terça-feira, 15 de setembro de 2015

AS DINÂMICAS DA PAZ (9) - conclusão



Rui Peralta, Luanda

A Resolução nº 2015/2839

No passado dia 10 de Setembro o Parlamento Europeu aprovou uma resolução sobre pretensas “tentativas incessantes” das autoridades angolanas para limitar as liberdades de expressão, de imprensa e de reunião pacífica e de associação. A resolução foi aprovada com 550 votos a favor, 14 contra e 60 abstenções e tem por base um relatório da eurodeputada Ana Gomes que deslocou-se a Angola, no passado mês de Julho. 

Apesar de todos os esclarecimentos que lhe foram prestados em encontros com membros do Governo, verifica-se (não sem surpresa) que o ponto de situação efectuado nestes encontros foi menosprezado, optando a Dra. Ana Gomes por manter as suas ideias preconcebidas (e preconceituosas). O grave, no entanto, não são os preconceitos da eurodeputada, mas o facto de uma instituição democrática, o Parlamento Europeu, ter aprovado esta infame resolução, constituída por manipulações diversas e grosseiras e por elaboradas omissões e inverdades caluniosas.

Questiona, a Resolução 2015/2389 (uma mancha indigna na História do Parlamento Europeu), os direitos à liberdade de associação, à liberdade de reunião, ao acesso à justiça e ao julgamento justo, à liberdade de expressão e de informação, à liberdade de imprensa, à liberdade de consciência, à liberdade física e à segurança pessoal, ao ambiente e à livre iniciativa económica. Questiona de forma cínica e manipuladora, ignorando o grande esforço por parte do Estado Angolano e de toda a sociedade em efectivar estes direitos e liberdades.

Questões e críticas há com toda a certeza a levantar e a apontar, mas não questões elaboradas com objectivos desestabilizadores. Poderia, de facto, a resolução levantar algumas questões, absolutamente legítimas e que poderiam constituir uma base de cooperação institucional democrática no sentido da resolução de algumas dificuldades sentidas na sociedade angolana (até por razões culturais e históricas, atendendo aos 5 séculos de colonialismo – sendo o ultimo meio século colonial passado no colonial-fascismo – aos esforços efectuados na luta de Libertação nacional e ás dificuldades sentidas pela Nação Angolana após a Independência, para conseguir um ambiente de Paz, que finalmente proporcionasse a base de uma consciência cívica, cidadã e democrática). Mas não.

A resolução apontou para o discurso fácil, demagógico, euro-centrista e neocolonialista quanto baste. Ignorou a realidade histórica angolana e a longa luta efectuada pelo Povo Angolano por uma sociedade livre e mais justa, por uma efectiva Cultura da Paz e do Desenvolvimento económico, social e cultural. Ignoraram, a maioria dos eurodeputados, a vertente humanista da sociedade angolana, que teimosamente transporta os valores da democracia e da liberdade, dos Direitos do Homem e dos Direitos dos Povos á Igualdade de condições numa Ordem Internacional cada vez mais desajustada com os princípios fundamentais da Declaração Universal dos Direitos do Homem (repare-se na vergonha da “fortaleza europeia” face aos problemas dos emigrantes, refugiados económicos e refugiados de guerra) e da Carta da Organização das Nações Unidas.

Foram cegos os eurodeputados que aprovaram a vergonhosa Resolução 2015/2839. E foram vitimados pelo pior tipo de cegueira: a dos que não querem ver… Ficam assim incapacitados para observarem a tenacidade e a capacidade de um Povo que tem na continuidade da luta a certeza da vitória….

Estamos Juntos (e em Paz)!

FIM

Moçambique. FRELIMO CONSIDERA “SIMULAÇÃO” ATAQUE CONTRA DHLAKAMA




Maputo, 15 Set (AIM) A Frelimo, partido no poder em Moçambique, considera que o ataque contra a coluna do líder da Renamo, Afonso Dhlakama, na noite de Sábado, na província central de Manica, é uma 'simulação' que serve de pretexto para o maior partido da oposição, que continua armado, iniciar a guerra no país.

