quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Portugal. PURA HIPOCRISIA



Cristina Azevedo – Jornal de Notícias, opinião

O ex-primeiro-ministro de um país é preso preventivamente por alegada corrupção no exercício do cargo. Só dez meses depois vê a pena comutada para prisão domiciliária (sem pulseira). Insiste que não conhece a acusação em concreto e que estranha os mil e um ângulos pelos quais o processo o espreita.

Entretanto, por fugas constantes ao segredo de justiça, devidamente amplificadas pela Comunicação Social, discute-se um crime, depois outro, e mais outro, entreveem-se cúmplices e acicata-se o voyeurismo em infografias coloridas de complexos circuitos financeiros.

Tudo isto antes de deduzida a eventual acusação e, muito antes, de qualquer futuro trânsito em julgado.

Mas tudo isto em pleno exercício de campanha eleitoral.

E, no entanto, à esquerda e à direita num basso ostinato ensurdecedor só se ouve "à política o que é da política", "à justiça o que é da justiça".

Irrita-me isto, porque parece que nos querem impedir de discutir, de levantar questões, de duvidar, de concordar, de fazer e dizer o que muito bem nos apetecer, política e justiça, cada coisa por seu lado, as duas a par, as duas misturadas.

O exercício eleitoral para não mexer as águas, para ficarmos todos nesta modorra do "crescer com cuidado" ou do "crescer com confiança", para segurar um empate até às últimas, para não ficar encurralado, para nos intoxicar a todos com o politicamente correto, desenha-nos esta linha imaginária a cor fosforescente e cavalga os efeitos tenebrosos da passagem do Rubicão.

Mas é pura hipocrisia e pobre serviço ao país.

Podemos e devemos discutir em que circunstância pode um titular de cargos públicos abusar do respetivo exercício, e como pode ou deve ser impedido de o fazer; podemos e devemos discutir como pode um cidadão ser privado de liberdade sem conhecer a acusação e como podem e devem os seus direitos e garantias fundamentais ser intocáveis; podemos e devemos discutir o nosso sistema penal e judicial e defender, sem medo, o que entendemos que deve mudar. Sem colagem ou raciocínio específico ao caso em questão mas por causa e a propósito dele próprio. E podemos e devemos perceber como é que cada um dos principais partidos políticos se situa neste âmbito.

O que não podemos fazer é de conta, como se o eng.º Sócrates fosse invisível.

Ou como se só fosse visível se resolver prestar declarações públicas no dia 3 de outubro, dia de reflexão!

Podemos e devemos discutir o nosso sistema penal e judicial e defender, sem medo, o que entendemos que deve mudar. Sem colagem ou raciocínio específico ao caso em questão [Sócrates] mas por causa e a propósito dele próprio

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