domingo, 2 de agosto de 2015

Angola. NÃO ADIANTA TER RAZÃO É PRECISO TER FORÇA!



Folha 8 digital – 01 agosto 2015

A Polícia de Angola, compor­tando-se mais uma vez como polícia do MPLA, carregou forte e feio contra os manifestan­tes que exigiam, em Luan­da, a libertação de 15 acti­vistas detidos desde Junho. Prendeu arbitrariamente e continuou impávida e se­rena a esquecer-se que é uma instituição do país e não de um governo, e não de um presidente que está no poder desde 1979 sem nunca ter sido nominal­mente eleito.

Vários feridos e muitas detenções são, para já, o saldo, de um intervenção policial e militar que mos­trou como é fácil ser forte com os que, embora ten­do razão, têm como única arma a liberdade de pensa­mento.

O protesto concretizou­-se, no Largo da Indepen­dência, com os jovens manifestantes gritando “liberdade” e a entrarem naquela área que, à seme­lhança de outros pontos da cidade, registava forte aparato policial que, aliás, cercou e manteve sob vi­gilância locais ligados à Oposição, como foi o caso da Rádio Despertar.

Para esta acção muscula­da a Polícia dita nacional usou estrategicamente o seu braço político-juvenil, a JMPLA, para estar pre­sente no mesmo local, justificando dessa forma a acção policial que, diz, se destinou a evitar confron­tos entre manifestantes.

Trata-se, aliás, de uma técnica fascista que é rei­teradamente usada pelo regime de José Eduardo dos Santos para justificar o injustificável. Ao saber que os jovens do Movimento Revolucionário tinham convocado, com a devida informação ao Governo provincial, uma manifes­tação para aquele local, o MPLA tratou de organizar igual evento.

Esta manifestação, tal como todas as que não tenham o patrocínio do MPLA, contrariando a pro­paganda do regime, que propala que ao abrigo do artigo 47 da Constituição todos se podem manifes­tar, resultou em actos de extrema violência, deten­ções e deslocação dos de­tidos para parte incerta.

Mais uma vez a brutali­dade do regime mostrou, embora sejam poucos os que queiram ver, que só existe liberdade quando é para idolatrar a figura de José Eduardo dos Santos ou, ainda, para bajular as suas políticas.

O regime escuda-se, e bem, no facto de se mem­bro do Conselho de Segu­rança da ONU para ter co­bertura internacional. Até agora tem dito que os jo­vens activistas pretendiam levar a efeito um golpe de Estado. Não tardará muito que passe à fase seguin­te que é da dizer que eles pertencem a grupos terro­ristas, até mesmo alegando que poderão pôr em risco a segurança da região.

Anunciada e comunicada a tempo e horas, e cumprin­do todas as formalidades legais (se bem que a lei em Angola é letra morta para quem não se ajoelhe perante o rei), a manifes­tação visava denunciar a arbitrariedade ditatorial do regime.

Não deixando os seus créditos por cassetetes e armas alheias, a Polí­cia Nacional (do MPLA, reafirme-se), materializou as suas intenções de dar porrada a todos quantos ousem perturbar o sono divino do “querido líder”, por sinal embalado pelo hino do Conselho de Segu­rança da ONU.

Com esta prática reite­rada, o regime pretende ensinar a todo o mundo – com excepção da Coreia do Norte – qual é a melhor forma, obviamente espon­tânea, legal e democrática, de acabar com manifesta­ções sem sequer usar gás lacrimogéneo. De facto, porrada e balas são méto­dos mais eficazes de um regime que se diz demo­crata mas que tem tudo de ditador.

Tudo indica que, a fazer fé na tradição democrática das forças policiais, que os detido serão despejados – espera-se que com vida – numa outra província, igualmente acusados de preparem um golpe de Es­tado. Ou será já uma mais larga acção terrorista?

TRAGICOMÉDIA DO REGIME

Enquanto isso, o vice­-Procurador-Geral da Re­pública garantiu que os 15 jovens activistas em prisão preventiva desde Junho, em Luanda, não são presos políticos e que a detenção se justificou por estarem, alegadamente, a preparar uma “insurreição”.

Nesta altura do espectá­culo levado a cabo pelos bobos da corte, o público esboçou um primeiro riso.

A posição do general Hél­der Pitta-Groz, transmitida pelos órgãos de propaganda do Estado, surgiu no dia em que estava anunciado o protesto que exigia a libertação destes jovens, considerando-os “presos políticos”.

“Não foi por pensarem, não foi pela consciência, que eles foram presos. Fo­ram presos somente por­que estavam a preparar actos que levavam à sub­versão do poder instituí­do”, afirmou o vice-Procu­rador-Geral da República.

Essa foi a altura da assis­tência rir às gargalhadas. O ar do general era sisudo, o drama dos activistas era, é e será enorme, mas a co­média escrita pelo regime é de elevado gabarito.

Insistiu o general (não há ninguém que não seja general) que “não há ne­nhum mecanismo a nível do Estado” que limite a liberdade de expressão e que em Angola “as pes­soas expressam-se livre­mente”, reafirmando que neste caso, os 15 detidos estavam a preparar “uma insurreição”.

Entre mais umas tantas gargalhadas, a assistência foi percebendo que no fundo do palco está, conti­nua a estar, nunca deixou de estar, o massacre do 27 de Maio de 1977.

