O
Tribunal do regime em Cabinda condenou o activista José Marcos Mavungo a seis
anos de prisão efectiva pela alegada – nunca provada – prática de um crime de
rebelião contra o Estado angolano, tendo a defesa anunciado que vai recorrer da
decisão.
O
advogado Francisco Luemba, reafirma que durante o simulacro de julgamento
(cópia fiel dos tribunais populares do tempo de partido único em Angola) não
foi produzida prova contra o activista, em prisão preventiva desde 14 de
Março, data em que se deveria ter realizado uma manifestação em Cabinda contra
a alegada má governação e violação dos direitos humanos na província que o
próprio Marcos Mavungo organizava.
Recorde-se
que a Constituição permite manifestações desde que, segundo os arautos do
MPLA, sejam a favor do regime. E, apesar de todos os exemplos conhecidos, o
regime continua a entender que não é preciso ter provas para condenar.
Basta-lhe a suspeição para condenar. E, com uma desmesurada lata, ainda falam
de democracia e Estado de Direito.
“É
a confirmação de que realmente, até prova em contrário, não temos tribunais
independentes [em Angola] e que a maior parte dos procuradores e dos juízes,
quando estão em causa ordens superiores, as cumprem fielmente”, criticou o
advogado.
Em
relação a Marcos Mavungo, se nos cingirmos ao seu suposto julgamento, de tudo
o que foi feito à luz do dia e não nas catacumbas da ditadura, ninguém – nem
mesmo os carrascos – saiu com dúvidas: O réu tinha de ser ilibado e mandado em
liberdade e em paz. Mas as instruções superiores eram outras. Neste, como em
muitos outros processos, a sentença foi a primeira coisa a ser estabelecida.
Depois os sipaios tiveram apenas de arranjar alegações para sustentar esse
prévio veredicto.
Como
aqui recordou Raúl Tati na Carta Aberta ao sub-procurador geral do MPLA, em
missão militar em Cabinda, talvez este “acredite que está a prestar um serviço
relevante à justiça e à pátria. Desengane-se. Está simplesmente a destruir os
fundamentos sagrados da justiça e do direito. Está a colocar a justiça ao
descrédito e ao pejo. Ademais, está a prestar um mau serviço público aos
cidadãos em termos de administração da justiça.”
Ao
cidadão José Marcos Mavungo foi imputado o crime de rebelião. Pouco importa se
essa qualificação se situa nos antípodas. Se as ordens, se a sentença,
determinam que ele deveria ser mantido na prisão, a solução era descobrir algo
que lhe desse sustentação. Rebelião enquadrava-se. Portanto…
Recorde-se
que o Comandante Municipal de Cabinda da Policia do MPLA, nas vestes de
declarante, disse em tribunal que Mavungo não se encontrava a cometer nenhum
crime aquando da sua detenção, mas que fora detido por prevenção.
Prevenção?
Exactamente. Um pouco à imagem e semelhança do que se passa na Coreia do
Norte.
“Pensávamos
que o Tribunal de Cabinda fosse independente mas não é. Não podemos deixar
esgotar todos os meios possíveis. Vamos interpor o recurso esta semana junto
ao Tribunal Supremo”, disse Arão Tempo, um dos advogados do activista.
Arão
Tempo que, mesmo por dolorosa experiência própria, sabe que está a obrigar os
algozes do regime a voltar a levá-lo para a prisão, nem que seja como medida
de… prevenção. Usar o verbo pensar é um perigo. Um atentado contra a segurança
do Estado. Um forte indício de tentativa de golpe de Estado.
“Não
foi provado que Marcos Mavungo ordenou que se espalhasse na cidade os
referidos panfletos e nem tão pouco ser ele detentor de explosivos. Tudo isso
não foi provado. O juiz apenas leu os quesitos e, por fim, directamente
passou a ler a sentença. Não foram consideradas quaisquer matérias que
referissem que Marcos Mavungo fosse inocente”, disse o advogado.
Teria
sido mais simples que o juiz lê-se apenas a sentença que, aliás, há muito
estava escrita.
Segundo
o despacho de pronúncia do Ministério Público do MPLA, o activista, de 52
anos, surge associado à recuperação pela polícia de material explosivo – 10
blocos de TNT de 200 gramas e um rolo de cordão detonante – na véspera de uma
manifestação agendada para 14 de Março, em Cabinda.
Estas
acusações foram refutadas antes e durante o julgamento pela defesa e pelo
arguido. Mas, como já sabiam, os advogados de defesa estavam a falar para as
paredes. Os funcionários do regime não estavam no tribunal para julgar,
estavam para condenar. Estavam para ler a sentença emitida de Luanda.
Na
semana passada a Amnistia Internacional declarou Mavungo como “prisioneiro de
consciência” e apelou à pressão da comunidade internacional para exigir a
libertação “imediata e incondicional” do activista.
De
nada valeu. Aliás, não valeu em Angola como não vale na Coreia do Norte. Se
Angola é o MPLA e o MPLA é Angola, do que é que se estava à espera?
Trata-se
do quarto cidadão de Cabinda a ser declarado “prisioneiro de consciência”
pela Amnistia Internacional desde 2007.
O
Parlamento Europeu aprovou uma resolução sobre as “tentativas incessantes” das
autoridades para limitar as liberdades de expressão, de imprensa e de reunião
pacífica e de associação e apontou o caso Mavungo como exemplo.
PARA
ACABAR COM A REPRESSÃO O REGIME REPRIME
A
condenação de José Mavungo a seis anos de prisão deve ser enquadrada no clima
de repressão e supressão de dissidentes em Angola, disse a directora da seção
portuguesa da Amnistia Internacional.
“Atendendo
ao ambiente altamente repressivo e de supressão de vozes dissidentes em
Angola, na verdade, a condenação, não é uma surpresa”, disse Teresa Pina,
directora da secção portuguesa da Amnistia Internacional (AI).
“A
Amnistia Internacional sempre se bateu pela libertação imediata e incondicional
de Mavungo precisamente por entender que se trata de um prisioneiro de
consciência, ou seja: que foi detido apenas por tentar exercer de forma
pacifica o seu direito à liberdade de expressão”, acrescentou a responsável
pela organização não-governamental.
“Ninguém
pode ser preso por dizer o que pensa. Por isso, o consideramos desde o
primeiro minuto um prisioneiro de consciência e isto enquadra-se num contexto
mais vasto: as autoridades angolanas deveriam, como está previsto na própria
Constituição — que consagra a liberdade de reunião e de expressão — encorajar
uma troca saudável de opiniões contrárias em vez de governar o país semeando o
medo e silenciando as vozes mais críticas”, concluiu a directora da AI em
Portugal.
Folha
8 digital, 19.09.2015
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