segunda-feira, 7 de setembro de 2015

GUINÉ-BISSAU: O PAÍS CONTINUA ADIADO



Manuel Vitorino – Jornal de Notícias, opinião

Em abril do ano passado, escrevi um livro intitulado "Guiné-Bissau, um país adiado/Crónicas na pátria de Cabral", resultado das minhas vivências naquele país africano. São 230 páginas, muitas delas contendo relatos verídicos de casos de corrupção, abuso de poder, atentados, violações do Estado de direito, tráfico de droga, testemunhos sobre a exploração desenfreada dos recursos naturais, corte abusivo da floresta - grande parte secular e com espécies protegidas - assalto aos pesqueiros dos rios, gastos de milhões para coisa nenhuma.

Com as eleições democráticas e a vitória do PAIGC em 2014, a comunidade internacional respirou de alívio e deu o voto de confiança ao Governo eleito presidido por Domingos Simões Pereira. Os doadores abriram a torneira dos milhões, o FMI e a EU voltaram a ser generosos, as instituições internacionais voltaram a acreditar nos caminhos da paz e desenvolvimento para o povo martirizado da Guiné-Bissau.

Um ano depois, o presidente da República, Mário Vaz, demitiu o Governo, fazendo antes uma alocução dramática ao país para criticar abertamente o modelo de funcionamento do Governo, acusando-o de continuar a permitir a "continuação da exploração desenfreada dos recursos naturais e em particular, as areias de Varela, corte abusivo das árvores, delapidação dos recursos pesqueiros". Para o PR, o país continua com os vícios do costume: "Corrupção, peculato, nepotismo e outros crimes económicos no exercício de funções públicas".

Ao fim de vários anos de golpes e contragolpes, militares a tutelar o exercício do poder e assassinatos políticos, também pensei que, finalmente, a Guiné-Bissau podia caminhar para a tão desejada "normalização democrática". Pura ilusão. Entre a publicação do livro em abril de 2014 e agosto de 2015, a crise política continua a alastrar no país entre os mais altos responsáveis do Estado, desta vez, tendo os militares como observadores.

Talvez pelo facto do livro ser incómodo para muita gente - lá como cá existem pessoas que gostam muito de estar sempre de bem com quem está no poder - a edição foi praticamente silenciada nos média da Guiné-Bissau e quem podia dar opinião refugiou-se num silêncio cúmplice e cinismo hipócrita.

Para que conste: o livro teve o apoio da ONG Mundo a Sorrir, possui fotos do fotojornalista Hugo Delgado, prefácio de Frei Ventura e notas do biólogo Adriano Bordalo e Sá (porventura, um dos investigadores portugueses que mais bem conhece a realidade social, cultural e política da Guiné-Bissau).

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