Reagindo às acusações de Dhlakama, segundo as quais se tratou de uma emboscada protagonizada pela Polícia moçambicana (PRM), mas planificada pela Frelimo, o porta-voz da Frelimol, Damião José, refutou tais alegações, considerando-as de
difamatórias.

A Frelimo condena e repudia veemente a postura do senhor Dhlakama, Presidente da Renamo, e distancia-se das acusações difamatórias ao nosso Partido de orquestrar o seu assassinato ou qualquer atentado a sua integridade física, disse hoje, em Maputo, o porta-voz do partido, durante uma conferência de imprensa.

A Frelimo alia este incidente com a recusa do líder da Renamo ao convite do Chefe de Estado moçambicano, Filipe Nyusi, para um encontro tendente a debater assuntos candentes no país, sobretudo a questão da paz e estabilidade politica no país.

A recusa em dialogar, é hoje cimentada por estas manobras dilatórias de simulação de ataque que, para a Frelimo e o povo moçambicano, servem de pretexto para o senhor Dhlakama iniciar o que sempre quis fazer, a única coisa que sabe fazer bem: a guerra, com todas as consequências que ela traz, a morte e destruição de pessoas e bens, disse Damião José.

O porta-voz recordou que antes de Dhlakama dispensar os agentes da Polícia moçambicana (PRM), estes o acompanhavam em todos os lugares, garantindo a sua segurança e integridade física,
não fazendo sentido que a mesma Polícia que o protegia e o protege como cidadão seja hoje acusada de o emboscar.

José disse ainda que, durante todo este tempo, Dhlakama ficou a espera de pretexto para voltar à guerra,
no entanto, como o mesmo nunca aparecia, mesmo com os actos de provocação às autoridades, agora é ele mesmo que o inventa com a simulação de um ataque.

A Frelimo considera também que a recusa ao convite do Chefe de Estado, para um diálogo pela paz, demonstra falta de vontade da Renamo e do seu lider de conversar e encontrar soluções para os problemas do povo.

A recusa em dialogar e desmilitarizar os seus homens armados, segundo o porta-voz, é uma clara demonstração que Dhlakama nunca esteve interessado na paz e em nenhum momento pensa no bem-estar do povo.

Para a Frelimo, os discursos intimidatórios do líder da Renamo pelo país são exemplo deste eterno belicismo e aposta na via da guerra para resolver seja o que for, colocando o povo e a economia reféns do seu desejo de desestabilizar o país.

O senhor Dhlakama não precisa de todo este teatro para trazer ao de cima a sua postura belicista. Ela é-lhe intrínseca e o povo moçambicano sabe que a única coisa que ele sabe fazer é a guerra, é a destruição de bens e a morte dos cidadãos. A Frelimo reitera o apelo ao bom senso ao senhor Dhlakama para que deixe de ser malandro, como ele próprio afirmou, e participe activamente em acções de construção da paz, consolidação da unidade nacional e desenvolvimento do nosso país, para o bem-estar de todos os moçambicanos, concluiu.

Perguntado se a reunião desta segunda-feira, na Beira, capital da província central de Sofala, entre o líder da Renamo e o ex-Presidente Joaquim Chissano pode ser o prelúdio de um encontro entre Dhlakama e Nyusi, José disse que 'o nosso partido incentiva todas as acções que podem levar Dhlakama a aceitar uma reunião com o Presidente Nyusi. Se as iniciativas vêm de companheiros dentro de nossa parte ou de outras forças, elas são todas bem-vindas'.

'A Frelimo encoraja todas as iniciativas para convencer Dhlakama a abandonar a sua postura belicista, e para desarmar seus homens uma vez por todas', acrescentou.


