Um
grupo de mães, irmãs e esposas dos 15 presos políticos informou hoje, através
de uma carta, o governador provincial de Luanda (GPL), Graciano Domingos, sobre
a manifestação e vigília que se realizará a 28 de Agosto próximo, para exigir a
libertação dos seus familiares.
Rafael
Marques de Morais
As
famílias explicam que a iniciativa resulta “do espírito de solidariedade para
com os seus filhos, esposos, irmãos, parentes e amigos” e que pretendem
“manifestar o seu sentimento de inconsolável tristeza e vazio”.
Segundo
a carta – a que o Maka Angola teve acesso via cópia com carimbo de recepção do
GPL -, a manifestação começará às 15h00, no Largo da Independência, passará
pelo Largo da Sagrada Família e terminará no Largo da Maianga, onde terá lugar
a vigília.
As
peticionistas solicitam ao governador Graciano Domingos, “por forma a garantir
que a manifestação decorra de forma ordeira e de acordo com os princípios da
ordem pública e do respeito pelos direitos e garantias fundamentais dos
cidadãos que a ela participarem”, que “se digne ordenar que as forças policiais
da província garantam a protecção da referida manifestação”.
Isabel
Correia, mãe de preso político Osvaldo Caholo, uma das signatárias da carta,
explica ao Maka Angola que “o objectivo da marcha e da vigília é a libertação
dos nossos filhos”.
“Já
houve traição entre nós, por parte da senhora Leonor João, mãe do Mbanza Hamza,
que se passou para o lado dos que prenderam os nossos filhos, mas nós vamos
continuar”, diz.
Veterana
do MPLA (foi uma grande activista política do MPLA, na província do Bengo, onde
trabalhou durante muitos anos no Comité Provincial), Isabel Correia falou
também sobre a data da manifestação: trata-se do aniversário do presidente José
Eduardo dos Santos, que se tornou tão importante quanto o dia da Independência
Nacional no calendário político do regime. “É para o presidente José Eduardo
dos Santos sentir, se ele é mesmo humano, como pode festejar enquanto manda
encarcerar os nossos filhos”, afirma.
Entristecida,
recorda ainda os anos em que mobilizou a população local e participou na
organização das primeiras visitas do primeiro presidente Agostinho Neto, assim
como das primeiras de José Eduardo dos Santos à província. O seu pai, José
Francisco Correia, foi preso político no regime colonial português e militante
da primeira hora do MPLA. “Hoje o seu neto, o Osvaldo, é preso político do
regime do MPLA”, desabafou.
Henriqueta
Diogo, esposa do preso político Benedito Jeremias, também signatária da carta,
refere que “decidimos fazer a marcha no dia do aniversário do presidente para
se ver como ele está feliz com o sofrimento que causa ao seu próprio povo, em
particular os 15 presos políticos que ele mantém na cadeia”.
“O
Benedito nunca participou numa manifestação. A primeira vez que participou num
evento cívico foi na palestra onde foi detido”, afirma.
De
acordo com Henriqueta Diogo, o seu marido tem sido interrogado várias vezes
pelos agentes do Serviço de Investigação Criminal (SIC) e da Procuradoria-Geral
da República (PGR) sobre como conheceu o preso Domingos da Cruz e “por que é
seu amigo”.
“O
Benedito tem respondido que é livre de escolher os seus amigos. Têm-lhe
perguntado também se sabia sobre o golpe de Estado que o Domingos da Cruz
supostamente estava a preparar contra o presidente José Eduardo dos Santos”,
enfatiza.
Esperança
Gonga, esposa do preso político Domingos da Cruz, mostra-se resoluta: “Todos
temos medo, mas não recuaremos. Vale a pena perdermos o medo. Já sofremos com a
brutalidade policial. Sabemos que o governo não tem vergonha em mandar espancar
mulheres indefesas, mas também eles saberão que não recuaremos”.
E
acrescenta: “Até o presidente tem medo. Ele tem muito medo de ser retirado do
poder.”
“É
grave um chefe de Estado estar a fazer farra enquanto aqueles que ele acha que
ameaçaram o seu poder estão a ser torturados psicologicamente”, acusa.
Já
Marcelina de Brito, irmã do preso político Inocêncio de Brito, afirma: “Não
tenho medo. Se a Polícia Nacional pensa que nos pode paralisar com a sua
brutalidade, está enganada. Estamos desgastadas com essa situação. Vamos lutar
até que os nossos familiares sejam libertados.”
