Rui Peralta, Luanda
Automação
I - A expressão "novas tecnologias" obteve, na linguagem corrente, um estatuto que, com o objectivo de camuflar intenções (fazer passar gato por lebre numa ementa de coelho) ou por mera inadvertência e/ou superficialidade comportamental, a "mistifica", tornando-a uma realidade presente (que no actual contexto macroeconómico mundial ainda não é) ou uma utopia longínqua (o que leva a esquecer ou ignorar algumas realidades microeconómicas, tanto empresariais, como regionais ou mesmo "espaciais", uma vez que existem realidades organizacionais que estão para além da empresa ou da "região", localizadas em espaços específicos, virtuais, académicas ou mesmo individuais).
Nas
"novas tecnologias" nem tudo é "novo" e nem sempre é tudo
"tecnologia". Por exemplo: uma comunidade rural africana pode,
utilizando os tradicionais métodos da agricultura de subsistência, aumentar a
sua produtividade e diversificar a sua produção, sem inovar ferramentas
ou utensílios, optando por uma maior integração no ecossistema. Ou, ainda a
titulo de exemplo, conseguir excedentes através do sistema de trocas. Existiu,
assim, um processo de inovação, que ou através do aumento de produtividade ou
da diversificação, ou pela alteração de correspondência da troca (o que implica
alteração do valor), sem qualquer processo tecnológico inovador (mas inovando
processos de integração ambiental ou de comercialização).
Se
atendermos ao conceito "novas tecnologias" de forma analítica
observaremos que esta expressão cobre uma vasta gama de actividades onde se
relativiza o "novo" (atendível ao contexto presente) e a
"tecnologia". Por um lado encontraremos um conjunto de dispositivos tecnológicos
de automatização industrial, a meio caminho a informatização do comércio e
serviços, no outro extremo simples adequações como a descoberta do fogo, o
boomerang ou a alavanca. Muitas das vezes o "novo" não se refere á
tecnologia, mas á sua aplicação, assim como em alguns casos tecnologias
inovadoras são consideradas "remodelações" de tecnologias anteriores
(o caso de algumas máquinas-ferramentas, ou do micro-ondas ou do conceito
telemóvel em relação ao telefone fixo, ou das inúmeras variações em torno do
conceito telemóvel).
No
final nem tudo é tão "novo" nem tão "tecno"...em muitos casos
a inovação reside na aplicação ou na simples percepção de pormenores do mundo
que nos rodeia...
II
- Os sistemas de automatização da produção industrial - que numa concepção e
conceptualização sincrética toma a designação de “automação” - têm como alicerce
a ideia-base de todo e qualquer dispositivo automático: funcionar correcta e
eficazmente sem intervenção humana. Esta ausência do "factor humano"
reside, obviamente ao nível da execução e da acção e não da concepção (embora
os mecanismos de automação de IV Geração já se imiscuem na concepção, os de V
Geração já executem princípios de concepção e os de VI Geração possam vir a
executar grandes parcelas de trabalho conceptual. É provável que a VII Geração
seja absolutamente auto-reprodutora, o que implica profundas alterações no
modus económico, social e organizacional das sociedades humanas).
Existem
automatismos antigos e rudimentares, em muito anteriores à eletrónica, como o
"piloto automático" dos navegadores solitários (uma vela pequena
acoplada ao leme mantem a embarcação no rumo pretendido) ou o regulador da
máquina a vapor de Watt. De qualquer forma pode-se descrever sucintamente um
sistema automático utilizando os factores chave: ordem (exterior ao sistema);
execução; efeito; controlo e correção. Ou seja, recebida a ordem (ou programa)
o sistema executa-a, originando determinados efeitos (produtos). Depois entram
em acção as características fundamentais do automatismo: a verificação do
produto (controlo), efectuada pelo sistema e em caso de desvios, a correção,
desencadeando acções que asseguram a observância da programação.
Os
sistemas automáticos actuais configuram um salto qualitativo em relação aos
anteriores, salto efectuado quando passaram a contar com a contribuição de
elementos eletrónicos e com os tecno-factores miniaturizados (chips, nanotecnologia,
etc.), em simbiose (por enquanto, mas com perspectivas radicalmente diferentes
que originarão a sua substituição) com os elementos mecânicos, elétricos e pneumáticos
dos sistemas tradicionais.
III
- Qual a relação - e a distinção - entre uma máquina automática e uma não
automática? Podemos chegar a dois grupos de respostas; 1) existe uma
continuidade e uma sequência dos sistemas técnicos, em sucessivas e diferentes
gradações e gerações. Esta resposta desvaloriza a "novidade" dos
automatismos em relação aos sistemas mecânicos tradicionais, apontando, antes,
para uma evolução em continuidade dos sistemas. 2) Os sistemas evoluem em
"saltos", gerando rupturas entre cada uma das fases, sendo a nova situação
uma ruptura com a anterior.
