quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Brasil. OS PRIMÓRDIOS DA IMPRENSA ALEMÃ: SÃO LEOPOLDO E PORTO ALEGRE




Os imigrantes alemães, desde os primórdios da imprensa gaúcha, no século 19, criaram jornais, visando a agregar e a informar a comunidade teuta. Em 25 de julho de 1824, desembarcou a primeira leva de 39 imigrantes alemães na Real Feitoria do Linho Cânhamo (São Leopoldo), Passados três anos, começou a circular, em 1º de junho de 1827, o primeiro jornal da Província de São Pedro, o Diário de Porto Alegre (1827-1828), inaugurando a imprensa no extremo sul do Brasil.

A referência mais antiga, na Província gaúcha, embora o jornal fosse impresso em português, ocorreu durante a Revolução Farroupilha (1835-1845).  No ano de 1836, foi criado O Colono Alemão. Impresso em Porto Alegre, pelo fato de que não havia tipografia na Colônia de São Leopoldo, o jornal de Hermann Von Salisch incitava os colonos a participarem da guerra. Este periódico encerrou a sua circulação, naquele mesmo ano, devido a problemas econômicos.

De acordo com o jornalista e pesquisador Sérgio Dillenburg, em seu livro, A imprensa em Porto Alegre de 1845 a 1870, o pioneirismo de um periódico, impresso em alemão, na América Latina, é do jornal Der Kolonist.  A ideia nasceu em Porto Alegre, no ano de 1852, sob a responsabilidade de José Cândido Gomes que visava a conquistar adeptos alemães nas eleições.

Em São Leopoldo, a população constava de alemães católicos e protestantes, cuja divergência doutrinária gerava intensos conflitos com a participação da imprensa local. Os protestantes não tinham o apoio do governo que os preteria, favorecendo os católicos. No ano de 1870, quase metade da população local, estimada em 1.100 habitantes, era evangélica e, no entanto, os cemitérios na região eram todos católicos. Os matrimônios, entre protestantes, eram considerados nulos, e os filhos não tinham o direito à herança. Diante desse quadro de exclusão, os jornais se constituíam numa ferramenta de denúncias e reivindicações da população de orientação protestante.

Em março de 1871, fundou-se, em São Leopoldo, o jornal católico Deutsche Volksblatt (Gazeta Popular Alemã), para responder as críticas dos evangélicos e maçons. O jornalista Jacob Dillenburg era o redator e o responsável pelo jornal. Em 1891, ele passou a ser impresso em Porto Alegre na Tipografia do Centro Católico e Hugo Metzler se tornou o seu proprietário. Em setembro de 1895, em decorrência de  um artigo crítico à figura de Giuseppe Garibaldi (1807- 1882), a tipografia foi depredada por um grupo de italianos inconformados com a matéria que julgaram macular a memória do herói italiano.

Durante a 1ª Guerra Mundial (1914-1918), o jornal foi proibido de circular em língua alemã e passou a denominar-se Gazeta Popular, sofrendo, novamente, uma depredação em abril de 1917.  Conforme o jornalista e escritor Walter Galvani, em sua obra, A Noite do Quebra-Quebra (1993), durante a 2ª Guerra Mundial (1939-1945), em 1942, o jornal foi depredado, em 18 de agosto, numa noite que ficou conhecida como o “Quebra-Quebra”. A causa dessa depredação foi o torpedeamento de navios brasileiros por submarinos alemães em nossa costa marítima. Depois desse triste episódio, o jornal ressurgiu com o nome de A Nação. É uma contradição este ataque à tipografia, pois o jornal não compactuava com as ideias de Adolf Hitler (1889-1945).

Com várias fatalidades em sua trajetória, em 1956, o jornal sofreu um incêndio que destruiu por completo a tipografia. Em sua fase final, durante os anos 60, o Deustche Volksblatt, depois Neues Deustches Volksblatt, circulou, em alemão, como um encarte de A Nação. Este periódico foi um marco de resistência às adversidades da época, tanto no campo político quanto no aspecto socioeconômico.
  
