António
Galamba – jornal i, opinião
Geringonça
ou gerigonça-Coisa mal engendrada, tosca, mal feita e que ameaça partir-se ou
dar de si.
Todos temos bem presente, o debate parlamentar em que Paulo Portas, parafraseando Vasco Pulido Valente, rotulou de “geringonça” a alternativa de governo do PS sustentada nas três posições política conjuntas com BE, PCP e Os Verdes. Os dados vindos a lume trataram de aplicar o conceito à realidade emanada da fase final da governação da direita, de Passos e Portas, após a ida às urnas.
Parece
que a narrativa eleitoral, qual geringonça, não tinha correspondência com a
realidade. As possibilidades de devolução da sobretaxa minguaram, o desemprego
aumentou, o crescimento estagnou no terceiro trimestre devido, em especial, à
diminuição da procura interna e, segundo Unidade Técnica de Apoio Orçamental
(UTAO), até setembro, o défice situou-se nos 3,7% do PIB, longe dos 2,7%
estipulados pelo governo PSD/CDS e dos 3% exigidos por Bruxelas.
Da
famosa “almofada” dos “cofres cheios” já só sobra uma fronha de 61,2 milhões para
dezembro. A coisa deu de si e vai-se sabendo umas verdades. É certo que este é
aquele momento em que a tentação de um novo governo para pintar a manta do
anterior é grande, mas, nestes casos, o algodão não engana. Mais uma vez, a
realidade questiona o calendário das eleições legislativas adotado pela
Presidência da República.
A
verdade é que sendo tão importante a saída de Portugal do Procedimento dos
Défices Excessivos, aquilo que alguns designam de “segunda saída limpa”, é uma
irresponsabilidade ter sido escolhido um tempo em que a margem de manobra é
pequena e o risco descontrolo é grande, por via da incerteza sobre o sentido da
vontade popular e a elaboração do orçamento de Estado.
Chegados
aqui, montados nos resultados da geringonça da direita, quando demasiadas
coisas soam a quadratura do círculo (tudo para todos) é tempo de agir. Agir
focados nas necessidades das pessoas, com bom senso, com rigor e com sentido de
sustentabilidade. Saber aproveitar a perceção de escassez dos recursos
disponíveis, de partilha de recursos e de mobilização de sinergias é aproveitar
a parte boa da herança dos últimos quatro anos.
Fazê-lo
criando condições de previsibilidade e de sustentabilidade é decisivo para que
a vida dos cidadãos, das empresas e das instituições não seja uma espécie de
acordeão ao sabor das opções dos governos e das conjunturas. É essa cultura
generalizada da incerteza que está presente na sociedade quando a Confederação
Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) chega a acordo com os sindicatos
para a atualização salarial dos funcionários das IPSS para entrar em vigor em
setembro, com retroativos a janeiro de 2015, sem ter em conta a situação
financeira das instituições, depois de quatro anos a absorver as dificuldades
das famílias.
Com
um novo governo é espetável que não sejamos assolados pelo fantasma do Natal
passado, mas também não podemos cair numa dimensão em que a esmola seja tanta
que o pobre desconfie. Obviamente que estamos a falar do básico em muitas
matérias, de direitos e de funções do Estado para as quais terão de ser
encontrados recursos financeiros no quadro dos compromissos internacionais
assumidos.
A
quadratura é particularmente difícil quando olhamos à nossa volta e constatamos
a incerteza presente em muitos dos destinos onde os portugueses procuraram as
oportunidades que não tiveram no território nacional nos últimos anos. A
situação da economia angolana, as dificuldades em Moçambique, a desaceleração
da economia brasileira, as alterações eleitorais e políticas na Venezuela ou a
ameaça global do terrorismo são tudo nuvens no horizonte para muitos
portugueses, para muitas empresas exportadoras e para Portugal. Infelizmente
para muitos, o regresso à terra, para passar o Natal com a família, pode mesmo
significar o fim das oportunidades que tiveram fora do território nacional.
O
nível de incerteza, perante os fatores que não controlamos, torna ainda mais
incompreensível a propaganda, a incompetência e a incapacidade do anterior
governo para gastar os fundos comunitários do anterior quadro comunitário e
para disponibilizar os recursos financeiros do novo quadro comunitário,
Portugal 2020, para as entidades públicas e para os privados. Gastaram tanto
tempo a tentar marcar as cartas do futuro, com os mapeamentos e as
programações, que se esqueceram de colocar o dinheiro ao serviço das pessoas e
dos territórios. Também aqui a geringonça da direita, de tão mal engendrada,
tosca e mal feita, deu de si.
*Membro da comissão política nacional do PS - Escreve à quinta-feira
*Membro da comissão política nacional do PS - Escreve à quinta-feira
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