Números
demonstram: “empréstimo” destina-se a pagar aristocracia
financeira: governos europeus ricos, bancos e grandes empresas
gregas. Cidadania sofrerá perda enorme
Roberto
Savio – Outras Palavras - Tradução: Inês Castilho
A
longa saga da Grécia aparentemente acabou: as instituições europeias concederam
a Atenas, na semana passada, um terceiro resgate de 98 bilhões de dólares que,
junto com os dois anteriores, soma US$ 273 bilhões.
Não
restam dúvidas: a grande maioria dos cidadãos europeus está convencida de que
este é um exemplo de solidariedade; se a Grécia não for agora capaz de caminhar
por seus próprios pés, a responsabilidade cabe exclusivamente aos cidadãos
gregos e a seu governo. Mas isso só se deve ao fato de que, em geral, os
meios de comunicação pararam de proporcionar pontos de vista alternativos… e
algumas pessoas inclusive ignoram que o resgate é um empréstimo e portanto
aumenta a imensa dívida do país.
Na
verdade, a economia produtiva da Grécia viu muito pouco desse dinheiro, já que
os resgates foram operações em que os cidadãos gregos não apenas não recebem
nada, mas inclusive devem pagar um preço brutal.
A
realidade por trás da operação foi acertadamente descrita por Mujtaba
Rahman, respeitado analista chefe para a zona do euro do Grupo Eurasia, com sede
em Londres. Ele assinala que “o resgate não visa realmente executar um
plano de crescimento para a Grécia, e sim um plano para assegurar que se pague
ao Banco Central Europeu (BCE) e ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e para
que a zona do euro não se divida”.
O
objetivo é claro. Dos 98 bilhões de dólares, 41 bilhões se destinarão ao
pagamento da divida com outros governos europeus — Alemanha em primeiro lugar.
Outros 28 bilhões irão à recapitalização dos bancos gregos, sangrados pela
fuga de capitais do país em direção a bancos europeus mais seguros. Serão
destinados 21 bilhões ao pagamentos dos juros da dívida que a Grécia vem
acumulando. Por último, 8 bilhões irão para pagar a dívida do Estado com as
empresas gregas.
De
modo que apenas 8 bilhões serão destinados à economia real e nada para a
cidadania, que agora deverá sofrer uma série de novas medidas drásticas de
austeridade, que deprimirão ainda mais seu nível de vida e seu poder
aquisitivo.
Financeiramente,
os resgates foram um êxito. Todas as perdas e a má exposição das instituições
europeias na Grécia foram despejadas nas costas deste país. Antes do
primeiro resgate, os bancos franceses estavam expostos a
títulos duvidosos da Grécia em 72 bilhões de dólares; agora, só 1,82
bilhões, sem perdas. Os riscos dos bancos alemães caíram de 51 bilhões a 5,7
bilhões de euros.
O
intrigante é que uma série de estudos mostram que até o último momento, quando
já era amplamente sabido que a Grécia estava numa crise profunda, os bancos e
os investidores europeus continuaram comprando bônus gregos. Estavam
seguros de que a Grécia pagaria? Não, mas sabiam que o governo helênico seria
resgatado e que, portanto, recuperariam suas inversões, que é exatamente o que
aconteceu.
O
sistema financeiro tem agora vida própria, é quarenta vezes maior que a
economia real, se comparamos suas transações financeiras diárias com as
operações relacionadas com a produção de bens e serviços. O capital é
intocável e circula livremente na União Europeia (UE), à diferença de seus
cidadãos. Além disso, há diversos projetos legislativos que apontam para a
redução de impostos para o um por cento dos mais ricos.
Durante
as negociações, uma acusação frequente dirigida aos gregos era que não
conseguiam que seus ricos armadores pagassem sua cota de impostos. Claro, os
armadores colocam seu dinheiro onde ele não pode ser
alcançado. Entretanto, não é hipocrisia alegar isso, quando se sabe que
existem pelo menos 2,28 trilhões de dólares escondidos em paraísos fiscais e
que, só para dar um exemplo, ninguém conseguiu que a Ryanair, companhia aérea
irlandesa de baixo custo, pagasse de fato seus impostos? Por não mencionar
o fato de que quando era primeiro ministro de Luxemburgo (1995-2013), o atual
presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, concedeu
desonerações fiscais secretas a mais de uma centena de empresas
internacionais.
Recentemente,
a agência France Presse divulgou um assombroso estudo do Instituto Leibnitiz de
Investigação Econômica. Revela que a Alemanha ganhou 114 bilhões de
dólares em poupanças, pela queda nos juros da sua própria dívida. De fato,
a crise grega e os temores de sua propagação impulsionaram
muitos investidores a refugiar-se nos bônus alemães, mais seguros, que em
virtude dessa demanda extraordinária rebaixaram os juros pagos sobre sua
dívida, e portanto sobre os empréstimos. Ao mesmo tempo, muitos estudos
assinalam como, por ter uma balança comercial positiva com seus sócios
europeus, a Alemanha está de fato absorvendo capitais da Europa.
Interpretar
o terceiro resgate e suas condições de austeridade como uma mera operação
econômica seria cometer uma erro grave. Nenhum economista acredita que a
Grécia possa pagar sua dívida. Não apenas porque sempre teve uma economia
frágil, com pouca indústria e com o turismo como sua principal fonte de renda.
A situação é agravada por décadas de má gestão e corrupção de seus partidos
tradicionais — esses mesmos partidos que os líderes europeus desejariam que
recuperem o governo de Atenas.
A
Grécia já está em recessão e a duplicação do IVA [imposto sobre o valor
agregado, semelhante ao ICMS] vai comprimir ainda mais o consumo, ao que se
somarão novas reduções nas aposentadorias e salários dos funcionários públicos,
que já foram rebaixados em 20%. Geralmente, assume-se que a dívida
grega logo alcançará 200% do produto interno bruto (PIB), em comparação com
170% de antes do resgate.
Como
poderia qualquer economista, ou inclusive um estudante de economia, não
entender que mediante a redução do consumo e o aumento de impostos se está
obrigando uma economia já deprimida a deprimir-se ainda más? Não é por
acaso que uma instituição conservadora como o FMI se negou a unir-se a esse
plano de resgate, e anuncia que não injetará dinheiro, a menos que os credores
europeus – o que é uma forma diplomática de dizer Alemanha –, aceitem uma
reestruturação da dívida grega até torná-la tolerável.
Está
claro que o resgate não foi uma operação técnica, mas política. Muitos líderes
da UE, a começar pelo próprio Juncker, presidente da Comissão
Europeia, intervieram no referendo interno grego do 5 de julho, pedindo
aos gregos para votar contra o primeiro ministro esquerdista Alexis Tsipras,
agora demissionário. Esses governantes europeus indicaram abertamente que
a revolta contra a austeridade e a economia neoliberal deve ser castigada,
para evitar o contágio político — uma campanha semelhante à que o
conservador Wall Street Journalrepete nos Estados Unidos.
Por
sua vez, a chanceler alemã, Angela Merkel, declarou a uma televisão de seu país
ter chegado à conclusão de que “Tsipras mudou”. Esta campanha recorda
a lançada pela primeira ministra britânica Margaret Thatcher (1979-1990), para
destruir os sindicatos e seu famoso enunciado “Não Há Alternativa”, popularizada
pela sua sigla em inglês TINA (there is no alternative)
Não
haverá realmente nenhuma alternativa na Europa?
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