sábado, 29 de agosto de 2015

GRÉCIA: A VERDADE SOBRE O “RESGATE”




Números demonstram: “empréstimo” destina-se a pagar aristocracia financeira: governos europeus ricos, bancos e grandes empresas gregas. Cidadania sofrerá perda enorme

Roberto Savio – Outras Palavras - Tradução: Inês Castilho

A longa saga da Grécia aparentemente acabou: as instituições europeias concederam a Atenas, na semana passada, um terceiro resgate de 98 bilhões de dólares que, junto com os dois anteriores, soma US$ 273 bilhões.

Não restam dúvidas: a grande maioria dos cidadãos europeus está convencida de que este é um exemplo de solidariedade; se a Grécia não for agora capaz de caminhar por seus próprios pés, a responsabilidade cabe exclusivamente aos cidadãos gregos e a seu governo. Mas isso só se deve ao fato de que, em geral, os meios de comunicação pararam de proporcionar pontos de vista alternativos… e algumas pessoas inclusive ignoram que o resgate é um empréstimo e portanto aumenta a imensa dívida do país.

Na verdade, a economia produtiva da Grécia viu muito pouco desse dinheiro, já que os resgates foram operações em que os cidadãos gregos não apenas não recebem nada, mas inclusive devem pagar um preço brutal.

A realidade por trás da operação foi acertadamente descrita por Mujtaba Rahman, respeitado analista chefe para a zona do euro do Grupo Eurasia, com sede em Londres. Ele assinala que “o resgate não visa realmente executar um plano de crescimento para a Grécia, e sim um plano para assegurar que se pague ao Banco Central Europeu (BCE) e ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e para que a zona do euro não se divida”.

O objetivo é claro. Dos 98 bilhões de dólares, 41 bilhões se destinarão ao pagamento da divida com outros governos europeus — Alemanha em primeiro lugar. Outros 28 bilhões irão à recapitalização dos bancos gregos, sangrados pela fuga de capitais do país em direção a bancos europeus mais seguros. Serão destinados 21 bilhões ao pagamentos dos juros da dívida que a Grécia vem acumulando. Por último, 8 bilhões irão para pagar a dívida do Estado com as empresas gregas.

De modo que apenas 8 bilhões serão destinados à economia real e nada para a cidadania, que agora deverá sofrer uma série de novas medidas drásticas de austeridade, que deprimirão ainda mais seu nível de vida e seu poder aquisitivo.

Financeiramente, os resgates foram um êxito. Todas as perdas e a má exposição das instituições europeias na Grécia foram despejadas nas costas deste país. Antes do primeiro resgate, os bancos franceses estavam expostos a títulos duvidosos da Grécia em 72 bilhões de dólares; agora, só 1,82 bilhões, sem perdas. Os riscos dos bancos alemães caíram de 51 bilhões a 5,7 bilhões de euros.

O intrigante é que uma série de estudos mostram que até o último momento, quando já era amplamente sabido que a Grécia estava numa crise profunda, os bancos e os investidores europeus continuaram comprando bônus gregos. Estavam seguros de que a Grécia pagaria? Não, mas sabiam que o governo helênico seria resgatado e que, portanto, recuperariam suas inversões, que é exatamente o que aconteceu.

O sistema financeiro tem agora vida própria, é quarenta vezes maior que a economia real, se comparamos suas transações financeiras diárias com as operações relacionadas com a produção de bens e serviços. O capital é intocável e circula livremente na União Europeia (UE), à diferença de seus cidadãos. Além disso, há diversos projetos legislativos que apontam para a redução de impostos para o um por cento dos mais ricos.

Durante as negociações, uma acusação frequente dirigida aos gregos era que não conseguiam que seus ricos armadores pagassem sua cota de impostos. Claro, os armadores colocam seu dinheiro onde ele não pode ser alcançado. Entretanto, não é hipocrisia alegar isso, quando se sabe que existem pelo menos 2,28 trilhões de dólares escondidos em paraísos fiscais e que, só para dar um exemplo, ninguém conseguiu que a Ryanair, companhia aérea irlandesa de baixo custo, pagasse de fato seus impostos? Por não mencionar o fato de que quando era primeiro ministro de Luxemburgo (1995-2013), o atual presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, concedeu desonerações fiscais secretas a mais de uma centena de empresas internacionais.

Recentemente, a agência France Presse divulgou um assombroso estudo do Instituto Leibnitiz de Investigação Econômica. Revela que a Alemanha ganhou 114 bilhões de dólares em poupanças, pela queda nos juros da sua própria dívida. De fato, a crise grega e os temores de sua propagação impulsionaram muitos investidores a refugiar-se nos bônus alemães, mais seguros, que em virtude dessa demanda extraordinária rebaixaram os juros pagos sobre sua dívida, e portanto sobre os empréstimos. Ao mesmo tempo, muitos estudos assinalam como, por ter uma balança comercial positiva com seus sócios europeus, a Alemanha está de fato absorvendo capitais da Europa.

Interpretar o terceiro resgate e suas condições de austeridade como uma mera operação econômica seria cometer uma erro grave. Nenhum economista acredita que a Grécia possa pagar sua dívida. Não apenas porque sempre teve uma economia frágil, com pouca indústria e com o turismo como sua principal fonte de renda. A situação é agravada por décadas de má gestão e corrupção de seus partidos tradicionais — esses mesmos partidos que os líderes europeus desejariam que recuperem o governo de Atenas.

A Grécia já está em recessão e a duplicação do IVA [imposto sobre o valor agregado, semelhante ao ICMS] vai comprimir ainda mais o consumo, ao que se somarão novas reduções nas aposentadorias e salários dos funcionários públicos, que já foram rebaixados em 20%. Geralmente, assume-se que a dívida grega logo alcançará 200% do produto interno bruto (PIB), em comparação com 170% de antes do resgate.

Como poderia qualquer economista, ou inclusive um estudante de economia, não entender que mediante a redução do consumo e o aumento de impostos se está obrigando uma economia já deprimida a deprimir-se ainda más? Não é por acaso que uma instituição conservadora como o FMI se negou a unir-se a esse plano de resgate, e anuncia que não injetará dinheiro, a menos que os credores europeus – o que é uma forma diplomática de dizer Alemanha –, aceitem uma reestruturação da dívida grega até torná-la tolerável.

Está claro que o resgate não foi uma operação técnica, mas política. Muitos líderes da UE, a começar pelo próprio Juncker, presidente da Comissão Europeia, intervieram no referendo interno grego do 5 de julho, pedindo aos gregos para votar contra o primeiro ministro esquerdista Alexis Tsipras, agora demissionário. Esses governantes europeus indicaram abertamente que a revolta contra a austeridade e a economia neoliberal deve ser castigada, para evitar o contágio político — uma campanha semelhante à que o conservador Wall Street Journalrepete nos Estados Unidos.

Por sua vez, a chanceler alemã, Angela Merkel, declarou a uma televisão de seu país ter chegado à conclusão de que “Tsipras mudou”. Esta campanha recorda a lançada pela primeira ministra britânica Margaret Thatcher (1979-1990), para destruir os sindicatos e seu famoso enunciado “Não Há Alternativa”, popularizada pela sua sigla em inglês TINA (there is no alternative)

Não haverá realmente nenhuma alternativa na Europa?

Sem comentários:

Mais lidas da semana