Pedro
Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião
A
austeridade foi a máscara de um projeto político de destruição do setor público
empresarial, da escola pública, do Serviço Nacional de Saúde e da Segurança
Social, paulatinamente executado ao longo dos quatro anos e meio que durou a
anterior legislatura. Das empresas públicas, construídas com os nossos impostos
para serem vendidas ao desbarato a privados e a outros "estados", já
quase nada sobrou.
Para
consumar o seu programa, só falta à coligação de Direita privatizar a educação
- através do "cheque ensino", por exemplo - e entregar os serviços de
saúde, as reformas e as pensões, à iniciativa privada e à especulação
financeira, tal como fez com os CTT, a EDP e a TAP, etc. Porque este projeto
não conseguiria obter a aprovação dos eleitores, a coligação de Direita
manipulou a seu bel-prazer as regras constitucionais do processo de formação da
vontade democrática, para obter "na secretaria" o que o eleitorado
lhe negava:
1.
Adiou para outubro as eleições que se deviam ter realizado em junho, com a
esperança de beneficiar da conjuntura internacional e das medidas
eleitoralistas a que recorreu no final do mandato.
2.
Pôs em risco a preparação do orçamento para 2016, confiante que seria mais uma
forma de pressionar a Oposição, caso não obtivesse os resultados de que
precisava.
3.
Preferiu apresentar-se às eleições de outubro sem programa e sob o pseudónimo
de PàF, para confundir os eleitores e beneficiar das vantagens aritméticas do
sistema proporcional adotado pela Constituição, que beneficia as coligações em
detrimento da dispersão de votos por diversas candidaturas.
4.
Manteve a ilusão de uma vitória eleitoral apesar das enormes perdas sofridas,
perpetuando na noite eleitoral a expectativa de que ainda podia atingir a
maioria absoluta que cedo se tornou evidente ter perdido.
5.
Forjou precipitadamente um "compromisso de Governo" - PSD/CDS - que,
astuciosamente, visava colocar sobre os ombros do PS a responsabilidade pela
sua viabilização...
Ora
o PS assumiu na disputa eleitoral o compromisso inequívoco de travar o projeto
de desmantelamento dos serviços públicos, de combater o desemprego e a
precariedade laboral, e de lutar por novas políticas na União Europeia que
possam salvar a Europa da estagnação económica e da irrelevância internacional.
Ou seja, o PS prometeu precisamente o contrário do que este Governo tem feito e
queria continuar a fazer. Por isso, não constitui surpresa a afirmação de
Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, de que o Governo da coligação de
Direita já caiu. De facto, o Governo de Coelho e Portas caiu precisamente no
dia das eleições, porque é isso o que a Constituição determina e porque a
continuidade perversa das suas políticas só podia ser assegurada pela maioria
absoluta que o povo lhe retirou.
É
surpreendente a leviandade com que são admitidas como verdadeiras ou
verosímeis, afirmações claramente opostas aos valores democráticos e às
práticas correntes nas democracias constitucionais. A mais sugestiva definição
de democracia pertence a Abraham Lincoln, antigo presidente dos Estados Unidos,
e consta de um discurso que celebra o fim da guerra civil e a abolição da
escravatura, em 1863: "Que o governo do povo, pelo povo e para o povo
jamais desapareça da face da terra". Em termos práticos, a impossibilidade
de deliberar por unanimidade sobre os problemas comuns, obrigou a que se
recorresse à fórmula operativa que designa a democracia como o "Governo da
maioria": - a maioria do povo ou dos seus representantes, escolhidos
através de eleições livres e justas. É por isso aos eleitos que cabe interpretar
a vontade dos seus eleitores, conforme os compromissos que assumiram e por cuja
satisfação prestam contas e hão de responder, o mais tardar, nas eleições
seguintes. A inacreditável pretensão de submeter a critérios
"futebolísticos" o apuramento de "vencedores e vencidos" em
eleições democráticas, e a suspeição de "ilegitimidade" que se
pretende lançar sobre as coligações pós eleitorais, são absolutamente
contrárias aos valores da democracia, violam os princípios da representação
democrática e destituem os representantes da sua missão própria e
intransmissível: cumprir as esperanças dos que neles confiaram.
Na
foto: Pedro Bacelar de Vasconcelos
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