Carlos Tadeu, Setúbal
A
Guiné-Bissau lá vai, quase sempre no limbo, quase sempre em tempo de espera. À
espera de que alguém ou alguns das elites decida o seu presente, o seu futuro. Do
presente e do passado sabem os guineenses que são exatamente muitos das elites
que não se fartam de roubar e de usar o país para negociatas. Daí a
instabilidade. Porque dá jeito. Porque assim é mais fácil baralhar e dar de
novo aos que aceitem integrar a seita que tomou o poder. Constituição da República
é coisa semelhante a papel higiénico para alguns dos que se alapam nos poderes.
Atualmente a Guiné-Bissau está à espera da decisão do Supremo Tribunal de
Justiça para decidir uma questão constitucional – se o PR pode escolher e
nomear o primeiro-ministro e respetivo governo. Lanacaprina como questão porque
na constituição é evidente que é o partido mais votado em eleições que deve
indicar quem deve ser indigitado primeiro-ministro, o PR pode sempre aceitar ou
não mas está cingido à indicação do partido mais votado, que é quem deve
convidar a formar governo. Neste caso, em Bissau, é o PAIGC o partido mais
votado nas eleições de há cerca de um ano.
Sabe-se
assim que por alguma razão que nos escapa e não corresponde à alegada pelo PR
guineense, que o PR assume-se como um golpista que demite o PM e o governo para
ser ele a escolher o PM que lhe agrada e com quem tem – possivelmente - “negócios”
que exigem um traste de sua confiança. Saiu na rifa Baciró Djá (um amigo) em detrimento de
Domingos Simões Pereira, o agora ex-primeiro-ministro por ter sido demitido num
processo obscuro, confuso, de autêntico golpe de Estado.
Como
se não fosse premente e de uma urgência enorme clarificar a situação em termos
de legalidade, de constitucionalidade, o Supremo Tribunal de Justiça está na maior
das calmas a guardar a sua decisão, o seu julgamento, para as calendas gregas,
deixando a situação degradar-se e dando todo o tempo ao PR golpista para
avançar com um governo de iniciativa presidencial que é claramente
inconstitucional. Já há quem diga que o STJ vai declarar-se alinhado com a decisão
do PR golpista Mário Vaz. Dizem-no com razão. A demora do STJ é o que aparenta
para observadores e para os cidadãos guineenses que se arriscam a ter um
governo em que não votaram e que é inconstitucional.
Vem
a seguir a esta nossa opinião um artigo retirado do jornal guineense O
Democrata com declarações de Silvestre Alves, um jurista e líder partidário na
Guiné-Bissau. Muito diz. Convidamos a lerem. Dali apreendemos uma frase muito pertinente
e importante, que escolhemos para título desta peça. Diz ele que “o presidente
da República não pode ser alguém que incite práticas nocivas à democracia”. Pois
não. Mas é aquilo que o PR Mário Vaz tem feito e continua a fazer. Até quando?
(CT / PG)
LÍDER
DO MDG APONTA REVOGAÇÃO DO DECRETO QUE NOMEIA BACIRO DJA COMO SOLUÇÃO PARA A
CRISE
O
jurista e líder do Movimento Democrático Guineense (MDG), Silvestre Alves,
apontou como a solução para a crise vigente no país, a revogação do decreto
presidencial №. 06/2015, que nomeia Baciro Djá novo Primeiro-ministro. O
posicionamento do político ficou conhecido no passado dia 31 de Agosto último,
numa entrevista exclusiva ao nosso semanário abordando a situação da crise
política que assola o país.
Na
mesma entrevista, Silvestre analisou a inconstitucionalidade ou não do decreto
presidencial que nomeia o novo Primeiro-ministro.
Silvestre
Alves afirmou que o decreto presidencial que nomeia Baciro Djá novo chefe de
Governo, depois de Domingos Simões Pereira ter sido demitido, está ferido de
inconstitucionalidade. Explicou ainda que no concernente à recusa de nome de
Domingos Simões Pereira, o Presidente está no exercício do seu poder e pode
perfeitamente fazê-lo.
