É
totalmente claro que a política dos governos e dos bancos centrais alimenta uma
bolha especulativa nos mercados bolsistas. Já começou na China em 2015 e pode
estalar a qualquer momento na Europa e nos Estados Unidos.
Qual
foi a evolução da situação e quais são os acontecimentos mais importantes em
relação aos temas abordados no livro Bancocracia, desde que o terminou de
escrever a 31 de março de 2014?
Não
se impôs ao sistema financeiro privado nenhuma medida que permitisse evitar o
rebentar de novas crises. Os governos, bem como as diferentes autoridades
responsáveis por velar pelo respeito das regulamentações e pelo seu
aperfeiçoamento, atrasaram no tempo ou suavizaram enormemente as pequenas
medidas anunciadas em 2008-2009. Prosseguiu a concentração bancária e também as
atividades de risco. Os 15 a 20 maiores bancos privados da Europa e dos Estados
Unidos continuaram implicados em diferentes escândalos relacionados com os
empréstimos tóxicos, os créditos hipotecários fraudulentos, a manipulação dos
mercados cambiais, a manipulação das taxas de juro (em particular o Libor), a
manipulação do mercado da energia, a evasão fiscal em massa, o branqueamento de
dinheiro do crime organizado, etc. As autoridades contentaram-se com impor
multas, geralmente muito pequenas face aos delitos cometidos e o seu impacto
negativo sobre as finanças públicas, por não falar da deterioração das
condições de vida de centenas de milhões de pessoas em todo mundo. Responsáveis
de organismos de controlo como Martin Wheatley, que dirigia o Financial Conduct
Authority em Londres, foram despedidos por tentarem fazer o trabalho que lhes
tinha sido confiado e emitirem demasiadas críticas ao comportamento dos bancosi. George Osborne, o Chanceler do
Echiquier (Ministro dos Assuntos Económicos e Financeiros), decidiu livrar-se
de Martin Wheathley em julho de 2105, nove meses antes do final de seu contrato
de cinco anosii.
Apesar
das suas evidentes responsabilidades, nenhum dirigente bancário nos Estados
Unidos ou Europa (além da Islândia) foi condenado enquanto os traders são
perseguidos e condenados a penas de prisão efetivas que vão de 5 a 14 anos.
Bancos
que foram nacionalizados com grandes gastos a fim de proteger os interesses dos
seus grandes acionistas privados são vendidos novamente a preços de saldo ao
setor privado, como o Royal Bank of Scotland no Reino Unido em 2015. O resgate
do RBS tinha custado 45 000 milhões de libras, a sua reprivatização provocará
provavelmente uma perda de cerca de 14 000 milhões de librasiii. É também o caso do SNS Reaal e de
ABN Amro nos Países Baixos, do Allied Irish Banks na Irlanda ou de uma parte do
defunto Banco Espírito Santo em Portugal. As perdas para as finanças públicas
são enormes.
A
política do BCE evoluiu na forma mas não no conteúdo. A instituição baseada em
Frankfurt lançou a partir de princípios de 2015 uma política ativa de quantitative
easing (expansão quantitativa), comprando mensalmente títulos aos bancos
privados europeus por um montante de 60 000 milhões de euros. O BCE compra aos
bancos produtos estruturados que os estimula a produzir. Compra-lhes igualmente
obrigações bancárias (covered bonds) e títulos de dívida soberana dos países
que aplicam políticas neoliberais. Ao mesmo tempo, o BCE empresta aos bancos
privados a uma taxa de 0,05% (taxa em vigor desde setembro de 2014)iv.
A
FED pôs termo à política de quantitative easing levada a cabo entre
2008 e 2014. Não compra já títulos hipotecários estruturados aos bancos.
