quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Angola. SAQUE PRESIDENCIAL NAS COMPRAS DA FILHA EM PORTUGAL



Rui Verde*

O saque dos recursos públicos tem sido uma dança para a fa­mília Dos Santos, com a Isabel na passada.

Por uma daquelas coin­cidências extraordinárias que acontecem uma vez de sete em sete anos, o semanário português Ex­presso, poucos dias depois da publicação de um artigo sobre a aquisição da Efacec por Isabel dos Santos no Maka Angola, vem escla­recer, com ampla chama­da à primeira página, que uma grande parte da com­pra da Efacec por parte da Winterfell foi financiada pela banca portuguesa, tentando assim afastar qualquer suspeita sobre a origem dúbia do dinheiro. Ficámos sem saber exac­tamente que parte (nem o que é uma grande parte), mas também se nos tornou lícito deduzir que a outra parte foi financiada pelo Estado angolano. Os inte­ressados apressaram-se a finalizar o negócio a 23 de Outubro passado.

Os bancos que terão fi­nanciado a parte grande da operação são a Caixa Geral de Depósitos, o BCP, o BPI, o Montepio e o BIC. Afastemos desde já as mis­tificações: O BCP, o BPI, o Montepio e o BIC estão to­talmente dependentes de Angola, designadamente de Isabel dos Santos e da Sonangol. Portanto, esta­mos perante bancos que emprestam dinheiro ao dono…

Sobre a promiscuidade en­tre donos e empréstimos, os mecanismos de supervi­são do Banco de Portugal, para variar, devem andar distraídos.

Mas existe uma segunda questão, que se levanta cada vez com mais acuida­de, que é o facto de Isabel dos Santos ser uma PEP (Pessoa Exposta Politica­mente) e por isso, segundo o Guião da FATF (Financial Action Task Force), as suas operações em Portugal te­rem que obedecer a crité­rios muito estritos de de­monstração da origem da fortuna. Portanto, vamos admitir que hoje os bancos portugueses já têm sufi­ciente conhecimento da origem da fortuna de Dos Santos e que lhe podem passar um atestado de le­galidade. Porque, se assim não fosse, havendo uma mudança política em Luan­da, os bancos portugueses serão financeiramente responsáveis por eventual negligência na aplicação destas regras, caso em que terão de indemnizar forte­mente o povo angolano e pagar pesadas multas.

Ainda acerca dos financia­mentos bancários, existe uma terceira questão. Que garantias a Winterfell deu à banca? Sabemos que esta empresa, sem actividade, tem um capital de € 50,000. Logo, não tem qualquer ca­pacidade financeira para receber um empréstimo de um milhão de euros, quan­to mais de vários milhões! Terá havido garantias. De quem? Do Estado angola­no? De Isabel dos Santos? Das acções a adquirir da Efacec?

O Estado angolano e a filha do presidente de Angola compram uma empresa que vai fabricar maqui­naria para barragens an­golanas, em parte com empréstimos de bancos portugueses dominados pelos mesmos angolanos (pai & filha). Não deveria uma operação destas ser transparente? Bastará lan­çar um comunicado para que o Expresso publique uma notícia sobre um sin­dicato de bancos portu­gueses que financiam par­cialmente a operação? Isso ou nada é igual. As dúvidas mantêm-se.

Vamos à restante parte. A banca portuguesa fi­nanciou parcialmente a Winterfell. Admite-se que a outra parte tenha sido fi­nanciada pelo Estado ango­lano via ENDE - Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade. No meio de tudo está a Winterfell, onde se unem Isabel dos Santos e o pai (Estado an­golano).

A Winterfell foi fundada em Dezembro de 2014 no Funchal. A 3 de Junho de 2015 a Niara Holdings, de­tentora da Winterfell, ven­deu à ENDE 800 acções, que correspondem a 40% do capital social. A Niara Holdings tem um capital social de €1,000. Curiosa­mente, esta venda é ante­rior ao despacho presiden­cial de 18 de Agosto, que autoriza a compra. Isto é, a empresa pública angola­na teve de entrar no capi­tal da Winterfell antes da autorização presidencial. Isso é obviamente ilegal. E perguntamo-nos: porquê a pressa? Uma resposta pos­sível é que era necessário que o músculo financeiro do Estado angolano inter­viesse para concretizar a operação de compra da Efacec. Sem Estado não ha­veria operação, e por isso antes de o despacho de José Eduardo dos Santos estar publicado, a ENDE teve de avançar. Trata-se de um tema a ser estudado pelos administrativistas angolanos. Será que a ope­ração é nula por falta de su­porte legal?

Actualmente, a Winterfe­ll tem dois sócios: a Niara Holdings e a ENDE.

PROMISCUIDADE EMPRESARIAL E DE REGIME

A Niara Holdings é uma sociedade unipessoal, per­tença de Isabel dos Santos e está registada no Funchal, e cujo gerente é Mário Lei­te da Silva, administrador do BPI, presidente do Con­selho de Administração da Santoro (accionista do BPI) e também administrador da Winterfell. Tendo em conta que o BPI financiou a Winterfell, há aqui um potencial conflito de inte­resses.

Mário Leite da Silva é um português licenciado em Economia pela FEUP, es­pecializado em auditoria e controlo de gestão, que trabalhou e começou a vida no Grupo Amorim e é hoje o principal gestor das operações de Isabel dos Santos. Aparentemente, é filiado no Partido Social Democrata (PSD) portu­guês.

Os administradores da Winterfell são, além do citado Mário Leite Silva, Isabel dos Santos, Noel Scicluna e Edward Car­bone, estes dois últimos com residência em Malta, por onde terá sido feita a operação. O primeiro mal­tês é um advogado em La Valletta, a capital de Malta, onde se especializou em serviços jurídicos financei­ros. O segundo, Carbone, é um contabilista, antigo presidente da Autoridade dos Serviços Financeiros de Malta e hoje no sector privado maltês, onde se tornou administrador de várias companhias. Hoje está semi-reformado.

O curioso é que não há ne­nhum administrador com ligação visível à ENDE. Será que Isabel dos Santos representa os interesses da empresa estatal angolana?

E o que faz a pequena e só­lida ilha de Malta no meio disto tudo, quando as off­-shores de Isabel são ma­deirenses?

Não posso dizer nada so­bre este caso concreto nem sobre as razões da sua ligação a Malta.

Mas posso falar acerca do caso recente de Diezani Alison-Madueke, ministra do Petróleo do antigo pre­sidente nigeriano Jonathan Goodluck, que foi detida em Londres no passado dia 2 de Outubro, acusada de desviar dinheiro estatal proveniente das receitas do petróleo nigeriano (o maior produtor de África) e de conseguir branquear esse dinheiro através de uma rede de cúmplices. Se­gundo a investigação, Mal­ta parece ter sido o centro preferido por Diezani para estabelecer os complexos circuitos financeiros que visavam apagar o rasto do dinheiro aparentemente roubado.

Obviamente, este assun­to da compra da Efacec é demasiado opaco e não se resolve com comunicados mansos.

*Doutor em direito

*Folha 8 Digital


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