(AIM) Anacleto Mercedes (ALM)/DT/sn

POLÍCIA DE MOÇAMBIQUE DESMENTE ATAQUE À COMITIVA DE DHLAKAMA




Maputo, 13 Set (AIM) O comandante provincial da Polícia da República de Moçambique (PRM), na província central de Manica, desmente categoricamente o envolvimento da sua corporação num ataque que, alegadamente, teria sido realizado no início da noite de sábado, no distrito de Vanduzi, povoado de Chibata, por um grupo da Unidade de Intervenção Rápida contra a comitiva de Afonso Dhlakama, líder da Renamo.

Falando este domingo em conferência de imprensa, na cidade de Chimoio, capital de Manica, o comandante provincial da PRM, Armando Canhenze, convidou o líder da Renamo a juntar-se aos esforços do governo na busca de uma paz efectiva em Moçambique, pautando por um diálogo franco e aberto.

Chanhenze, que considera de absurdas as acusações de Dhlakama contra a sua corporação, explicou que não fazia sentido nenhum lançar um ataque contra a caravana do líder da Renamo em pleno mato.

Tenho toda a capacidade, toda a possibilidade de matar todos aqueles (da Renamo) em pouco tempo porque estão aqui comigo na cidade de Chimoio. Querendo é só flanquear aqueles que estão aqui num sítio quadrangular de 20 por 20 (metros). É só cercar e matar todos ali, disse Chanhenze, citado pela Rádio Moçambique.

Aproveitou a oportunidade para manifestar o seu desagrado com a presença em Manica de um grupo numeroso de homens armados para a protecção de Afonso Dhlakama e que são portadores ilegais de armas de fogo.

Esta situação não faz sentido porque coloca a população numa situação de pânico, disse Canhenze, para de seguida vincar num tom ríspido não quero homens armados aqui na minha província, porque para mim embora se diga que são homens da escolta (de Dhlakama) para mim não faz sentido.

Aliás, disse o comandante provincial da PRM
nem (Barack) Obama, o Presidente americano não tem uma escolta de segurança de cerca de 50 homens. Isso não existe. É uma ameaça à sociedade. A minha população está em pânico. A retirada deles para mim é melhor. Ou que me entreguem as armas que eu vou dar polícia para escoltar a eles.

Prosseguindo, disse que nem o Presidente da República de Moçambique se faz acompanhar por um grupo de 50 homens fardados e armados.

As acusações de Dhlakama, sobre o alegado ataque, surgem numa altura em que o país vive um momento de incerteza devido a postura da Renamo, que ameaça governar a força nas seis províncias onde reivindica vitória nas últimas eleições gerais, realizadas a 15 de Outubro de 2014.

Aliás, há cerca de três semanas Dhlakama anunciou a retirada do seu partido no diálogo político com o governo, que vinha decorrendo há cerca de dois anos, no Centro de Conferências Joaquim Chissano, em Maputo, e que visa garantir a existência de uma paz efectiva em Moçambique.


(AIM) SG/

Guiné-Bissau. Simões Pereira deposto acredita na "devolução do poder" ao seu partido




O ex-primeiro-ministro da Guiné-Bissau Domingos Simões Pereira disse hoje à sua chegada a Bissau vindo do Senegal, que acredita que o Presidente do país, José Mário Vaz, vai devolver ao seu partido o poder para indicar o novo chefe do executivo.

Domingos Simões Pereira, que se tinha deslocado ao Senegal e à Guiné-Conacri para contactos com os líderes da Comunidade Económica dos Estados da Africa Ocidental (CEDEAO), disse ter esta "convicção" a partir das indicações que recebeu nesses países.

"Estou muito confiante e seguro de que a ordem constitucional será respeitada. Penso que a nossa presença à margem da cimeira que teve lugar em Dacar foi muito importante porque permitiu que os chefes de Estado tivessem a devida informação do que se passa no terreno", notou Domingos Simões Pereira.

Segundo o ex-primeiro-ministro, a sua presença no Senegal permitiu transmitir aos líderes da CEDEAO "as decisões importantes tomadas por varias instâncias" guineenses sobre a crise no país, nomeadamente pelo Supremo Tribunal de Justiça.

O órgão judicial ordenou ao chefe de Estado guineense que devolva o direito ao Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) para que indique o nome do novo primeiro-ministro.