Anunciou desde o início de 2014 que procederá, pela primeira vez desde 2006, a
uma subida das taxas de juro. Em princípio, isto deveria ter lugar antes de
finais de 2015. Mas as potenciais repercussões negativas para a economia do
país levam-na a hesitar. Efetivamente, uma subida das taxas de juro atrairá em
massa capitais aos Estados Unidos, o que encarecerá o dólar contra as demais
moedas e diminuirá as exportações norte americanas dada o marasmo do resto da economia
mundial. Além disso, numerosas empresas privadas correm o risco de encontrar
graves problemas de refinanciamento das suas dívidas. Sem esquecer que o custo
do reembolso da dívida pública aumentará mecanicamente. Ainda que isto conte
pouco nas dúvidas da FED, há que acrescentar que o impacto sobre as economias
emergentes será muito negativo pois massas consideráveis de capitais
abandona-las-ão e serão transferidas para os Estados Unidos com a intenção de
obter maior rendimento e segurança.
As
políticas seguidas tanto pelos bancos centrais como pelos governos não
relançaram o investimento produtivo. As grandes empresas privadas estão
sentadas sobre montanhas de liquidez de um lado e outro do Atlântico. Para as
empresas não financeiras europeias, isto representa mais de 1000 milhões de
euros (1 000 000 000 000 euros) que, em vez de serem utilizados para aumentar
os investimentos e a produção, permanecem na tesouraria das empresas. As
empresas utilizam em massa os seus benefícios para comprar as suas próprias
ações em Bolsa a fim tanto de manter as cotações em alta(ou impedir a sua
queda) como de proporcionar aos acionistas copiosos rendimentos. Ao mesmo
tempo, a parte dos benefícios que serve para remunerar os acionistas sob a
forma de dividendos continua a aumentar, o que reforça a tendência a não
investir.
É
totalmente claro que a política dos governos e dos bancos centrais alimenta uma
bolha especulativa nos mercados bolsistas. Esta bolha pode rebentar em qualquer
momento. Já começou na China em 2015 e terá lugar a qualquer momento na Europa
e nos Estados Unidos.
Paralelamente,
os preços de uma série de matérias primas estão em baixa (petróleo, minerais
sólidos...). A queda radical do preço do petróleo pôs fim ao boom do gás de
xisto nos Estados Unidos e numerosas empresas do setor estão à beira da
falência. Grandes países exportadores de petróleo como Venezuela e Nigéria
estão muito afetados pela queda dos preços.
Uma
das teses do livro Bancocracia é que os bancos centrais e os governos perseguem
dois grandes objetivos: 1. Resgatar os grandes bancos privados, os seus grandes
acionistas e os seus principais dirigentes ao mesmo tempo que garantem a
prossecução dos seus privilégios. Pode-se afirmar sem risco de incorrer num
equívoco que, sem a ação dos bancos centrais, alguns grandes bancos teriam
falido e que isto teria forçado os governos a implementar fortes medidas
coercivas aos seus dirigentes e grandes acionistas. 2. Participar e apoiar de
forma ofensiva nos ataques do Capital contra o Trabalho a fim de aumentar os
lucros das empresas e tornar as grandes empresas europeias mais competitivas no
mercado mundial face aos seus concorrentes estrangeiros... Estes dois objetivos
são comuns à FED, ao Banco de Inglaterra, ao BCE e ao Banco de Japão.
No
que se refere ao BCE, acrescentam-se a isso dois objetivos específicos e
complementares: 1. Defender o euro, que é uma camisa de força para as economias
mais débeis da zona euro bem como para todos os povos europeus. O euro é um
instrumento ao serviço das grandes empresas privadas e das classes dominantes
europeias (o 1 % mais rico). Os países que fazem parte da zona euro não podem
desvalorizar a sua moeda já que adotaram o euro. No entanto, os países mais
débeis da zona euro sairiam a ganhar em desvalorizar por forma a reencontrar a
competitividade face aos gigantes económicos alemão, francês, face a Benelux
(Bélgica, Países Baixos, Luxemburgo) e à Áustria. Países como Grécia, Portugal,
Espanha ou Itália estão, portanto, presos por pertencerem à zona euro. As
autoridades europeias e os governos nacionais aplicam a partir daí o que se
chama a desvalorização interna: impõem uma diminuição dos salários em benefício
unicamente dos dirigentes das grandes empresas privadas. 2. Reforçar a
dominação das economias europeias mais fortes (Alemanha, França, Benelux...)
onde estão baseadas as maiores empresas privadas europeias. Isto implica manter
fortes assimetrias entre as economias mais fortes e as mais débeis.