“Se fossemos a pensar que foram presos por ser pre­sos políticos, já o tinham sido muito antes. Porque toda a gente sabe, das pes­soas que estão envolvidas, que estão detidas, todos sabemos o que eles pensa­vam, falavam, escreviam. Se assim fosse, já teriam sido presos há bastante tempo, não seria agora”, afirmou o general Hélder Pitta-Groz.

Embora não seja o autor do guião, o general dá uso ao que lhe mandaram di­zer embora, certamente por deficiência do encena­dor, sem a convicção que se exige a quem aceita ser actor – ou figurante – nesta tragicomédia.

Recorde-se que, segundo a generalícia sentença da PGR, o grupo de 15 jovens activistas – detidos des­de 20 de Junho – estaria a preparar, em Luanda, um atentado contra o Presidente e outros membros dos órgãos de soberania, num alegado golpe de Es­tado.

Os perigosos activistas, estudantes e licenciados, foram distribuídos por es­tabelecimentos prisionais em Viana (4), Calombo­loca (7) e Caquila (4), na região de Luanda, e ainda não têm qualquer acusa­ção formada, decorrendo o processo de investigação.

Associados ao Movimento Revolucionário (um gru­po de criminosos da pior espécie e procurados por todo o mundo pelos golpes de Estado levados a cabo), estes jovens encontravam­-se regularmente para dis­cutir intervenção política e cívica, inclusive com ac­ções de formação, como a que decorria na altura de detenção.

Este caso tem sido alvo de interesse nacional e internacional, com vários pedidos públicos de orga­nizações, artistas, escrito­res e activistas para a sua libertação.

A propósito desta situa­ção, o Presidente Eduardo dos Santos, também líder do MPLA, afirmou no iní­cio deste mês que “não se deve permitir” que o povo “seja submetido a mais uma situação dramática como a que viveu em 27 de maio de 1977″, aludindo ao assassinato de milhares de pessoas numa suposta ten­tativa de golpe de Estado.

“Quem quer alcançar o cargo de Presidente da Re­pública e formar Governo, que crie, se não tiver, o seu partido político, nos ter­mos da Constituição e da Lei, e se candidate às elei­ções. Quem escolhe a via da força para tomar o po­der ou usa meios para tal anticonstitucionais não é democrata. É tirano ou di­tador”, acusou José Eduar­do dos Santos.

Segundo a PGR, os deti­dos em prisão preventiva são Henrique Luati Beirão (conhecido como “Briga­deiro Mata Frakuzx”), Ma­nuel “Nito Alves”, Afonso Matias “Mbanza-Hamza”, José Gomes Hata, Hitler Jessy Chivonde, Inocêncio António de Brito, Sedrick Domingos de Carvalho, Albano Evaristo Bingoca­bingo, Fernando António Tomás “Nicola”, Nélson Dibango Mendes dos San­tos, Arante Kivuvu Lopes, Nuno Álvaro Dala, Bene­dito Jeremias, Domingos José da Cruz e Osvaldo Caholo (tenente das For­ças Armadas Angolanas).

SEM LIBERDADE NÃO HÁ VIDA

Diversas organizações e entidades manifestaram­-se na passa quarta-feira em Lisboa pela liberdade de expressão em Angola e pela libertação dos acu­sados de crimes contra o Estado, revelou hoje a di­rectora da Amnistia Inter­nacional em Portugal.

“Várias organizações e en­tidades vão estar presen­tes nesta concentração, precisamente porque no mesmo dia, em Luanda, pretende-se que haja um evento público pela defesa de todos os detidos. Por­tanto, a Amnistia Interna­cional (AI) e outras orga­nizações querem recordar todas as situações uma vez que as autoridades angola­nas permanecem inamovíveis”, disse Teresa Pina.

“Não são apenas organiza­ções não-governamentais que pretendem participar, temos a informação de que há partidos políticos, alguns angolanos, ou os seus representantes que querem estar presentes. Percebeu-se que havia aqui uma coincidência de várias entidades que querem fazer-se ouvir”, acrescentou a directora da Amnistia Internacional em Portugal.

“As autoridades angola­nas não escutam as vozes que tentam fazer-se ouvir em Angola nem as que estão fora de Angola. Isso não nos deve desmotivar. Pelo contrário, apelamos à libertação imediata dos detidos”, sublinha Teresa Pina.

De acordo com a respon­sável pela organização não-governamental, as autoridades angolanas usam o argumento dos crimes contra a segurança do Estado para “reprimir qualquer dissidência e não abrindo mão dessa vaga repressora para silenciar uma opinião, uma crítica, uma tentativa de manifestação pacífica” em que seja posta em causa a governa­ção e os poderes vigentes em Angola.

A AI mantém igualmente uma campanha pela li­bertação do activista José Marques Mavungo, detido em Cabinda há mais de quatro meses sob a acusa­ção de crimes contra a se­gurança do Estado, apesar de estar apenas envolvido, ao que a AI apurou, “na organização de uma ma­nifestação pacífica sobre a situação de direitos huma­nos e governação”.

O caso do jornalista e acti­vista Rafael Marques, au­tor do livro “Diamantes de Sangue”, que se encontra ainda em fase de julgamen­to, tem motivado várias campanhas e iniciativas da AI e de outras organiza­ções não-governamentais internacionais.


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