Manuel
Vitorino – Jornal de Notícias, opinião
Em
abril do ano passado, escrevi um livro intitulado "Guiné-Bissau, um país
adiado/Crónicas na pátria de Cabral", resultado das minhas vivências
naquele país africano. São 230 páginas, muitas delas contendo relatos verídicos
de casos de corrupção, abuso de poder, atentados, violações do Estado de
direito, tráfico de droga, testemunhos sobre a exploração desenfreada dos
recursos naturais, corte abusivo da floresta - grande parte secular e com
espécies protegidas - assalto aos pesqueiros dos rios, gastos de milhões para
coisa nenhuma.
Com
as eleições democráticas e a vitória do PAIGC em 2014, a comunidade
internacional respirou de alívio e deu o voto de confiança ao Governo eleito
presidido por Domingos Simões Pereira. Os doadores abriram a torneira dos
milhões, o FMI e a EU voltaram a ser generosos, as instituições internacionais
voltaram a acreditar nos caminhos da paz e desenvolvimento para o povo
martirizado da Guiné-Bissau.
Um
ano depois, o presidente da República, Mário Vaz, demitiu o Governo, fazendo
antes uma alocução dramática ao país para criticar abertamente o modelo de
funcionamento do Governo, acusando-o de continuar a permitir a
"continuação da exploração desenfreada dos recursos naturais e em
particular, as areias de Varela, corte abusivo das árvores, delapidação dos
recursos pesqueiros". Para o PR, o país continua com os vícios do costume:
"Corrupção, peculato, nepotismo e outros crimes económicos no exercício de
funções públicas".
Ao
fim de vários anos de golpes e contragolpes, militares a tutelar o exercício do
poder e assassinatos políticos, também pensei que, finalmente, a Guiné-Bissau
podia caminhar para a tão desejada "normalização democrática". Pura
ilusão. Entre a publicação do livro em abril de 2014 e agosto de 2015, a crise
política continua a alastrar no país entre os mais altos responsáveis do
Estado, desta vez, tendo os militares como observadores.
Talvez
pelo facto do livro ser incómodo para muita gente - lá como cá existem pessoas
que gostam muito de estar sempre de bem com quem está no poder - a edição foi
praticamente silenciada nos média da Guiné-Bissau e quem podia dar opinião
refugiou-se num silêncio cúmplice e cinismo hipócrita.
Para
que conste: o livro teve o apoio da ONG Mundo a Sorrir, possui fotos do
fotojornalista Hugo Delgado, prefácio de Frei Ventura e notas do biólogo
Adriano Bordalo e Sá (porventura, um dos investigadores portugueses que mais
bem conhece a realidade social, cultural e política da Guiné-Bissau).
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