Segundo o historiador Sérgio da Costa Franco, em seu Dicionário Político do Rio Grande do Sul (2010), as críticas aos católicos se davam, principalmente, no jornal Deutsche Zeitung (1861-1917) criado, em Porto Alegre, por um grupo de comerciantes teutos. Neste periódico, o notável jornalista Carlos Von Koseritz, (1830-1890) disparava suas críticas ferinas, pois era maçom e anticlerical. No ano de 1881, o jornalista Koseritz se afastou do Deutsche Zeitung (1861-1917) e fundou o Koseritz Deutsche Zeitung que, mais tarde, em 1906, se transformou no Neue Deutsche Zeitung.  

O Der Bote (1867-1878), de Julius Curtius Filho e Wilhelm Rotermund, foi o primeiro jornal evangélico a circular em São Leopoldo, fazendo forte oposição aos católicos e denunciando os privilégios da comunidade católica. Ainda, na mesma cidade, foi criado o importante Deutsche Post (1880-1928) do pastor Wilhelm Rotermund que combatia de forma incisiva a Igreja Católica. O jornal informava também sobre literatura, a política do imigrante alemão, sua produção artesanal, industrial e o lazer social. 

A Revolta dos Muckers (1873 -1874), liderada pelo casal João Jorge Maurer e Jacobina Mentz Maurer, foi registrada nas páginas do Der Bote (protestante) e do Deutsche Volksblatt (católico) diante do conflito que se transformou numa verdadeira guerra no Morro do Ferrabrás, em Sapiranga.  O confronto com o Exército Imperial foi inevitável, ocorrendo uma chacina, inclusive, dos líderes.

Impressos anualmente, os almanaques alemães eram bastante ricos em informação, a exemplo do Koseritz Deutsche Volkskalender (1873-1891) e do Kalender für Deutschein Brasilien (1881-1939).  

Carlos Von Koseritz, (1830-1890), entre outros nomes, é um dos ícones da imprensa alemã, em nosso Estado, pois colaborou em importantes periódicos na capital e no interior da província. Na imprensa gaúcha, sua presença ficou conhecida como a “Era Koseritz”. Contratado por dom Pedro II, ele integrou a Legião Alemã – os Brummer - para lutar contra o ditador Rosas da Província de Buenos Aires. Koseritz não se adaptou ao contexto da guerra e desertou, encontrando no magistério e no jornalismo um terreno fértil para atuar.

No Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, o Museu da Comunicação Hipólito José da Costa, criado em 10 de setembro de 1974, tem sob sua guarda alguns dos títulos citados nesse artigo, cumprindo o papel para o qual foi criado: guardar, preservar e difundir a memória dos meios de comunicação do nosso Estado.
                                                    
*Pesquisador e coordenador do Setor de Imprensa do Musecom                                                          

Bibliografia
DILLENBURG, Sérgio Roberto. A Imprensa em Porto Alegre de 1845 a 1870. Porto Alegre: Editora Sulina, 1987.
ERICSEN, Nestor. O Sesquicentenário da Imprensa Rio-Grandense. Porto Alegre: Sulina, 1977.
FRANCO, Sérgio da Costa.  Dicionário Político do Rio Grande do Sul / 1821-1937. Porto Alegre: Letra e Vida, 2010.
GALVANI, Walter. A Noite do Quebra-Quebra. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993.
MIRANDA, Marcia Eckert; LEITE, Carlos Roberto Saraiva da Costa. Jornais raros do Musecom: 1808-1924. Porto Alegre: Comunicação Impressa, 2008.
SILVA, Jandira M. M. da; CLEMENTE, Ir. Elvo; BARBOSA, Eni. Breve Histórico da Imprensa Sul- Rio- Grandense. Porto Alegre: CORAG, 1986.

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