O PAIGC, liderado por Domingos Simões Pereira, venceu as últimas eleições legislativas na Guiné-Bissau com uma maioria absoluta, daí a Constituição do país prever que é este partido que deve indicar o primeiro-ministro.

"Os chefes de Estado (da CEDEAO) reafirmaram a sua convicção de que a solução será encontrada pela via do diálogo, mas tem que ter um prossuposto que é fundamental, que é o respeito pela ordem constitucional e pelas leis da Guiné-Bissau", sublinhou Simões Pereira.

Questionado sobre o facto de ter viajado de Dacar para Bissau no mesmo avião com o antigo presidente da Nigeria, Olesegun Obasanjo, nomeado mediador da crise guineense pela CEDEAO, Domingos Simões Pereira disse que tal se deveu "apenas a razoes logísticas".

O líder do PAIGC disse ter-se encontrado em Dacar com o Presidente daquele país, Macky Sall, e de lá seguiu para Conacri, onde se reuniu com o Presidente Alpha Condé.

A este, disse ter assegurado "nunca ter desrespeitado" o Presidente da Guiné-Bissau.

Sobre se mantem a disponibilidade para liderar um novo Governo, já que é o líder do PAIGC, Simões Pereira disse que essa questão deve ser analisada nos órgãos internos do partido.

Lusa, em Notícias ao Minuto

Guiné-Bissau espera resolver impasse no país com ajuda de grupo de contacto




A equipe de líderes africanos pode chegar terça-feira (15.09) a Bissau com a missão de encontrar uma saída para a crise. As opiniões se divergem. Mas o Tribunal Superior já decidiu.

A equipe do “grupo de contacto para a Guiné-Bissau”, liderada pelo antigo Presidente da Nigéria Olusegun Obansanjo, deverá chegar à capital guineense (Bissau) entre esta terça e quarta-feira (15 e 16.09.2015). A intenção é entabular conversações com os diversos atores políticos e sociais guineenses para encontrar uma saída para a crise política, na qual o país africano está mergulhado há algumas semanas, desde que o Presidente José Mário Vaz, demitiu o primeiro-ministro Domingos Simões Pereira contra a vontade do próprio partido político, do qual ambos fazem parte.

A tarefa foi dada

O país espera ansioso pela chegada da delegação do “grupo de contacto para a Guiné-Bissau”, criado na cimeira extraordinária da CEDEAO (Comunidade de Estados da África Ocidental), em Dacar. Da equipa de mediadores fazem parte também um representante do Governo do Senegal e outro da Guiné-Conacri.

Na qualidade de presidente do “grupo de contacto” da organização sub-regional para a Guiné-Bissau, Obasanjo foi incumbido da tarefa de "usar todas as medidas" para que a paz volte a reinar no país lusófono.

Satisfeito com os resultados da cimeira, o Presidente da Guiné-Bissau, José Mário Vaz, disse que só serão conhecidos os seus próximos passos quando chegar a Bissau a delegação da CEDEAO: “O grupo deverá iniciar em breve os trabalhos para que haja uma solução”, disse. À imprensa, ele reforçou que não pode avançar mais informações, que o melhor mesmo é aguardar a equipe estrangeira.

O plano

Os chefes de Estado da CEDEAO presentes na cimeira de Dacar recomendaram que a Constituição guineense seja revista para que sejam evitados futuros conflitos de interpretação dos poderes dos órgãos de soberania.

Ouvidio Pequeno, representante da União Africana em Bissau, acredita que agora estão criadas as condições para que a crise política guineense seja ultrapassada.

À DW África, ele disse que existe a necessidade de um compromisso “pelo respeito por um Estado de direito” e acredita que agora se tenham os ingredientes essenciais para sair da crise.

Os fatos

O PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), partido no poder, liderado pelo primeiro-ministro demitido, Domingos Simões Pereira, acredita que os chefes de Estados da CEDEAO não discutiram a questão fundamental da crise.