A
vitória de uma coligação de esquerdas anti austeritária na Grécia em janeiro de
2015 constituiu uma ameaça para o BCE, a Comissão Europeia, as grandes empresas
e todos os demais governos da UE (não só os da zona euro). O BCE e todos os
dirigentes europeus fizeram da derrota do projeto de Syriza um objetivo central
das suas atividades e conseguiram os seus objetivos em julho de 2015. O BCE
asfixiou literalmente o sistema financeiro grego e o governo de Tsipras para
pô-lo de joelhos. Para evitar capitular, o governo Tsipras poderia ter optado
por soluções alternativasv como as que são propostas no
capítulo final de Bancocracia. Deveria ter-se apoiado nos resultados da
auditoria realizada pela Comissão para a Verdade sobre a Dívida Gregavi. Preferiu manter uma orientação
moderada que estava condenada ao falhanço.
No
entanto, nestes últimos anos, vê-se muito claramente que, como consequência da
crise de 2007-2008 e do reforço das políticas neoliberais, os povos estão
dispostos a optar por soluções radicais. Como prova disso, o eco encontrado em
particular pelas propostas mais à esquerda do Syriza na Grécia, do Podemos em
Espanha e inclusive de Jeremy Corbyn no Reino Unido ou de Bernie Sanders nos
Estados Unidos. Uma das lições centrais da capitulação grega de julho de 2015 é
que são necessárias forças políticas que tenham verdadeiramente vontade de
aplicar as medidas que propõem integrando-as num programa coerente de rutura
com o sistema. Outra lição é que um governo de esquerdas deve aplicar medidas
radicais no que respeita à dívida ilegítima, aos bancos privados, aos impostos,
aos serviços públicos... a fim de promover a justiça social e de empreender uma
transição ecológica. Sem isto, não haverá saída da crise a favor dos povos.
Notas
Tradução
para espanhol de Alberto Nadal para o Viento Sur
Tradução para português de Mariana Carneiro para o Esquerda.net
http://cadtm.org/A cada-vez-mas-Banco...
Tradução para português de Mariana Carneiro para o Esquerda.net
http://cadtm.org/A cada-vez-mas-Banco...
i Jonathan Ford, «Greenspan's capital
ideia for cutting back on banking angst», Financial Times, 23 agosto 2015,http://www.ft.com/intl/cms/s/0/59b1...
Este é um extrato do artigo em questão: «The UK government recently sacked one
of the country's most senior financial regulators, the head of the Financial
Conduct Authority, Martin Wheatley. His crime? Annoying too many financiers by
the assiduousness with which tenho approached the task.»
iiThe Independent, «Martin Wheatley still tens
'unfinished business' at financial regulator FCA»http://www.independent.co.uk/news/b...
consultado a 10 de setembro de 2015.
iiiChristine Berry, «RBS sai: there is an
alternative», The NEF blog, 4 agosto 2015, http://www.neweconomics.org/blog/em...
ivEric Toussaint, «Súper Mario 2.0 a favor dos
banqueiros», 7 de setembro de 2014.
vEric Toussaint, Grécia: alternativas face à
capitulação, 17 de julho 2015.
viComité para a Verdade sobre a Dívida Pública
grega, Resumem Executivo: Relatório Auditoria da Dívida Pública Grega, 18 de
junho 2015.
Eric Toussaint - Politólogo.
Presidente do Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo
Esquerda
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