Rui Peralta, Luanda
A
Federação da Rússia tornou-se no 10º país a intervir na Síria, numa guerra que
já fez mais de 240 mil mortos e milhões de deslocados e refugiados. A
intervenção russa mereceu críticas dos USA e aliados que acusam os russos de
atacar os rebeldes sírios que se opõem ao presidente sírio Bashar al-Assad, na
mesma proporção que atacam o Califado. O Kremlin respondeu que as suas acções
militares são coordenadas com o governo sírio e aqui reside um dos pontos de
desacordo entre os USA e a Rússia no que respeita á questão Síria.
A
coligação liderada pelos USA inclui a Grã-Bretanha, Canadá, França, Austrália,
Turquia, Israel, Emiratos Árabes Unidos e Jordânia. O Secretário de Estado John
Kerry encontrou-se com o Sergey Lavrov o ministro russo das relações
exteriores, para discutirem assuntos de coordenação no combate ao Estado
Islâmico. No final do encontro ficou claro que ambas as partes apostam numa
resolução politica para o conflito sírio, mas a questão central é coo o fazer.
Todos estão de acordo quanto ao combate ao Estado Islâmico, mas no que respeita
á resolução do conflito interno sírio entre o governo e a oposição, o acordo
anda longe. Os russos pretendem incluir Assad na solução enquanto, para a
coligação, Assad é grande parte do problema.
A
guerra civil prossegue, 10 países lançam ataques aéreos e bombardeiam alvos no
terreno, as infraestruturas sírias estão destruídas e as diversas facções são
subsidiadas externamente ou vivem do negócio do petróleo, clandestinamente
vendido nos mercados limítrofes a 20 USD o barril. A intervenção russa pode
significar uma clarificação da situação e um avanço para uma situação politica
– inclusive para o “descartar” de Assad – mas pode, também resultar no efeito
contrário e representar uma nova fase na escalada do conflito interno e
alarga-lo a um conflito externo aberto.
A Arábia Saudita - que não faz parte da coligação internacional no conflito
sírio, mas que desempenha um importante papel no financiamento às facções
sunitas, mesmo as mais radicais – já criticou a decisão russa e condenou os
ataques aéreos lançados pela aviação russa. A Arábia Saudita está envolvida,
desde á muito, com os outros Estados do Golfo, numa “guerra fria” regional
contra o Irão. Financiam os grupos sunitas, sejam moderados ou extremistas na
Síria e no Iraque com o intuito de provocar um isolamento do Irão através da
instabilidade nos países vizinhos.
Putin
alega que o governo russo suporta o governo sírio, que este é legítimo e que a
destituição do governo sírio gerará uma situação incontrolável em toda a
região, á semelhança ao que aconteceu com a Líbia e com o Iraque. Para os
russos não existe outra solução, de momento, que não seja a de apoio ao governo
sírio na luta contra o terrorismo do Estado Islâmico, embora os russos
mostrem-se dispostos – “mais do que nunca” - a iniciar um “dialogo positivo com
a oposição moderada que conduza a uma solução politica e a uma reforma do
regime”, conforme as palavras de Putin.
Neste
discurso novo sobre a Síria, Putin revela a disposição dos russos em
concordarem com a necessidade de mudar de governo, ou seja, a resolução
politica passa pela remoção do regime de Assad (que depois da NATO é
efectivamente o grande responsável pela actual situação do país). Mas para a
Rússia – e bem – essa remoção não pode ser efectuada agora. Este é o momento
para engajar Assad na luta contra o Estado Islâmico (formado pela facções
extremistas sunitas do Baas iraquiano, o partido similar – embora antagónico –
ao partido Baas Sírio que é o partido do regime) e ao mesmo tempo, na base
desse combate, reiniciar as negociações com a oposição síria (moderados e a
Exercito Livre, apoiado pela NATO) de forma a criar uma resolução politica que
force Assad a reformas que tornem inevitável o seu afastamento político e o
destronar do Baas.
Perante
a confusa e inábil posição dos USA sobre a Síria, a posição russa revela-se
realista. Derrotar o fascismo islâmico é uma prioridade para resolver a guerra
civil síria. O problema é que o fascismo islâmico é uma consequência da
política norte-americana na região desde meados da década de 80 (e muito antes,
se atendermos á questão palestiniana) e parece não ser uma prioridade para os
Estados do Golfo que continuam a financiar o Estado Islâmico e as correntes
extremistas sunitas. Também para os USA a derrota do Estado Islâmico não é uma
prioridade, embora seja uma necessidade. A prioridade para os norte-americanos
é Assad. Ora, para que a Assad caia é necessário primeiro que existam condições
para os seus opositores assumirem o Poder e proceder às reformas democráticas
necessárias.
Com
o fascismo islâmico a aterrorizar o país não se encontram reunidas as condições
para que isso aconteça. A posição russa é portanto, uma porta de ouro para a oposição
síria, se a souber aproveitar. Quanto á coligação internacional terá de existir
um entendimento sobre os objectivos. É que uma coisa é ajudar um pais a
combater o inimigo comum (o fascismo islâmico e o terrorismo fascista) outra
coisa é aproveitar-se das debilidades internas para destruturar nações…e para
isso, à luz do direito internacional, nenhuma coligação internacional é
mandatada.
Leituras
aconselhadas
Khalidi, R. Brokers
of Deceit: How the U.S. Has Undermined Peace in the Middle East Columbia
University Press, 2014
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