No
eNtanto, acrescentou que a “constituição não manda que o Primeiro-ministro seja
nomeado sob a proposta do partido vencedor, não. A constituição manda que o
Primeiro-ministro seja nomeado tendo em conta os resultados eleitorais e
ouvidas as forças representadas no parlamento”.
“Ouvidas
as forças políticas representadas no parlamento, o Presidente da República pode
entender que dentro das personalidades que representam os partidos que
constituem a maioria, como o caso do PAIGC que detém a maioria absoluta, algum
deles é elegível. O Presidente pode concluir que há uma figura que
desempenharia melhor o cargo numa determinada fase e convidar essa figura para
chefiar o governo”, notou o jurista, que entretanto, avançou ainda que o
Presidente não é obrigado a esperar pela proposta do PAIGC, neste caso.
O
jurista reconheceu nesta entrevista que não obstante os estatutos dos
libertadores (PAIGC) reservarem que o presidente do partido é a cabeça da lista
e o candidato ao cargo do Primeiro-ministro, contudo esclareceu que isso não
vincula o Presidente José Mário Vaz, porquanto a “Constituição da República
dá-lhe poderes para indigitar um Primeiro-ministro tendo em conta os resultados
eleitorais e ouvidos os partidos políticos com assento parlamentar”.
Relativamente
à nomeação do novo Primeiro-ministro através do decreto presidencial, Silvestre
Alves disse que se Chefe de Estado não manteve consultas com as formações
políticas com o assento parlamentar, por isso pode falar-se da
inconstitucionalidade formal.
“Independentemente
da consulta ou não, poderíamos cair numa inconstitucionalidade material. Os
estatutos do PAIGC tiram ao Presidente a possibilidade de nomear o
Primeiro-ministro em conformidade com a constituição, porque os estatutos
retiram ao Baciro Djá a capacidade de representação ou de exercício”, precisou.
Alves
alerta que a partir do momento que os estatutos indicam que nenhum militante do
partido pode assumir qualquer responsabilidade governativa ou outra contra o
disposto no mesmo instrumento, tem de ser o próprio partido a resolver o
problema já que o Presidente da República recusou o presidente do PAIGC como o
candidato a primeiro-ministro.
Para
Silvestre Alves, uma das possíveis saídas à crise política e institucional que
se agudizou mais com a nomeação do novo Primeiro-ministro passa pela revogação
do decreto presidencial que nomeia Baciro Dja para este cargo.
“Ainda
é tempo de revogar o decreto. Nada obriga, mas nada impede a revogação do
decreto. No entanto se politicamente as consequências são muito gravosas, então
é aconselhável que o Presidente da República revogue o decreto. É aconselhável,
porque estamos neste impasse há mais de duas semanas que o Primeiro-ministro
foi nomeado e empossado e não há governo. E temos vindo a acompanhar que
está-se a tentar resolver o problema por via negocial, mas quais serão as
consequências disso”, questiona.
Para
o político se se basear num jogo objetivo democrático, nada ainda é impossível
para convencer os deputados do PAIGC e do PRS da bondade da nomeação de Baciro
Djá como Primeiro-ministro.
“Se
esses deputados acabarem por votar favoravelmente o programa ou orçamento do
governo de Baciro Djá, estaremos perante uma deturpação do processo, ou seja,
os deputados do PAIGC não estariam a obedecer a disciplina partidária por
razões que não têm a ver com a sua consciência de cidadão, mas simplesmente por
interesses particulares”, assinalou o político.
O
líder do Movimento Democrático Guineense lembra ainda que o Chefe de Estado no
seu discurso à nação mostrou claro que não tinha condições de coabitação com o
presidente do PAIGC que chefiava o governo.
“O
PAIGC tinha que ter a maturidade que não teve nem no 07 de Junho, nem no 12 de
Abril. Pelo menos desta vez devia ter essa maturidade para saber que não devia
insistir com o nome de Simões Pereira. Neste caso, também o Presidente devia
ter a sensatez de voltar a convidar o PAIGC e clareando a sua posição que a
convivência com o presidente do partido já não era possível. Caso o partido
continuasse a insistir com o mesmo nome e assim, ele poderia nomear alguém da
sua escolha”, explicou.
