José
Mendes – Jornal de Notícias, opinião
Políticos,
comentadores e jornalistas desdobram-se na tentativa de interpretarem as
intenções do ainda primeiro-ministro quando há dias propôs uma intempestiva
revisão da Constituição. A ideia, que aparentemente tem tanto de inviável como
de surpreendente, não pode ter sido apenas um desabafo disparado no calor de
uma reunião entre militantes laranjas. Passos Coelho é hoje um político
demasiadamente experiente para detonar esta bomba sem um propósito
predeterminado.
A
razão-base para se desconfiar da proposta reside na sua própria justificação.
Apenas seis semanas após as eleições e tendo visto o programa de governo da sua
coligação ser rejeitado pelos deputados recém-empossados, o primeiro-ministro
acha que é melhor repetir as eleições para ver se, desta feita, tem sucesso. E
como a Constituição, sábia, o não permite, propõe a respetiva revisão "à
la minute", de forma a que o Parlamento possa ser dissolvido no seu
semestre inaugural. Só que, para isso, precisa de uma maioria qualificada, ou
seja teria de contar com o acordo dos mesmos deputados que lhe chumbaram o
programa e que, assim, se autodissolveriam. Inviável, certo?
Estamos,
portanto, perante um proposta que morreu antes de nascer, como sempre soube
Passos Coelho. Só que este expediente serve o propósito de passar a mensagem de
que a democracia está em causa e as instituições não estão a funcionar
regularmente. No limite, os deputados da Esquerda terão impedido a Direita de
dar voz ao povo. Fica assim criada a marca de água da ilegitimidade de um governo
socialista que servirá de cartilha para a oposição da coligação PàF. PSD e CDS
estão assim a armazenar energia potencial para, à menor vacilação do futuro
Governo, dispararem todas as baterias com as munições da ilegitimidade, no
sentido de forçarem o próximo presidente a convocar eleições antecipadas.
O
exercício de condicionar o presidente está aliás já implícito nas entrelinhas
da proposta-fantasma. Passos Coelho parece que dá como certo que Cavaco ou o
seu sucessor cumpririam a sua parte do plano caso se concretizasse a alteração
à Constituição, o que não deixa de ser uma forma de pressão.
Este
plano de Passos encontra, porém, dificuldades nas contradições do seu espaço
político. Se no verão da "demissão irrevogável", o presidente Cavaco
não encontrou razões bastantes para convocar eleições, então não será uma
qualquer dificuldade que justificará o derrube do Governo Costa. Pior do que
isso, o plano Passos só seria possível com Marcelo em Belém, justamente o
candidato do seu descontentamento.
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