sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Angola. AS BOAS SURPRESAS DE UM MÊS ANSIOSO



José Eduardo Agualusa – Rede Angola, opinião

Novembro promete ser um mês intenso e convulso. Isto, admitindo que o julgamento dos jovens presos políticos comece, como anunciado, no próximo dia 16.

Corremos o risco de que o ambiente de crescente inquietação política e social diminua o impacto de três acontecimentos que me parecem importantes para a formação e consolidação de um pensamento angolano nestes 40 anos de Dipanda: o lançamento do documentário “Independência”, realizado por Mário Bastos; o lançamento do novo álbum de Aline Frazão, “Insular” e, por fim, o lançamento do livro, “Magnífica e Miserável: Angola desde a Guerra Civil”, de Ricardo Soares de Oliveira, com a chancela da editora portuguesa Tinta da China.

“Independência” é o primeiro trabalho de fôlego, realizado por angolanos, a dar a ver e a pensar a grande aventura do combate pela independência. Uma das principais valias deste trabalho é a riqueza de perspectivas – o saber dar voz a figuras provenientes dos diferentes movimentos de libertação e de diversos estratos sociais.

Aline Frazão já mostrou que veio para ficar. Unindo a evidente soma de qualidades – uma bela voz, grande cultura musical, bom gosto, talento para compor e escrever – a uma inteligência rara, e uma ousadia tão rara quanto esta. Talvez “Insular” não seja o disco que muitos esperavam (incluo-me no grupo). Este “ser inesperado”, é, provavelmente, aquilo que devíamos festejar. São poucos os artistas que se atrevem a arriscar novos caminhos, sobretudo quando têm ainda tão pouco caminho percorrido. Quase sempre percorrem o mesmo caminho até o exaurir.

O disco expõe uma outra virtude de Aline, que é, creio, comum ao fragmento mais sofisticado desta geração pós-independência: uma relativa tranquilidade identitária. Aline não precisa de exibir, a cada canção, que é angolana e, por isso, não tem receio de experimentar outras tradições e sonoridades. Com isto está – quem sabe? – a inaugurar novas tradições.

Curiosamente, os três projectos encontram-se e complementam-se. Em entrevista a este jornal, Mário Bastos explicou que se interessou pelo projecto do documentário ao aperceber-se da profunda ignorância das pessoas da sua geração relativamente a todo o processo que levou à independência. O filme permite olhar o passado, como se olha para o horizonte, de tal forma que ao voltar os olhos de novo para o presente, esse presente é já outro, esclarecido pela visão do passado. O livro de Ricardo Soares de Oliveira opera de forma semelhante – apenas se ocupa de um período mais recente.

É necessário haver um conhecimento para que possa dar-se um reconhecimento, isto é, para nos compreendermos enquanto angolanos. O apaziguamento identitário de que falei atrás constrói-se assim.

Não fosse a tragédia dos presos políticos, que ameaça, e com a razão, tomar conta de todas as conversas, e estes quarenta anos de Dipanda poderiam ser comemorados de forma mais digna e mais festiva, discutindo a construção da nossa identidade colectiva através da arte.

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