferente do tipo de ajuda que alguém poderia desejar, e muito
diferente daquele que poderia se esperar caso ainda restasse algo de humanidade
ou de solidariedade europeia.
As
propostas iniciais levavam a Alemanha e outros “salvadores” a, na prática,
lucrar com as dificuldades gregas. Os credores cobravam uma taxa de juros
muito, muitíssimo mais alta que o custo ee seu capital. Pior: impunham à
Grécia, além da devolução ampliada do dinheiro, condições
– mudanças
em suas políticas macro e microeconômicas.
Tais
“condicionalidades” costumavam ser um padrão nas práticas de empréstimo do FMI
e do Banco Mundial. Tipicamente, quando impunham estas condições, eles tinham
pouco conhecimento do funcionamento real das economias; e frequentemente, havia
mais que uma pitada de política nas demandas. Havia um elemento de neocolonialismo:
os velhos Europeus Brancos ensinando novamente a suas colônias o que fazer. O
mais comum era que estas políticas não funcionassem. Havia enormes
discrepâncias entre o que os “experts” ocidentais esperavam e o que realmente
ocorria.
Por
algum motivo, esperava-se mais no caso da Grécia, um “parceiro” da zona do
euro. Mas as demandas foram igualmente intrusivas e as políticas e modelos,
igualmente falhos. A disparidade entre o que atroika imaginou que
aconteceria e o que de fato se deu foi arrasadora – e não por que a Grécia não
tenha feito o que dela se esperava, mas porque cumpriu as exigências e se
submeteu aos modelos muito falhos.
Ao
final, após anos de chantagem contra a Grécia e de exigências crescentes de
“austeridade”, estas demandas provocaram uma depressão econômica catastrófica.
A troika finalmente empurrou o país para a beira do calote forçado.
A
situação tem algumas similaridades importantes com a que levou aodefault argentino
em 2001 – e também certas diferenças. Em ambos países, recessões degeneraram em
depressão, em consequência de políticas de “austeridade” – o que tornou as
dívidas ainda mais insustentáveis. Em ambos casos, as políticas foram exigidas
como condição para “apoio”. Ambos países tinham arranjos monetários rígidos,
que não lhes deram a possibilidade de executar politicas monetárias
expansionistas, durante a recessão. Em ambos países, o FMI errou de modo
impressionante, oferecendo previsões totalmente incorretas sobre as
consequências das políticas impostas. O desemprego e a pobreza dispararam. O
PIB despencou. Na verdade, há uma semelhança chocante na magnitude da queda do
PIB e no aumento das taxas de desemprego, nas duas nações.
Na
Argentina, o desemprego multiplicou-se especialmente entre os jovens e
permaneceu alto por muitos anos. A falta de oportunidades corroeu motivações e
foi produziu uma imensa perda de talentos, de milhões de pessoas. Com taxas de
desemprego juvenil em torno de 50%, um desastre similar está se dando na
Grécia.
As
moratórias são difíceis. Mas igualmente difícil é a “austeridade”. A boa
notícia para a Grécia é que, como mostrou a Argentina, pode haver vida depois
da dívida e da moratória.
A
saga que levou à inadimplência grega faz recordar de novo lições importantes
sobre o manejo das crises de dívidas nacionais, que deveríamos ter aprendido há
mais tempo. A primeira é que não há aumento da capacidade de saldar os débitos
sem retomada econômica. Ao mesmo tempo, não há recuperação econômica sem
restaurar a sustentabilidade da dívida.
Tanto
na Argentina quanto na Grécia, restaurar a sustentabilidade da dívida
requeriria uma profunda reestruturação da dívida. Mas ambos os casos, finalizar
uma “boa” negociação da dívida, capaz de conduzir à recuperação econômica com
acesso aos mercados internacionais de crédito, segundo a receita do FMI,
demonstrou ser algo quixotesco. Isso não se deve a uma “falha” dos dois países,
mas às deficiências nas estruturas em que são conduzidas as negociações.
