terça-feira, 22 de setembro de 2015

Angola. ORGIA DO REGIME NO JULGAMENTO EM CABINDA DE MARCOS MAVUNGO



O Tribunal do regime em Cabinda condenou o activista José Mar­cos Ma­vungo a seis anos de pri­são efectiva pela alegada – nunca provada – prática de um crime de rebelião contra o Estado angolano, tendo a defesa anunciado que vai recorrer da deci­são.

O advogado Francisco Luemba, reafirma que durante o simulacro de julgamento (cópia fiel dos tribunais populares do tempo de partido único em Angola) não foi pro­duzida prova contra o ac­tivista, em prisão preven­tiva desde 14 de Março, data em que se deveria ter realizado uma manifesta­ção em Cabinda contra a alegada má governação e violação dos direitos hu­manos na província que o próprio Marcos Mavungo organizava.

Recorde-se que a Consti­tuição permite manifesta­ções desde que, segundo os arautos do MPLA, se­jam a favor do regime. E, apesar de todos os exem­plos conhecidos, o regime continua a entender que não é preciso ter provas para condenar. Basta-lhe a suspeição para condenar. E, com uma desmesurada lata, ainda falam de demo­cracia e Estado de Direito.

“É a confirmação de que realmente, até prova em contrário, não temos tri­bunais independentes [em Angola] e que a maior par­te dos procuradores e dos juízes, quando estão em causa ordens superiores, as cumprem fielmente”, criticou o advogado.

Em relação a Marcos Ma­vungo, se nos cingirmos ao seu suposto julgamen­to, de tudo o que foi fei­to à luz do dia e não nas catacumbas da ditadura, ninguém – nem mesmo os carrascos – saiu com dúvidas: O réu tinha de ser ilibado e mandado em liberdade e em paz. Mas as instruções superiores eram outras. Neste, como em muitos outros proces­sos, a sentença foi a pri­meira coisa a ser estabe­lecida. Depois os sipaios tiveram apenas de arranjar alegações para sustentar esse prévio veredicto.

Como aqui recordou Raúl Tati na Carta Aberta ao sub-procurador geral do MPLA, em missão militar em Cabinda, talvez este “acredite que está a pres­tar um serviço relevante à justiça e à pátria. Desenga­ne-se. Está simplesmente a destruir os fundamen­tos sagrados da justiça e do direito. Está a colocar a justiça ao descrédito e ao pejo. Ademais, está a prestar um mau serviço público aos cidadãos em termos de administração da justiça.”

Ao cidadão José Marcos Mavungo foi imputado o crime de rebelião. Pouco importa se essa qualifica­ção se situa nos antípodas. Se as ordens, se a senten­ça, determinam que ele deveria ser mantido na prisão, a solução era des­cobrir algo que lhe desse sustentação. Rebelião en­quadrava-se. Portanto…

Recorde-se que o Coman­dante Municipal de Cabin­da da Policia do MPLA, nas vestes de declarante, disse em tribunal que Ma­vungo não se encontrava a cometer nenhum crime aquando da sua detenção, mas que fora detido por prevenção.

Prevenção? Exactamente. Um pouco à imagem e se­melhança do que se passa na Coreia do Norte.

“Pensávamos que o Tribu­nal de Cabinda fosse inde­pendente mas não é. Não podemos deixar esgotar todos os meios possíveis. Vamos interpor o recur­so esta semana junto ao Tribunal Supremo”, disse Arão Tempo, um dos ad­vogados do activista.

Arão Tempo que, mesmo por dolorosa experiência própria, sabe que está a obrigar os algozes do regi­me a voltar a levá-lo para a prisão, nem que seja como medida de… prevenção. Usar o verbo pensar é um perigo. Um atentado con­tra a segurança do Estado. Um forte indício de tenta­tiva de golpe de Estado.

“Não foi provado que Marcos Mavungo orde­nou que se espalhasse na cidade os referidos pan­fletos e nem tão pouco ser ele detentor de explosivos. Tudo isso não foi provado. O juiz apenas leu os quesi­tos e, por fim, directamen­te passou a ler a sentença. Não foram consideradas quaisquer matérias que referissem que Marcos Mavungo fosse inocente”, disse o advogado.

Teria sido mais simples que o juiz lê-se apenas a sentença que, aliás, há muito estava escrita.

Segundo o despacho de pronúncia do Ministério Público do MPLA, o ac­tivista, de 52 anos, surge associado à recuperação pela polícia de material explosivo – 10 blocos de TNT de 200 gramas e um rolo de cordão detonante – na véspera de uma ma­nifestação agendada para 14 de Março, em Cabinda.

Estas acusações foram re­futadas antes e durante o julgamento pela defesa e pelo arguido. Mas, como já sabiam, os advogados de defesa estavam a falar para as paredes. Os fun­cionários do regime não estavam no tribunal para julgar, estavam para con­denar. Estavam para ler a sentença emitida de Luan­da.

Na semana passada a Amnistia Internacional declarou Mavungo como “prisioneiro de consciên­cia” e apelou à pressão da comunidade internacional para exigir a libertação “imediata e incondicional” do activista.

De nada valeu. Aliás, não valeu em Angola como não vale na Coreia do Nor­te. Se Angola é o MPLA e o MPLA é Angola, do que é que se estava à espera?

Trata-se do quarto cida­dão de Cabinda a ser de­clarado “prisioneiro de consciência” pela Amnis­tia Internacional desde 2007.

O Parlamento Europeu aprovou uma resolução sobre as “tentativas inces­santes” das autoridades para limitar as liberdades de expressão, de impren­sa e de reunião pacífica e de associação e apontou o caso Mavungo como exemplo.

PARA ACABAR COM A REPRESSÃO O REGIME REPRIME

A condenação de José Ma­vungo a seis anos de pri­são deve ser enquadrada no clima de repressão e supressão de dissidentes em Angola, disse a direc­tora da seção portuguesa da Amnistia Internacional.

“Atendendo ao ambiente altamente repressivo e de supressão de vozes dis­sidentes em Angola, na verdade, a condenação, não é uma surpresa”, disse Teresa Pina, directora da secção portuguesa da Am­nistia Internacional (AI).

“A Amnistia Internacional sempre se bateu pela li­bertação imediata e incon­dicional de Mavungo pre­cisamente por entender que se trata de um prisio­neiro de consciência, ou seja: que foi detido apenas por tentar exercer de for­ma pacifica o seu direito à liberdade de expressão”, acrescentou a responsável pela organização não-go­vernamental.

“Ninguém pode ser preso por dizer o que pensa. Por isso, o consideramos des­de o primeiro minuto um prisioneiro de consciência e isto enquadra-se num contexto mais vasto: as autoridades angolanas de­veriam, como está previs­to na própria Constituição — que consagra a liber­dade de reunião e de ex­pressão — encorajar uma troca saudável de opiniões contrárias em vez de go­vernar o país semeando o medo e silenciando as vozes mais críticas”, con­cluiu a directora da AI em Portugal.

Folha 8 digital, 19.09.2015


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