quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Angola. Companheiros de luta pedem a Luaty Beirão que cesse a greve de fome



Activistas enviam mensagem através de Rafael Marques

Os 14 jovens activistas angolanos detidos pediram a Luaty Beirão para terminar a greve de fome porque “precisam dele vivo” para “continuarem a luta”, disse ontem à Lusa o activista Rafael Marques que os visitou a todos.

“Eles pedem que o Luaty regresse para o seu meio, como líder moral, como indivíduo a quem olham com bastante respeito, que volte com saúde e que volte com vida”, relatou Rafael Marques, que visitou os 14 presos na cadeia de São Pulo, em Luanda, tendo depois transmitido as mensagens a Luaty Beirão, que se encontra internado na clínica Girassol.

Rafael Marques disse recolheu mensagens dos 14 jovens e que as levou a Luaty, “para que ele, sem pressão, ouça a voz dos seus companheiros de causa, dos seus companheiros de prisão, aquilo que eles pensam que devem de ser os próximos passos”.

“Coube-me apenas, na minha qualidade de defensor dos direitos humanos, ouvir os detidos, o que eles pensam da greve de fome. O Luaty quer voltar para junto deles e manter a greve. Eu ouvi-os, tirei notas e eles próprios escreveram pelo seu punho qual é o seu posicionamento e fui transmitir as opiniões de cada um ao Luaty”, explicou.

O também jornalista adiantou que, excepto Nelson Dibango, que escreveu na nota que “se o Luaty continuar com a greve de fome ele entrará novamente em greve de fome”, depois de já ter cumprido dez dias, “todos os outros são unânimes e até diziam que se tivessem essa permissão iriam à clínica ‘e pedir de joelhos’” para Luaty desistir, “porque precisam dele vivo e com saúde e de gizar estratégias” todos juntos.

“Nós não estamos aqui a falar de pessoas que estão a fazer pressão para que ele cesse a greve de fome. Estamos a falar daqueles com quem ele compartilha ideias e por quem ele está a sofrer e por quem ele quer continuar a sofrer – que são estes bravos jovens que continuam detidos”, acrescentou.

Luaty Beirão manifestou na quarta-feira a vontade de continuar a greve de fome no Hospital-Prisão de São Paulo, onde se encontram os 14 companheiros, considerados como “prisioneiros de consciência” pela Amnistia Internacional.

“Por uma questão humanitária, tive a permissão para falar com todos os detidos e também para abordar algumas questões relacionadas com a segurança e com as condições carcerárias destes. Penso que é importante reconhecer este gesto e continuar a trabalhar, para que, apesar de termos posições diferentes e na maioria das vezes antagónicas, possamos compreender que estamos a falar do direito à vida”, concluiu Rafael Marques.

Bingo-Bingo suspende greve de fome e precisa de cuidados médicos

Albano Bingo-Bingo disse ontem à Lusa que suspendeu a greve de fome que começou a 9 de Outubro, face à marcação do início do julgamento 16 de Novembro.
O activista iniciou a greve de fome em protesto pelo prolongamento da detenção para além do prazo da prisão preventiva e, segundo denúncia da família, não recebeu os cuidados médicos necessários.

O eurodeputado português Francisco Assis (PS) questionou a Comissão Europeia sobre eventuais diligências para garantir cuidados médicos urgentes a Albano Bingo-Bingo, também conhecido como Albano Liberdade, que, segundo o comunicado, não se consegue manter de pé e “não recebeu até ao momento qualquer assistência médica”.

“Albano Bingo-Bingo foi despido na cela por polícias que o torturaram e o arrastaram depois, nu, para o pátio. Testemunhas relatam que Albano Bingo-Bingo está gravemente doente e que apresenta uma infeção severa numa perna”, acrescentou o comunicado.

Assis alertou assim para outros casos, face ao “quase monopólio do caso de Luaty Beirão nos meios de comunicação social”.

Protestos internacionais continuam

Centenas de pessoas concentraram-se no final da tarde de ontem no Rossio, em Lisboa, numa nova acção de protesto para exigir a libertação dos activistas presos em Angola e com a participação de diversas organizações da sociedade civil.

“Não às prisões arbitrárias”, era a frase que sobressaía no painel colocado junto à estátua de D. Pedro IV e da responsabilidade da Solidariedade Imigrante. “Liberdade aos activistas presos em Angola”, referia outro painel, enquanto crianças desenhavam no chão em cartões e com lápis de cor a frase “Liberdade Já”. Ao lado, alguns dos presentes exibiam folhas brancas onde estavam impressos os nomes dos 15 activistas detidos em Luanda.

Membros da Amnistia Internacional (AI), da Associação José Afonso (AJA), diversas personalidades, comentadores, escritores músicos, e diversos dirigentes do Bloco de Esquerda (BE), também se juntaram ao protesto, convocado nas redes sociais pelo colectivo Liberdade aos Activistas Presos em Angola (LAPA).