Em
ambos os casos, as instituições credoras fingiram que a sustentabilidade
poderia ser reconstituída por meio de “ajustes estruturais”. Sob intensa
pressão, os programas impingidos aos países foram aceitos e implementados – mas
obviamente, não funcionaram. A troca de fundos “de resgate” (usados
principalmente para pagar os mesmos credores que os “ofereciam”) por “ajustes”
(e promessas de “ajustes” ainda maiores) lançou as economias numa espiral
descendente. No caso da Argentina, após anos de sofrimento o povo foi às ruas.
Em
ambos os casos, corridas ao sistema bancário terminaram com um congelamento
parcial dos depósitos bancários. Na Argentina, isso desencadeou um colapso
bancário completo e, em seguida, a conversão de depósitos em moeda estrangeira
para fundos na moeda nacional, com uma vasta reestruturação dos passivos
domésticos – com alto custo para os poupadores locais. Na Grécia, ainda falta
conhecer as consequências.
Contratos
de dívidas são trocas voluntárias entre credores e devedores. São feitos num
contexto de incerteza: quando um devedor promete repagar certa quantia no
futuro, todos compreendem que esta promessa está sujeita a sua capacidade de
pagamento. Há sempre risco envolvido – a razão pela qual os credores exigem uma
compensação maior (taxas de juros mais altas) do que se emprestassem sem risco
algum.
As
reestruturações de dívidas são uma parte necessária da relação entre credores e
devedores. Elas ocorreram centenas de vezes, e continuam a acontecer. A forma
pela qual são resolvidas determina o tamanho das perdas. O mau gerenciamento
das crises de dívidas – por exemplo, exigir políticas de “austeridade” em meio
a recessões – inevitavelmente conduz a perdas maiores e mais sofrimento.
Os
que são salvos pelas ações de “resgate” (como os bancos alemães e franceses, no
caso da Grécia) em geral apresentam o “risco moral” como razão para evitar a
reestruturação da dívida. Sustentam que a reestruturação poderia criar
incentivos perversos; outros devedores ficariam inclinados a “abusar” dos
empréstimos deixando de pagá-los. Mas o argumento do risco moral é um conto de
fadas. Tanto a Argentina quanto a Grécia já haviam pago, no momento, da
moratória, um preço muito alto por seus problemas de dívida. Nenhum país do
mundo ficaria feliz por seguir o mesmo caminho.
A
experiência grega também ensina o que não deveria acontecer numa
reestruturação de dívida. O país “reestruturou” seus débitos em 2012, mas de
maneira errada. O processo, além de não ser suficientemente profundo para uma
recuperação econômica, também levou a uma mudança na composição da dívida – em
vez de privados, os credores passaram a ser institucionais – o que tornou novas
reestruturações mais difíceis.
Em
certa medida, a Grécia enfrenta uma situação mais complexa que a da Argentina
em 2001. A moratória argentina foi acompanhada por uma grande desvalorização da
moeda local, que tornou o país mais competitivo e que, junto com a
reestruturação da dívida, ofereceu as condições para uma recuperação econômica
sustentada. No caso da Grécia, uma moratória e a saída do euro exigiriam a reimplantação
da moeda doméstica. Criar uma nova moeda, em meio a uma crise, não é o mesmo
que desvalorizar uma moeda já existente. Esta camada adicional de incertezas
ampliou o poder da troika para pressionar o governo de Tsipras.
Quando
uma dívida torna-se insustentável, é preciso que haja um recomeço. Este é um
princípio básico, há muito conhecido e admitido. Até agora, a troika está
retirando da Grécia tal possibilidade. E não pode haver um recomeço sob
políticas de “austeridade”.
Neste
domingo, os cidadãos gregos debaterão duas alternativas: austeridade e
depressão sem fim, ou a possibilidade de decidir seu próprio destino num contexto
de enorme incerteza. Nenhuma das opções é agradável. Ambas podem levar a
rupturas sociais ainda piores. Mas com uma delas, há esperança; com a outra,
nenhuma.
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