No
entender do político, o Presidente José Mário Vaz deveria ter nomeado alguém
que pudesse substituir Simões Pereira, ou melhor, alguém com arcaboiço político
e maturidade para fazer o trabalho muito melhor.
Em
relação ao debate sobre o sistema político adoptado no país que alguns
especialistas em matéria do direito constitucional entendem que é a causa do
problema, Silvestre Alves nega que a situação da instabilidade política
constante tenha a ver com o sistema semipresidencialista adoptado. Na opinião
do político, a Guiné-Bissau é “refém do PAIGC”, mas não do sistema político
adoptado.
“Nós
temos sidos governados por figuras desonestas. Gente que não tem preparação
para assumir cargos políticos, portanto gente que, atrás dos seus discursos,
tem simplesmente interesses pessoais. Assim não se constrói um país, porque a
Guiné é frágil”, lamenta.
PRESIDENTE
DA REPÚBLICA NÃO PODE SER ALGUÉM QUE INCITE PRÁTICAS NOCIVAS À DEMOCRACIA
Na
visão do líder do Movimento Democrático Guineense, o Presidente não pode ser
alguém que instigue práticas nocivas à democracia.
Relativamente
ao impasse registado na formação do executivo há mais de 20 dias, Silvestre
Alves entende que não se deve deixar que a situação se arraste por mais tempo,
porque pode conduzir o país a prejuízos incalculáveis.
“Temos
que aceitar que o PAIGC cumpriu a sua missão histórica de libertar o país, por
isso temos que o agradecer e reconhecer esse papel desenvolvido. O PAIGC
assumiu o poder com dirigentes muito jovens que não estavam em condições de
governar o país. Razão pela qual criaram vícios atrás dos vícios e todos quanto
cresceram nesse ambiente herdaram os vícios e o país tem de sair disso”,
referiu.
Na
observação do político, toda a história má ou boa do país é da responsabilidade
do PAIGC.
GOVERNAÇÃO
DE DOMINGOS SIMÕES PEREIRA FOI DESNORTEADA
Silvestre
Alves analisa ainda até que ponto é que a situação da crise política pode
afectar o relacionamento do país com os seus parceiros do desenvolvimento.
“A
crise que se vive no momento é uma desgraça para o país, aliás, assim como a
governação do PAIGC foi desnorteada. A governação que tínhamos na frente não
era acertada, portanto a governação de Simões Pereira foi desnorteada. Tocar
tambores e ao mesmo tempo colocar plataformas nas ruas para fazer festa, e ir
pedir dinheiro é irresponsabilidade, ou melhor, é estar a ensinar as pessoas
mentalidade de pedinte”, notou.
Lembrou
ainda na sua comunicação que 80 por cento da economia do país está nas mãos de
operadores estrangeiros, pelo que trazendo esse dinheiro para o país é
alimentar outros países e não a economia nacional. Sustentou que a referida
situação pode fazer crescer no país a imigração estrangeira que vai ter o poder
económico em mãos e assim criam-se problemas em Gabú ou em outras zonas
fronteiriças.
“Dentro
de 15 ou 20 anos essa comunidade imigrante vai ter descendentes com capacidade
financeira, formação e com a nacionalidade guineense a disputar a liderança do
país. Isso poderá criar mais complicações para o país, a semelhança daquilo que
acontece na Costa de Marfim e África do Sul onde a situação acabou em conflito”,
contou.
Silvestre
Alves considera que tanto a instabilidade política, como as crises que o país
conheceu foram provocadas pela irresponsabilidade do PAIGC cujos sucessivos
governos não “foram capazes de compreender as etapas de construção do país, refere”.
“O
que deveria ser a prioridade neste momento é a construção dos alicerces dessa
casa comum. E os alicerces dessa casa comum são a formação do homem, sobretudo
na vertente académica e cívica. Reabilitar as instituições, começando pelo
aparelho judicial, portanto isso sim é que se devia fazer. O resto é promover a
irresponsabilidade”, advertiu.