Francisco Louçã, ex-líder do terceiro maior partido português, o Bloco de Esquerda,  e a actual deputada do mesmo partido Mariana Mortágua, o também deputado do PAN André Silva, o cantor Sérgio Godinho, o escritor Gonçalo M. Tavares ou o historiador e comentador Pacheco Pereira marcaram presença no protesto.

“[Em Angola] há uma correlação entre aquilo que é uma espécie de cleptocracia e aquilo que é a perseguição dos direitos humanos”, disse à Lusa Pacheco Pereira.

“Há uma directa correlação entre a falta de liberdades políticas, a perseguição às pessoas, com aquilo que é uma classe dirigente que na prática rouba o povo angolano. Tem que ser dito com todas as letras, porque se pode perguntar de onde vieram aquelas fortunas. Como é que aqueles empresários têm milhões e milhões e milhões sem nunca se conhecer a sua origem, porque o dinheiro depois multiplica-se”, observou o antigo responsável social-democrata, que também deixou críticas à actuação do governo de Portugal.

“Há uma completa tibieza do governo português, que a primeira que disse foi que se tratava de uma matéria interna do governo angolano. Tal nunca pode ser dito em relação a questões dos direitos humanos”, assinalou. “Temos obrigações internacionais em matéria de direitos humanos e isso significa que havendo um problema de direitos humanos não se pode tratar como uma questão interna de nenhum país”, acrescentou.

Pacheco Pereira diz ter antes detectado “o mínimo diplomático para não parecer mal, e aliás por iniciativa de embaixadores de outros países. Mas está muito longe daquilo que era necessário tendo em conta que quem está a fazer greve de fome é um cidadão que também tem a nacionalidade portuguesa”.

Francisco Louçã, professor catedrático de Economia, que esteve em Luanda na semana passada a dar aulas, afirmou que “é preciso proteger a vida deste homem [Luaty Beirão] que está a entrar no segundo mês de greve de fome porque em Portugal como em Luanda há um bem essencial que é o direito da liberdade de opinião. Não pode ser posto em causa e por isso a defesa destes jovens é tão essencial para todos”.

No Brasil, o caso dos activistas também já chegou ao parlamento. A deputada Luiza Erundina (PSB-SP) apresentou uma moção de solidariedade para com os jovens detidos. O documento refere todos os factos à volta do caso, dando ênfase à diferença de tratamento entre Luaty Beirão e os seus companheiros de causa.

“Nos últimos dez dias, outros dois activistas angolanos, Mbanza Hamza e Albino Bingo-Bingo, também iniciaram greve de fome e estão sem atendimento médico. O estado clínico de Luaty é sério e está cada vez mais debilitado e é assistido por uma equipa de profissionais de saúde e recebendo algumas visitas de observadores internacionais e angolanos que defendem os direitos humanos. Os outros detidos seguem presos com direito a apenas uma visita diária mesmo que se trate de advogados defensores ou familiares.”

Erundina continuou o discurso pedindo a libertação dos jovens: “Pedimos a imediata libertação dos 15+2 activistas. Quero que cópia desta moção seja encaminhada à República de Angola para evitar que crimes hediondos estejam sendo praticados contra cidadãos angolanos que lutam pela liberdade e pela preservação dos seus direitos humanos.”

Ontem, representantes diplomáticos de embaixadas de países da Europa em Luanda, incluindo de Portugal e da União Europeia, reuniram-se no hospital-prisão de São Paulo, na capital, com 14 dos activistas que se encontram desde Junho em prisão preventiva.

A reunião, explicou a chefe da secção política da Delegação da União Europeia em Angola, a portuguesa Joana Fisher, surge na sequência de encontro idêntico, no sábado, com o rapper e activista luso-angolano Luaty Beirão.

“No que concerne à situação dos defensores dos direitos humanos e outros activistas no país, a União Europeia tem desenvolvido esforços reiterados e tem pugnado pelo cumprimento das garantias processuais previstas na lei angolana”, afirmou, ao fim de mais de três horas de reuniões, que permitiram, conforme a Lusa constatou no interior, ouvir nove dos 14 detidos que ali aguardam julgamento.

Sem adiantar mais pormenores, Joana Fisher afirmou que a União Europeia “acompanha com atenção” o caso dos 15 ativistas em Angola.

“A União Europeia tem cooperado com as autoridades angolanas na promoção dos direitos humanos e aborda regularmente este assunto com as autoridades”, disse, adiantando que não estão, para já, previstas novas iniciativas neste processo por parte da Delegação da União Europeia em Angola.

Rede Angola com Lusa – Na foto: Quatro dos quinze presos políticos / FB

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