segunda-feira, 5 de outubro de 2015

O IMBRÓGLIO SÍRIO



Rui Peralta, Luanda

A Federação da Rússia tornou-se no 10º país a intervir na Síria, numa guerra que já fez mais de 240 mil mortos e milhões de deslocados e refugiados. A intervenção russa mereceu críticas dos USA e aliados que acusam os russos de atacar os rebeldes sírios que se opõem ao presidente sírio Bashar al-Assad, na mesma proporção que atacam o Califado. O Kremlin respondeu que as suas acções militares são coordenadas com o governo sírio e aqui reside um dos pontos de desacordo entre os USA e a Rússia no que respeita á questão Síria.

A coligação liderada pelos USA inclui a Grã-Bretanha, Canadá, França, Austrália, Turquia, Israel, Emiratos Árabes Unidos e Jordânia. O Secretário de Estado John Kerry encontrou-se com o Sergey Lavrov o ministro russo das relações exteriores, para discutirem assuntos de coordenação no combate ao Estado Islâmico. No final do encontro ficou claro que ambas as partes apostam numa resolução politica para o conflito sírio, mas a questão central é coo o fazer. Todos estão de acordo quanto ao combate ao Estado Islâmico, mas no que respeita á resolução do conflito interno sírio entre o governo e a oposição, o acordo anda longe. Os russos pretendem incluir Assad na solução enquanto, para a coligação, Assad é grande parte do problema.

A guerra civil prossegue, 10 países lançam ataques aéreos e bombardeiam alvos no terreno, as infraestruturas sírias estão destruídas e as diversas facções são subsidiadas externamente ou vivem do negócio do petróleo, clandestinamente vendido nos mercados limítrofes a 20 USD o barril. A intervenção russa pode significar uma clarificação da situação e um avanço para uma situação politica – inclusive para o “descartar” de Assad – mas pode, também resultar no efeito contrário e representar uma nova fase na escalada do conflito interno e alarga-lo a um conflito externo aberto.

A Arábia Saudita - que não faz parte da coligação internacional no conflito sírio, mas que desempenha um importante papel no financiamento às facções sunitas, mesmo as mais radicais – já criticou a decisão russa e condenou os ataques aéreos lançados pela aviação russa. A Arábia Saudita está envolvida, desde á muito, com os outros Estados do Golfo, numa “guerra fria” regional contra o Irão. Financiam os grupos sunitas, sejam moderados ou extremistas na Síria e no Iraque com o intuito de provocar um isolamento do Irão através da instabilidade nos países vizinhos.

Putin alega que o governo russo suporta o governo sírio, que este é legítimo e que a destituição do governo sírio gerará uma situação incontrolável em toda a região, á semelhança ao que aconteceu com a Líbia e com o Iraque. Para os russos não existe outra solução, de momento, que não seja a de apoio ao governo sírio na luta contra o terrorismo do Estado Islâmico, embora os russos mostrem-se dispostos – “mais do que nunca” - a iniciar um “dialogo positivo com a oposição moderada que conduza a uma solução politica e a uma reforma do regime”, conforme as palavras de Putin.

Neste discurso novo sobre a Síria, Putin revela a disposição dos russos em concordarem com a necessidade de mudar de governo, ou seja, a resolução politica passa pela remoção do regime de Assad (que depois da NATO é efectivamente o grande responsável pela actual situação do país). Mas para a Rússia – e bem – essa remoção não pode ser efectuada agora. Este é o momento para engajar Assad na luta contra o Estado Islâmico (formado pela facções extremistas sunitas do Baas iraquiano, o partido similar – embora antagónico – ao partido Baas Sírio que é o partido do regime) e ao mesmo tempo, na base desse combate, reiniciar as negociações com a oposição síria (moderados e a Exercito Livre, apoiado pela NATO) de forma a criar uma resolução politica que force Assad a reformas que tornem inevitável o seu afastamento político e o destronar do Baas.

Perante a confusa e inábil posição dos USA sobre a Síria, a posição russa revela-se realista. Derrotar o fascismo islâmico é uma prioridade para resolver a guerra civil síria. O problema é que o fascismo islâmico é uma consequência da política norte-americana na região desde meados da década de 80 (e muito antes, se atendermos á questão palestiniana) e parece não ser uma prioridade para os Estados do Golfo que continuam a financiar o Estado Islâmico e as correntes extremistas sunitas. Também para os USA a derrota do Estado Islâmico não é uma prioridade, embora seja uma necessidade. A prioridade para os norte-americanos é Assad. Ora, para que a Assad caia é necessário primeiro que existam condições para os seus opositores assumirem o Poder e proceder às reformas democráticas necessárias.

Com o fascismo islâmico a aterrorizar o país não se encontram reunidas as condições para que isso aconteça. A posição russa é portanto, uma porta de ouro para a oposição síria, se a souber aproveitar. Quanto á coligação internacional terá de existir um entendimento sobre os objectivos. É que uma coisa é ajudar um pais a combater o inimigo comum (o fascismo islâmico e o terrorismo fascista) outra coisa é aproveitar-se das debilidades internas para destruturar nações…e para isso, à luz do direito internacional, nenhuma coligação internacional é mandatada.

Leituras aconselhadas
Khalidi, R. Brokers of Deceit: How the U.S. Has Undermined Peace in the Middle East Columbia University Press, 2014

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