quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Portugal. AFINAL, A GERINGONÇA É OUTRA



António Galamba – jornal i, opinião

Geringonça ou gerigonça-Coisa mal engendrada, tosca, mal feita e que ameaça partir-se ou dar de si.

Todos temos bem presente, o debate parlamentar em que Paulo Portas, parafraseando Vasco Pulido Valente, rotulou de “geringonça” a alternativa de governo do PS sustentada nas três posições política conjuntas com BE, PCP e Os Verdes. Os dados vindos a lume trataram de aplicar o conceito à realidade emanada da fase final da governação da direita, de Passos e Portas, após a ida às urnas.

Parece que a narrativa eleitoral, qual geringonça, não tinha correspondência com a realidade. As possibilidades de devolução da sobretaxa minguaram, o desemprego aumentou, o crescimento estagnou no terceiro trimestre devido, em especial, à diminuição da procura interna e, segundo Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), até setembro, o défice situou-se nos 3,7% do PIB, longe dos 2,7% estipulados pelo governo PSD/CDS e dos 3% exigidos por Bruxelas.

Da famosa “almofada” dos “cofres cheios” já só sobra uma fronha de 61,2 milhões para dezembro. A coisa deu de si e vai-se sabendo umas verdades. É certo que este é aquele momento em que a tentação de um novo governo para pintar a manta do anterior é grande, mas, nestes casos, o algodão não engana. Mais uma vez, a realidade questiona o calendário das eleições legislativas adotado pela Presidência da República.

A verdade é que sendo tão importante a saída de Portugal do Procedimento dos Défices Excessivos, aquilo que alguns designam de “segunda saída limpa”, é uma irresponsabilidade ter sido escolhido um tempo em que a margem de manobra é pequena e o risco descontrolo é grande, por via da incerteza sobre o sentido da vontade popular e a elaboração do orçamento de Estado.

Chegados aqui, montados nos resultados da geringonça da direita, quando demasiadas coisas soam a quadratura do círculo (tudo para todos) é tempo de agir. Agir focados nas necessidades das pessoas, com bom senso, com rigor e com sentido de sustentabilidade. Saber aproveitar a perceção de escassez dos recursos disponíveis, de partilha de recursos e de mobilização de sinergias é aproveitar a parte boa da herança dos últimos quatro anos.

Fazê-lo criando condições de previsibilidade e de sustentabilidade é decisivo para que a vida dos cidadãos, das empresas e das instituições não seja uma espécie de acordeão ao sabor das opções dos governos e das conjunturas. É essa cultura generalizada da incerteza que está presente na sociedade quando a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) chega a acordo com os sindicatos para a atualização salarial dos funcionários das IPSS para entrar em vigor em setembro, com retroativos a janeiro de 2015, sem ter em conta a situação financeira das instituições, depois de quatro anos a absorver as dificuldades das famílias.

Com um novo governo é espetável que não sejamos assolados pelo fantasma do Natal passado, mas também não podemos cair numa dimensão em que a esmola seja tanta que o pobre desconfie. Obviamente que estamos a falar do básico em muitas matérias, de direitos e de funções do Estado para as quais terão de ser encontrados recursos financeiros no quadro dos compromissos internacionais assumidos.

A quadratura é particularmente difícil quando olhamos à nossa volta e constatamos a incerteza presente em muitos dos destinos onde os portugueses procuraram as oportunidades que não tiveram no território nacional nos últimos anos. A situação da economia angolana, as dificuldades em Moçambique, a desaceleração da economia brasileira, as alterações eleitorais e políticas na Venezuela ou a ameaça global do terrorismo são tudo nuvens no horizonte para muitos portugueses, para muitas empresas exportadoras e para Portugal. Infelizmente para muitos, o regresso à terra, para passar o Natal com a família, pode mesmo significar o fim das oportunidades que tiveram fora do território nacional.

O nível de incerteza, perante os fatores que não controlamos, torna ainda mais incompreensível a propaganda, a incompetência e a incapacidade do anterior governo para gastar os fundos comunitários do anterior quadro comunitário e para disponibilizar os recursos financeiros do novo quadro comunitário, Portugal 2020, para as entidades públicas e para os privados. Gastaram tanto tempo a tentar marcar as cartas do futuro, com os mapeamentos e as programações, que se esqueceram de colocar o dinheiro ao serviço das pessoas e dos territórios. Também aqui a geringonça da direita, de tão mal engendrada, tosca e mal feita, deu de si.

*Membro da comissão política nacional do PS - 
Escreve à quinta-feira

Sem comentários:

Mais lidas da semana