Atendendo
a que os progressos da automatização no meio industrial incidem: a) nas
movimentações dos produtos em laboração; b) nos sensores que observam e leem os
resultados e que possibilitam as autocorreções; c) nas unidades de tratamento
das informações (computadores) onde são introduzidos os programas; d) nos
comandos á distancia; e) na flexibilidade, integração, simultaneidade e
fluidificação dos processos produtivos; temos assim um complexo de factores e
circunstancias, de cenários e contextos, que giram em torno de infinitas
variáveis e de pouquíssimas constantes (sendo que estas são determinados por
factores variáveis) onde torna-se implícita a racionalidade das duas respostas
acima descritas.
É
na continuidade de um sistema que o progresso lança as suas prerrogativas. Mas
esta continuidade dinâmica gera contradições, que tornam-se incontornáveis
quando um sistema perde eficácia e/ou torna-se ineficaz. Surge então a ruptura
com a situação anterior. As contradições parem as novas situações, geradas
pelas rupturas com as situações anteriores. A continuidade só existe na eficácia.
Com a ineficiência as rupturas tornam-se inevitáveis e geram os
"saltos", que conduzem a uma nova situação.
IV
- Para o aumento da produtividade e melhorias da qualidade dos produtos contribuíram,
também, outros progressos tecnológicos que, embora distintos, combinaram-se com
os processos de automatização, ao ponto de serem deles inseparáveis.
Estes
avanços tecnológicos que entrelaçaram-se com a automação formam 4 agrupamentos:
1) novos materiais (como as matérias sintéticas); 2) novas formas de energia e
novas formas de utilização da energia; 3) novos procedimentos técnicos (como o
uso do laser ou da bioquímica); 4) novos campos de aplicação (por exemplo: a
engenharia genética, exploração dos recursos do espaço cósmico, etc.).
V
- Quanto às aplicações mais correntes, na actualidade, verificam-se
principalmente em dois grupos: a) indústrias de processo (o sector químico,
tratamentos de fluidos, etc.), em particular no controlo geral do sistema de
produção e no comando á distância dos diversos segmentos do sistema; b) nas indústrias
de formas (metalo-mecânica, agregação, etc.), em particular as
máquinas-ferramentas automáticas ou transfert e de comando numérico, os robots
e os autómatos programáveis, os sistemas CAD/CAM e de fabricação flexível e
integrada (FMS e CIM).
As
máquinas-ferramentas automáticas executam operações complexas, para as quais
foram previamente reguladas, enquanto as máquinas-transfert são conjuntos de
máquinas-ferramentas automáticas que caracterizam-se pela forma como processam
simultaneamente as várias ferramentas ("cabeças de trabalho") e pela deslocação
automática entre as sucessivas "estações de trabalho". Quanto às máquinas-ferramentas
por comando numérico (CN, CNC e CND) não passam de "máquinas
tradicionais" comandadas por computador.
Já
os robots e os autómatos implicam processos de "meta-automação" (por
isso serão tema do próximo texto). Embora na prática (e na linguagem corrente, jornalística,
que caracteriza a superficialidade dos tempos que correm) estes dois diferentes
conceitos sejam confundidos, eles referem coisas diferentes. O robot
(derivado dum termo russo que significa "trabalhador") cumpre, de
forma cega, as ordens recebidas. Pode ser polivalente, é "incansável"
mas não é "inteligente". Quanto ao autómato, este tem "memória",
"aprende com a experiencia e pode ser autónomo.
Por
fim temos graus mais complexos de interpenetração entre as máquinas-ferramentas
automáticas, robots, sistemas de stockagem e movimentação dos produtos,
sistemas logísticos, de controlo de qualidade (e quantidade) e os computadores
(onde se realizam programas, controlos, projectos, gestão de processos, etc.).
É o caso da concepção assistida por computador (CAD), da fabricação assistida
por computador (CAM), do sistema de fabricação flexível (FMS) e da fabricação
integrada por computador (CIM).
Existem,
ainda, outras formas de automatismos industriais como os controlos e comandos
à distância utilizados nas máquinas e equipamentos de produção, os dispositivos
automáticos de controlo das produções e os "manipuladores" (braços
articulados que reproduzem os gestos dos operadores e agem às suas ordens, utilizados
para o manejo de cargas pesadas, para actuar sobre objectos ou em ambientes
perigosos, caso dos materiais radioactivos, bactérias, etc.).
No
próximo texto abordar-se-á a robotização e os efeitos da automação sobre as
empresas e o trabalho.