Indagado
se a dificuldade que se regista na formação do governo não poderia influenciar
o Chefe de Estado a assumir uma posição mais extrema que passaria pela
dissolução do parlamento, Silvestre Alves admite que apesar de todas as
situações da crise que o país enfrenta, “o Presidente não deseja de certeza
provocar novas eleições”.
“Se
for este o entendimento do Presidente, teremos todos que arregaçar as mangas e
improvisar para ir a batalha. Penso que não havendo um bom discurso neste
momento para demonstrar o mau desempenho do PAIGC, o Presidente estaria a dar um
tiro no próprio pé. Como se sabe o Presidente sozinho não pode descredibilizar
o PAIGC. Neste caso o PAIGC voltaria a ganhar e mesmo sendo com uma margem
pequena. A partir desta altura seria obrigado a aceitar as soluções que o PAIGC
avançasse. Não sendo o caso, poderíamos até acabar numas eleições gerais
antecipadas. Penso que efectivamente não é esse o caminho que o Presidente deve
escolher”, assinalou.
Asseverou
que o Presidente da República não deve promover a corrupção política, pelo que
sustenta na sua opinião que, o Chefe de Estado não tem outro caminho de
momento, a não ser revogar o decreto que nomeia o Baciro Djá e voltar a
consultar o PAIGC, enquanto vencedor das últimas eleições a fim de indicar um
outro nome para o candidato ao cargo do novo Primeiro-ministro.
“É
de conhecimento de todos que a vontade institucional do PAIGC é não viabilizar
o governo de Baciro Djá. Se o novo Primeiro-ministro não tem apoio da direção
do PAIGC, só se poderia entender (a sua manutenção) graças a uma votação contra
a vontade da direção do partido, por uma questão da objecção da consciência, da
parte dos deputados”, referiu.
O
político recorda que normalmente nestas circunstancias o que funciona é a
disciplina partidária, todavia afiançou que a disciplina partidária não deve
prevalecer perante a consciência dos deputados. Acrescentou no entanto, que o
“deputado, em nome da sua consciência pessoal de cidadão, se entender que não
está de acordo com a disciplina partidária, poderia pontualmente justificar a
sua votação”.
Perante
a situação do impasse que ainda prevalece, o líder do MDG explicou neste
particular que os deputados que não votarem com a orientação do partido estarão
a votar por alguma razão, ou melhor, por algum benefício.
“Aliás,
como já se está a veicular na praça pública que haveria apoios de países amigos
para a compra de consciência dos deputados. Isso estaria a ser promovido, de
alguma maneira, pelo próprio Presidente da República, isto é, uma vez que ele
não andou pelo caminho mais aceitável, forçou a barra para, por atalhos, ver se
consegue assegurar o apoio parlamentar que o partido maioritário PAIGC não lhe
dá e o partido PRS, que acompanhava o governo, está dividido. Se houver um
resultado favorável na votação, então teremos que concluir que houve compra de
consciência”, notou.
SILVESTRE
ALVES DIZ QUE SOCIEDADE CIVIL ESTÁ MANIPULADA E LANÇA UM DESAFIO PARA DEBATE
PÚBLICO PARA ESCLARECER O PAÍS
Solicitado
a pronunciar-se sobre o papel desempenhado pelas organizações da sociedade
civil neste processo, Silvestre Alves lamentou profundamente aquilo que
considera de “espetáculo” que diz que se regista no avanço e recuo da sociedade
civil, de acordo com o peso das influências.
“Há
muita manipulação da sociedade civil e é triste. Desafio qualquer um para um
debate público para esclarecermos a situação. Há influências atrás da dita
sociedade civil que não deixam as organizações tomarem uma postura de cidadãos
e de ter uma opinião isenta, e não de ´klakeiros´. Forjarmos uma situação que
não tem consistência para ser impugnada”, assegurou.
Neste
sentido, Silvestre Alves entende que a sociedade civil devia ter o papel de
fiel da balança, através de uma opinião isenta e imparcial, tendo frisado que
toda gente deveria jogar um papel isento e imparcial neste processo, dado que
“numa casa pequena como a Guiné-Bissau há certos tipos de jogos políticos que
não têm viabilidade”.
Assana
Sambú – O Democrata (gb) - na foto: José Mário Vaz, o PR golpista.
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