Rui
Verde*
O
saque dos recursos públicos tem sido uma dança para a família Dos Santos, com
a Isabel na passada.
Por
uma daquelas coincidências extraordinárias que acontecem uma vez de sete em
sete anos, o semanário português Expresso, poucos dias depois da publicação de
um artigo sobre a aquisição da Efacec por Isabel dos Santos no Maka Angola, vem
esclarecer, com ampla chamada à primeira página, que uma grande parte da compra
da Efacec por parte da Winterfell foi financiada pela banca portuguesa,
tentando assim afastar qualquer suspeita sobre a origem dúbia do dinheiro.
Ficámos sem saber exactamente que parte (nem o que é uma grande parte), mas
também se nos tornou lícito deduzir que a outra parte foi financiada pelo
Estado angolano. Os interessados apressaram-se a finalizar o negócio a 23 de
Outubro passado.
Os
bancos que terão financiado a parte grande da operação são a Caixa Geral de
Depósitos, o BCP, o BPI, o Montepio e o BIC. Afastemos desde já as mistificações:
O BCP, o BPI, o Montepio e o BIC estão totalmente dependentes de Angola,
designadamente de Isabel dos Santos e da Sonangol. Portanto, estamos perante
bancos que emprestam dinheiro ao dono…
Sobre
a promiscuidade entre donos e empréstimos, os mecanismos de supervisão do
Banco de Portugal, para variar, devem andar distraídos.
Mas
existe uma segunda questão, que se levanta cada vez com mais acuidade, que é o
facto de Isabel dos Santos ser uma PEP (Pessoa Exposta Politicamente) e por
isso, segundo o Guião da FATF (Financial Action Task Force), as suas operações
em Portugal terem que obedecer a critérios muito estritos de demonstração da
origem da fortuna. Portanto, vamos admitir que hoje os bancos portugueses já
têm suficiente conhecimento da origem da fortuna de Dos Santos e que lhe podem
passar um atestado de legalidade. Porque, se assim não fosse, havendo uma
mudança política em Luanda, os bancos portugueses serão financeiramente
responsáveis por eventual negligência na aplicação destas regras, caso em que
terão de indemnizar fortemente o povo angolano e pagar pesadas multas.
Ainda
acerca dos financiamentos bancários, existe uma terceira questão. Que
garantias a Winterfell deu à banca? Sabemos que esta empresa, sem actividade,
tem um capital de € 50,000. Logo, não tem qualquer capacidade financeira para
receber um empréstimo de um milhão de euros, quanto mais de vários milhões!
Terá havido garantias. De quem? Do Estado angolano? De Isabel dos Santos? Das
acções a adquirir da Efacec?
O
Estado angolano e a filha do presidente de Angola compram uma empresa que vai
fabricar maquinaria para barragens angolanas, em parte com empréstimos de
bancos portugueses dominados pelos mesmos angolanos (pai & filha). Não
deveria uma operação destas ser transparente? Bastará lançar um comunicado
para que o Expresso publique uma notícia sobre um sindicato de bancos portugueses
que financiam parcialmente a operação? Isso ou nada é igual. As dúvidas
mantêm-se.
Vamos
à restante parte. A banca portuguesa financiou parcialmente a Winterfell.
Admite-se que a outra parte tenha sido financiada pelo Estado angolano via
ENDE - Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade. No meio de tudo está
a Winterfell, onde se unem Isabel dos Santos e o pai (Estado angolano).
A
Winterfell foi fundada em Dezembro de 2014 no Funchal. A 3 de Junho de 2015 a
Niara Holdings, detentora da Winterfell, vendeu à ENDE 800 acções, que
correspondem a 40% do capital social. A Niara Holdings tem um capital social de
€1,000. Curiosamente, esta venda é anterior ao despacho presidencial de 18
de Agosto, que autoriza a compra. Isto é, a empresa pública angolana teve de
entrar no capital da Winterfell antes da autorização presidencial. Isso é
obviamente ilegal. E perguntamo-nos: porquê a pressa? Uma resposta possível é
que era necessário que o músculo financeiro do Estado angolano interviesse
para concretizar a operação de compra da Efacec. Sem Estado não haveria
operação, e por isso antes de o despacho de José Eduardo dos Santos estar
publicado, a ENDE teve de avançar. Trata-se de um tema a ser estudado pelos
administrativistas angolanos. Será que a operação é nula por falta de suporte
legal?
Actualmente,
a Winterfell tem dois sócios: a Niara Holdings e a ENDE.
PROMISCUIDADE
EMPRESARIAL E DE REGIME
A
Niara Holdings é uma sociedade unipessoal, pertença de Isabel dos Santos e
está registada no Funchal, e cujo gerente é Mário Leite da Silva,
administrador do BPI, presidente do Conselho de Administração da Santoro
(accionista do BPI) e também administrador da Winterfell. Tendo em conta que o
BPI financiou a Winterfell, há aqui um potencial conflito de interesses.
Mário
Leite da Silva é um português licenciado em Economia pela FEUP, especializado
em auditoria e controlo de gestão, que trabalhou e começou a vida no Grupo
Amorim e é hoje o principal gestor das operações de Isabel dos Santos.
Aparentemente, é filiado no Partido Social Democrata (PSD) português.
Os
administradores da Winterfell são, além do citado Mário Leite Silva, Isabel dos
Santos, Noel Scicluna e Edward Carbone, estes dois últimos com residência em
Malta, por onde terá sido feita a operação. O primeiro maltês é um advogado em
La Valletta, a capital de Malta, onde se especializou em serviços jurídicos
financeiros. O segundo, Carbone, é um contabilista, antigo presidente da
Autoridade dos Serviços Financeiros de Malta e hoje no sector privado maltês,
onde se tornou administrador de várias companhias. Hoje está semi-reformado.
O
curioso é que não há nenhum administrador com ligação visível à ENDE. Será que
Isabel dos Santos representa os interesses da empresa estatal angolana?
E
o que faz a pequena e sólida ilha de Malta no meio disto tudo, quando as off-shores
de Isabel são madeirenses?
Não
posso dizer nada sobre este caso concreto nem sobre as razões da sua ligação a
Malta.
Mas
posso falar acerca do caso recente de Diezani Alison-Madueke, ministra do
Petróleo do antigo presidente nigeriano Jonathan Goodluck, que foi detida em
Londres no passado dia 2 de Outubro, acusada de desviar dinheiro estatal
proveniente das receitas do petróleo nigeriano (o maior produtor de África) e
de conseguir branquear esse dinheiro através de uma rede de cúmplices. Segundo
a investigação, Malta parece ter sido o centro preferido por Diezani para
estabelecer os complexos circuitos financeiros que visavam apagar o rasto do
dinheiro aparentemente roubado.
Obviamente,
este assunto da compra da Efacec é demasiado opaco e não se resolve com comunicados
mansos.
*Doutor
em direito
*Folha
8 Digital
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