Alexandra
Loras “quebrou tudo” no Programa do Jô. A consulesa da França em São Paulo, que
já desenvolveu pesquisas sobre a visibilidade das minorias na mídia, foi
performática, reflexiva, e deu não somente uma aula sobre racismo, mas sobre
como lidar com as câmeras, com o tempo curto da TV, com a plateia do estúdio e
o público de casa.
Cidinha
Silva, DCM
– Pragmatismo Político
Alexandra
Loras, consulesa da França em São Paulo quebrou tudo no Programa do Jô (vídeo
abaixo). Sua entrevista teve repercussão maior do que a participação no
Esquenta, Amaury Júnior e mesmo em programas sérios de jornalismo. Acontece que
Jô Soares e sua produção constituíram um produto televisivo formador de
opinião, principalmente da claque universitária que disputa vagas no auditório
diariamente.
A
consulesa, por sua vez, sabe lidar com as câmeras, com o tempo curto da TV, com
a plateia do estúdio e o público de casa. Também manejou bem o entrevistador
que costuma intimidar muita gente e a alguns sequer deixa falar. Além do
carisma pessoal e de todos os encantos de uma mulher muito segura de si,
Alexandra Loras é jornalista e desenvolveu pesquisas sobre a visibilidade das
minorias na mídia. Tem também no currículo sete anos como apresentadora de TV
na França.
Na
entrevista do Jô ela foi performática e reflexiva. Assim, quando o apresentador
perguntou se ela já havia passado por preconceito no Brasil, a consulesa sorriu
e disparou: ah, era essa a pergunta que você queria me fazer. Foi uma rasteira
na previsibilidade das abordagens que pretendem tratar a discriminação racial
como tema ameno, aprazível para o café da tarde.
A
performance vive o segundo grande momento quando a entrevistada exemplifica uma
situação discriminatória vivenciada no exercício protocolar da diplomacia
francesa ao receber os convidados de uma recepção na porta da Embaixada. Ela
conta que várias pessoas a ignoram, não a cumprimentam, passam por trás dela.
Seu discurso não deixa dúvidas de que isso ocorre porque é negra. Não há espaço
para o apresentador tergiversar ou sofismar baseado nas relativizações que o
brasileiro médio faz sobre o racismo e suas manifestações.
No
terceiro ato Alexandra Loras bate bola com o apresentador, muda de lugar e o
entrevista. Formula perguntas sobre expressões de racismo e segregação no
Brasil, usa como exemplo o uniforme branco das babás. Sua larga experiência
internacional é usada para dar suporte à afirmação.
A
novidade é a possibilidade de a consulesa emitir uma voz negra crítica neste
programa e, de resto, na mídia brasileira. A rigor, ela diz coisas que o
Movimento Negro contemporâneo diz há décadas. Sem escuta.
Abdias
Nascimento numa situação política em que as mulheres negras não tinham voz
disse que se faria cavalo delas, ou seja, emprestaria o corpo para que suas
demandas se manifestassem. Alexandra Loras tem sido cavalo dos negros
brasileiros. Tem emprestado seu corpo, elegância e sabedoria para, de maneira
didática e espetacular, provocar as pessoas brancas a pensar o mundo ao revés.
Ou seja, ela as força, em nome da boa educação, a ouvir uma preleção sobre os
lugares de subalternidade construídos para as pessoas negras no mundo, nos
quais, o exercício é fazer com que os brancos assumam a posição sociocultural
dos negros.
É
mesmo um espetáculo o que ela encena quando propõe que as pessoas brancas tirem
a mochila do passado das costas e livrem-se das responsabilidades imputadas
pelo escravismo e colonialismo. A seguir introduz a questão das cotas
chamando-as de feias e humilhantes. A plateia que tinha um grito de
insatisfação preso na garganta depois de toda aquela chatice de ver o mundo ao
revés, vai para a galera e aplaude a performer em cena aberta. Enfim, a mulher
belíssima e articulada entendeu o lado deles.
Só
que não. Era pegadinha ou estratégia de comunicadora hábil. Alexandra Loras
retoma as rédeas da situação depois de ter desnudado os privilégios brancos
gozados pela audiência.
Se
fosse técnica de futebol, a consulesa seria do tipo motivacional e manipularia
os aspectos psicológicos dos jogadores para conseguir os resultados desejados.
Mas, que nada. Seu tema predileto por aqui tem sido a explicitação do racismo
que vivencia como mulher negra que circula elegantemente pelos espaços de elite
no Brasil. Estamos diante de uma grande comunicadora que prima pelo raciocínio
lógico e que usa uma flauta doce para encantar najas.
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