quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Angola. A FOME E O MEDO



Kalaf Epalanca – Rede Angola, opinião

Gostaria de ter uma boa nova, gostaria muito de escrever sobre uma boa notícia para variar. O meu desejo era a iniciar esta crónica com as seguintes palavras: “ao fim de 100 dias de cativeiro e 8 dias de grave de fome, os 15 “revús” foram finalmente libertados”. O dia ainda não terminou e como ainda não recebi nenhum e-mail de alerta da redacção, implorando para que seja misericordioso e envie a crónica de terça-feira, estou aqui, à espera da boa noticia, atento às redes sociais e aos noticiários, relendo as notícias antigas, as caixas de comentários e afundando-me na excruciante incógnita que paira sobre as nossas cabeças.

Para variar, é ao cair do pano que estas palavras são escritas, no limite do tempo e da paciência dos editores deste espaço, tantas vezes testada (devem chamar-me nomes, mereço-os a todos). Não vou ofender a inteligência dos senhores e senhoras que todos os dias, se desdobram para que não nos faltem notícias sobre o mundo e mais importante, sobre Angola. Vou poupar-lhes as desculpas e simplesmente confessar, esta semana não tenho crónica. Melhor, tenho, mas não aquela que gostaria de partilhar com os nossos leitores.

Sim, hoje não tem crónica, voltem para semana ou então, juntem-se a mim, vamos marinar sobre tudo o que foi publicado nos últimos 100 dias sobre o caso dos nossos “revús”. Os 15 angolanos, Domingos José da Cruz, Osvaldo Caholo, Sedrick Domingos de Carvalho, Albano Evaristo Bingo-Bingo, Fernando António Tomás “Nicola”,  Henrique Luaty Beirão, Afonso Matias “Mbanza-Hamza”, José Gomes Hata, Hitler Jessy Chivonde, Inocêncio António de Brito, Nélson Dibango Mendes dos Santos, Arante Kivuvu Lopes, Nuno Álvaro Dala, Benedito Jeremias e Manuel Nito Alves. Tão angolanos quanto a welwitschia mirabilis e a Palanca Negra Gigante, tão angolanos quanto a selecções de andebol e basquetebol, tanto quanto o Nahary Núria e os nossos deputados na Assembleia Nacional.

Hoje não tenho história, pois não existe outra sobre a qual me apeteça dissertar a não ser esta, que é a dos 15, mais os seus familiares, de quem os acusa, de quem lhes nega a liberdade e a nossa, os espectadores, uns mais passivos do que outros é certo, mas todos no mesmo barco. À deriva no meio do oceano do medo. Tememos coisas diferentes, mas duvido que exista hoje na nossa sociedade, sentimento mais unificador e democrático do que medo. Ele nos galvaniza, nos ilumina, nos cega. Tanto faz sair para rua milhares de pessoas por amor, como também fecha em casa outros milhares, uns lendo livros pouco recomendáveis para o pensamento, outros ainda mais neutros do que um suiço, optam pela sombra, preferindo que lhes xinguem a mãe a serem confundidos com esses “revús” que andam por aí a falar mal do governo.

Hoje não existe conversa, não existe assunto. Só a fome dos que clamam por liberdade e o nosso medo de os perder para sempre, a não sair-me da cabeça.

Sem comentários:

Mais lidas da semana