Rui Peralta, Luanda
A
África do Sul, em menos de uma semana, nomeou e exonerou 3 ministros das
finanças. Nhlanhla Nene, um respeitado tecnocrata, foi o primeiro, sendo
exonerado depois de ter manifestado objecções a políticas públicas orçamentais
dispendiosas, manifestas, por exemplo, num conflito com o presidente da South
African Airways, Dudu Myeni. A SAA, uma companhia pública, pretendia comprar
aviões via intermediários, A imprensa criticou Dudu e acusou-o de ser mais um
dos “capangas” do presidente Zuma. Este limitou-se, num acto de impunidade e de
falta de respeito para com a opinião pública, a proteger o seu “afilhado” e a
exonerar o ministro das finanças.
O próximo ministro foi David van Rooyen, um desconhecido presidente de Câmara
Municipal (mayor) de uma pequena cidade de interior. O rand desvalorizou, de
imediato, 9% e o senhor van Rooyen foi substituído por Pravin Gordhan, um nome
conhecido, que já ocupara o cargo em tempos idos. Problema resolvido? Não…Zuma
deu mais um tiro no seu próprio pé.
Desde que Zuma assumiu a presidência da África do Sul, em 2009, as finanças do
país foram tornando-se cada vez mais precárias. As despesas públicas aumentam
incessantemente, o deficit orçamental atinge níveis alarmantes, a moeda
desvaloriza incessantemente. Zuma torna-se cada vez mais um demagogo
irresponsável. No discurso que efectuou após ter demitido o ministro Nene, Zuma
elogiou Mugabe, o que lhe valeu forte contestação interna no seio do ANC e no
Parlamento. Nesse mesmo discurso o presidente Zuma pintou um cenário de
crescimento económico do continente africano que não existe a não ser na
esquizofrenia das elites burocráticas africanas e esqueceu-se de referir a
situação económica, financeira e social da África do Sul, no desemprego, no
cada vez maior apartheid social que as suas politicas demagógicas e irrealistas
geram, a perca de poder de compra da população, a questão do deficit
orçamental, da divida pública interna e da queda abrupta no rating do crédito
internacional. Nada disto o presidente Zuma referiu no seu discurso,
transformando-o num conto de vigário.
Desde o fim do regime de apartheid racial em 1994, a África do Sul foi gerida
pelo ANC, que de início abraçou a causa da abertura dos mercados e da
disciplina fiscal. A coisa nem sempre funcionou bem e acabou por criar uma
situação de apartheid social, ou porque o mercado nunca foi democratizado (ou
seja não foi suficientemente aberto), ou porque a disciplina fiscal não foi
exercida. Sob a gestão de Zuma a macroeconomia sul-africana desestabilizou-se,
sendo o principal responsável as políticas governamentais.
O número de funcionários públicos subiu 25%, num período em que o desemprego
assolou o sector privado. A África do Sul despende 40% do seu orçamento em
despesas em pagamentos á função pública. A corrupção alastrou e ganhou raízes
no aparelho de Estado. Subornos na polícia e nas forças armadas, roubos nos
hospitais, por parte dos enfermeiros, venda de postos de trabalho (o que quer
trabalhar paga com o seu primeiro salário, ou mais), um sistema de ensino que
perde qualidade dia-a-dia (um estudo da OCDE, realizado em 76 países, acerca
das médias em matemática e ciências, colocou a África do Sul em 74º lugar) e
onde os professores vendem os testes aos alunos.
A política do “black empowerment”, iniciada pelo ANC poderia ser um início de
democratização da economia sul-africana, uma vez que propunha-se repor uma
realidade económica deturpada pelo apartheid, abrindo as portas do mercado ao
empresariado e ao investidor negro. Mas na prática os resultados foram em
sentido contrário e geraram uma camada de “empresários do partido”, protegidos
nos seus contractos com o Estado e com o ANC, gerando uma “burguesia negra”,
tão parasitária como as oligarquias brancas do apartheid. O apartheid racial,
derrotado pela luta de todos os sectores populares da África do Sul,
transformou-se, em função das políticas macroeconómicas erradas do ANC, em
apartheid social. A taxa de desemprego ascende aos 35%, os índices de corrupção
e de criminalidade atingem picos elevadíssimos e grande parte da mão-de-obra
qualificada emigra (cerca de 9% dos sul-africanos são emigrantes na Rússia,
China, Austrália, Nova Zelândia, Europa, Maurícias, Namíbia e Botswana).
Sobre Zuma, após ser eleito presidente, pendem 738 acusações de corrupção,
fraude, lavagem de dinheiro, evasão fiscal e nepotismo. Zuma nega, mas os
processos judiciais continuam e as investigações não apontam para a sua
inocência (a ultima relaciona-se com a utilização de dinheiros do erário
público para construir um palácio na sua terra natal). A África do Sul merece
melhor. A democracia sul-africana, o “arco-íris” africano, são um caminho de
luta que o senhor Zuma actual direcção do ANC estão a conduzir para o abismo.
Thabo Mbeki foi substituído por Zuma devido á crise económica, sendo forçado a
resignar, e bem, pelo ANC. É tempo de Zuma seguir o mesmo caminho e do ANC
reposicionar-se na vida politica sul-africana.
Cyril Ramaphosa é um nome com provas dadas. Resistente anti-apartheid, já foi
primeiro-ministro, abdicou da carreira politica para iniciar uma carreira nos
negócios (coisa que Zuma parece não saber distinguir) e actualmente reformado
dos negócios reaparece na vida politica. É um Homem qualificado, competente e
com idoneidade demonstrada. Quanto ao ANC é tempo de voltar aos valores que
estiveram na sua origem e de reassumir o seu lugar como força popular e
progressista. Porque se assim não for, apenas resta o precipício…e precipício
implica abismo…e para o abismo seriam arrastadas todas as economias africanas…e
nesse abismo prevaleceria o neocolonialismo.
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