“O
presidente vai festejar reprimindo o povo, enquanto nós choramos pela liberdade
dos nossos familiares. É desumano”, acentua.
Marcelina
de Brito insiste que “as autoridades não têm provas para incriminar os nossos
familiares, detidos há mais de 50 dias. O que estão a tentar fazer é matá-los
psicologicamente, mas não vão triunfar”.
Ontem,
Deolinda Luís entrou em colapso na Cadeia de São Paulo. O seu filho, Benedito
Jeremias, não saiu da cela para receber a comida que ela lhe levara.
O
jovem escrevera ao procurador do seu processo a solicitar que lhe permitissem
interagir com os outros detidos, em particular Hitler Jessia
Chiconda, outro preso político que se encontra naquela cadeia.
Segundo
Henriqueta Diogo, o procurador e a directora do estabelecimento prisional
aceitaram o pedido. Entretanto, ainda de acordo com o seu testemunho, o sector
de reeducação decidiu castigá-lo por ter escrito a carta e não permitiu que a
família tivesse acesso a uma cópia.
“A
minha sogra caiu, rebolou, pôs-se a chorar, e teve um ataque. A própria polícia
teve de lhe prestar assistência. Ela só queria ver o filho. Não sabemos os
castigos que lhes estão a ser aplicados”, lamenta.
Na
marcha das mães, do passado dia 8, agentes da Polícia Nacional vergastaram
Deolinda Luís, mãe de 10 filhos, com bastonadas e permitiram que um dos cães da
polícia a mordesse na mão direita.
Contrariamente
ao comunicado emitido pelo comandante provincial de Luanda, comissário-chefe
António Sita, segundo o qual a polícia não atacou as mães, o autor deste texto
foi não só testemunha ocular como também submetido a ameaças de espancamento
dentro da viatura policial da 3ª Esquadra. Depois de o soltarem, o oficial de
dia obrigou-o a entregar o papel onde tinha apontado o número da matrícula da
viatura. Tentaram ainda apagar-lhe todas as imagens da câmara fotográfica. O
desmentido efectuado pela mãe de Mbanza Hamza, Leonor João, segundo a qual a
polícia não espancou nenhuma mãe, foi um acto tosco de propaganda governamental
e de corrupção moral da referida cidadã.
Há
uma semana, Afonso Matias “Mbanza Hamza” foi transferido da Cadeia de Kakila
para a do São Paulo, para receber tratamento na unidade hospitalar local. O seu
irmão revelou ao Maka Angola que Mbanza Hamza está com febre tifóide e infecção
no sangue.
Da
cadeia de Calomboloca, o preso político Nito Alves enviou, por escrito,
“saudações aos meus manos e manas ‘revús’”, reclamando sobre a sua detenção nas
celas solitárias “de 21 dias, de máxima segurança”. Queixa-se de “problemas
graves de visão” que o levam a lacrimejar regularmente, dores de cabeça e
“muita febre”. Queixa-se de não receber assistência médica no posto da cadeia.
Segundo a sua nota, quando solicitou assistência o pessoal médico informou-o de
que “não têm competência [para assistir Nito Alves] por ordens superiores”.
Nito
Alves exige apenas o mínimo: “Que me tratem com dignidade humana, porque nós
somos todos seres humanos.” E remata: “Só os vossos gritos podem mudar as
nossas condições dentro das celas.”
Estão
detidos, no processo dos 15, Afonso Matias “Mbanza Hamza”, Albano Bingobingo,
AranteKivuvu, Benedito Jeremias, Domingos da Cruz, Fernando Tomás “Nicola Radical”,
Hitler JessiaChiconda “ItlerSamussuku”, Inocêncio Brito “Drux”, José Hata
“CheikHata”, Luaty Beirão, Nelson Dibango, Nito Alves, Nuno Álvaro Dala,
Osvaldo Caholo e Sedrick de Carvalho. O capitão Zenóbio Zumba, detido a
posteriori por suposta amizade com Osvaldo Caholo, é o prisioneiro político
número 16.
Foto:
Marcelina de Brito (irmã de Inocêncio), Henriqueta Diogo (esposa de Benedito
Jeremias), Esperança Gonga (esposa de Domingos da Cruz), Neusa de Carvalho
(esposa de Sedrick de Carvalho) e Elsa Caholo (irmã de Osvaldo Caholo),
peticionistas da marcha.
Maka Angola, em Folha 8
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