José
Eduardo Agualusa – Rede Angola, opinião
Novembro
promete ser um mês intenso e convulso. Isto, admitindo que o julgamento dos
jovens presos políticos comece, como anunciado, no próximo dia 16.
Corremos
o risco de que o ambiente de crescente inquietação política e social diminua o
impacto de três acontecimentos que me parecem importantes para a formação e
consolidação de um pensamento angolano nestes 40 anos de Dipanda: o lançamento
do documentário “Independência”, realizado por Mário Bastos; o lançamento do
novo álbum de Aline Frazão, “Insular” e, por fim, o lançamento do livro,
“Magnífica e Miserável: Angola desde a Guerra Civil”, de Ricardo Soares de
Oliveira, com a chancela da editora portuguesa Tinta da China.
“Independência”
é o primeiro trabalho de fôlego, realizado por angolanos, a dar a ver e a
pensar a grande aventura do combate pela independência. Uma das principais
valias deste trabalho é a riqueza de perspectivas – o saber dar voz a figuras
provenientes dos diferentes movimentos de libertação e de diversos estratos
sociais.
Aline
Frazão já mostrou que veio para ficar. Unindo a evidente soma de qualidades –
uma bela voz, grande cultura musical, bom gosto, talento para compor e escrever
– a uma inteligência rara, e uma ousadia tão rara quanto esta. Talvez “Insular”
não seja o disco que muitos esperavam (incluo-me no grupo). Este “ser
inesperado”, é, provavelmente, aquilo que devíamos festejar. São poucos os
artistas que se atrevem a arriscar novos caminhos, sobretudo quando têm ainda
tão pouco caminho percorrido. Quase sempre percorrem o mesmo caminho até o
exaurir.
O
disco expõe uma outra virtude de Aline, que é, creio, comum ao fragmento mais
sofisticado desta geração pós-independência: uma relativa tranquilidade
identitária. Aline não precisa de exibir, a cada canção, que é angolana e, por isso,
não tem receio de experimentar outras tradições e sonoridades. Com isto está –
quem sabe? – a inaugurar novas tradições.
Curiosamente,
os três projectos encontram-se e complementam-se. Em entrevista a este jornal,
Mário Bastos explicou que se interessou pelo projecto do documentário ao
aperceber-se da profunda ignorância das pessoas da sua geração relativamente a
todo o processo que levou à independência. O filme permite olhar o passado,
como se olha para o horizonte, de tal forma que ao voltar os olhos de novo para
o presente, esse presente é já outro, esclarecido pela visão do passado. O
livro de Ricardo Soares de Oliveira opera de forma semelhante – apenas se ocupa
de um período mais recente.
É
necessário haver um conhecimento para que possa dar-se um reconhecimento, isto
é, para nos compreendermos enquanto angolanos. O apaziguamento identitário de
que falei atrás constrói-se assim.
Não
fosse a tragédia dos presos políticos, que ameaça, e com a razão, tomar conta
de todas as conversas, e estes quarenta anos de Dipanda poderiam ser
comemorados de forma mais digna e mais festiva, discutindo a construção da nossa
identidade colectiva através da arte.
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