terça-feira, 8 de dezembro de 2015

ANGOLA: AS “CHAGAS” DOS 40 ANOS



Xavier de Figueiredo – África Monitor, opinião
Por estes tempos da passagem dos 40 anos de independência de Angola, “vê-se na cara” que o regime está com medo. Não engana o nervoso que atravessa a superestrutura do poder e os seus escalões principais; a rede de “capelinhas” e a casta de procônsules que pontilham o território. É medo da crítica, da contestação, de ajuntamentos e de manifestações – é disso que o regime tem medo

A nação proclamada em 11 Novembro, em Luanda, tinha hino, tinha bandeira, mas não tinha muito povo. Por malas-artes de um descolonizador que melhor fora ter confiado o encargo a uma competente instância internacional, tão grande era a desordem e a irresponsabilidade instaladas em sua casa, Angola independente nasceu fragmentada. E assim ficou, mudando apenas os contextos, o pendor e a intensidade das divisões

Os medos que agora o regime tenta disfarçar, empregando métodos que por demonstrarem fraqueza acabam, afinal, por denunciar a dedo a existência dos mesmos, são medos decorrentes de efeitos virtualmente aceleradores que os descontentamentos sociais e políticos provocados por uma severa crise económico-financeira interna, podem ter nas divisões que hoje em dia retalham a sociedade e a população

O frouxo e sempre muito calculado e medido espírito de reconciliação praticado pelo regime para atender de forma que deveria ter sido completa e autêntica à necessidade de superar um dos mais delicados resquícios da guerra civil terminada em 2002. Houve reconciliação (e mesmo assim«.) para os que se submeteram e aceitaram renunciar às suas convicções e à sua personalidade. Para os outros não.

Na linha das causas das mais profundas divisões de que o regime hoje em dia tem medo, vem depois a desigual e injusta distribuição da riqueza, tão reveladora de insensibilidade política e social. E será que aqueles 60% ou 70% de pobres a que coube parte ínfima da abundante riqueza gerada pelo petróleo nos anos pós-guerra, acredita mesmo em “balelas” como a dos colonos saudosistas ou dos façanhudos invasores estrangeiros, que andam por ali a fomentar a discórdia? A opulência da elite que se acolhe no regaço do regime é muito mais impressiva.

A democracia em Angola afinal não o é tanto, fundada que está em instituições pomposas, mas esvaziadas de independência, ou aplicada através de políticas desprovidas de sentido de equidade. Uma democracia assim, de verniz, no fundo concebida e dimensionada para perpetuar o mesmo poder (apenas reciclado) que proclamou a independência, também fomenta e cava divisões – as divisões contra as quais verdadeiramente clama a crítica, a contestação, os ajuntamentos e as manifestações de que o regime tem medo. E por isso reprime todas.

Havia hino e havia bandeira para a proclamação daquela noite de 10 para 11 de Novembro de 1975. Faltou povo, já física e espiritualmente dividido, mas constituindo isso apenas o princípio de dias piores que viriam a seguir. Até hoje, 40 anos passados. Esperar que os que estão para vir tragam finalmente os remédios para sarar estas verdadeiras chagas da “dipanda” é talvez a atitude mais celebrativa e esperançosa de olhar para este dia.

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