Segundo Califa Seide, líder da bancada parlamentar do PAIGC, os estadistas não refletiram sobre o acordo do Supremo Tribunal da Justiça que invalidou os decretos do Presidente guineense de demitir o primeiro-ministro eleito Domingos Simões Pereira, tendo nomeado para o cargo Baciro Dja.

Para o PAIGC, o acordo não é negociável. “A lei deve ser aplicada”, ressaltou Califa Seide, referindo-se à abolição das mudanças feitas pelo Presidente da Guiné-Bissau, como a troca de primeiro-ministro.

Também o Movimento Nacional da Sociedade Civil, pela voz do Presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos, Augusto Mário, não quer que a decisão do Supremo Tribunal seja negociada. É preciso respeitar a Constituição e as decisões judiciais, destacou.

As atitudes tomadas

Para a CEDEAO, as partes devem respeitar os princípios de um Estado de direito e desta forma levar o país à estabilidade e promover o desenvolvimento.

A cimeira dos chefes de Estado decidiu prolongar a permanência da ECOMIB (o contingente militar da África Ocidental para a manutenção da paz na Guiné-Bissau) por mais seis meses, até junho de 2016. A missão deveria terminar em dezembro deste ano, mas devido à atual situação foi preciso mudar os planos.

Braima Darame, de Bissau – Deutsche Welle

Domingos Simões Pereira mantém disponibilidade para governar a Guiné-Bissau - com áudio




Reunidos este fim-de-semana em Dacar, no Senegal, os chefes de Estado da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental analisaram, entre outros a crise política na Guiné-Bissau. Para a CEDEAO as partes devem respeitar os princípios de um Estado de direito. 

Em entrevista à RFI o Primeiro-Ministro demitido, Domingos Simões Pereira, disse manter disponibilidade para governar o país e espera que o Presidente da República solicite da parte do PAIGC a apresentação de um candidato a Primeiro-Ministro.

AUDIO DA ENTREVISTA - Ouvir (05:34)

MISSÃO DA CEDEAO VAI FICAR MAIS SEIS MESES NA GUINÉ-BISSAU



Lassana Casamá – Voz da América

A CEDEAO decidiu prolongar por mais seis meses a missão do ECOMIB na Guiné-Bissau

A decisão saiu da cimeira desta organização dos países da África Ocidental, que teve lugar no fim-de-semanaem Dakar, capital senegalesa.

A reunião contou com a presença do presidente guineense, José Mário Vaz, que minimizou a crise do seu país, que se arrasta há trinta e dois dias, desde a demissão do governo liderado por Domingos Simões Pereira.

Mesmo com o país sem governo, há mais de um mês, o presidente José Mário Vaz diz não haver crise política na Guiné-Bissau.

O contraditório é que, mesmo não havendo crise, segundo o presidente José Mário Vaz, uma missão da CEDEAO deverá chegar a Bissau nos próximos dias. O objectivo, sublinha ele, é avaliar a situação vigente.

Na cimeira de Dakar, que também analisou os processos  eleitorais em perspectiva na Guiné Conacri, Costa do Marfim e Burkina Faso, foi decidido o prolongamento do mandato do ECOMIB, a força de manutenção de paz da CEDEAO na Guiné-Bissau.

Nos corredores politicos locais, espera-se que esta semana sejá marcada pela interpretação do acórdão expedido, na semana passada, pelo Supremo Tribunal de Justiça, que obriga José Mário Vaz, a recuar na sua posição e devolver o poder de governar ao PAIGC, na qualidade do partido vencedor das últimas eleições legislativas.

O FIM DA CIVILIZAÇÃO




Com apenas 3 anos, o menininho, certamente, não compreendeu bem o que estava acontecendo. Seus pais o conduziram a um barco, dizendo que, após a travessia, tudo seria melhor.

Gabriel Bocorny Guidotti (*) – Folha 8

Como todo bom filho, obedeceu sem pestanejar. Ele mal sabia da terrível guerra que deixou para trás. Não sabia, igualmente, que a aventura de barco seria a última de sua breve vida.

Nessa semana, a foto do pequeno Aylan Kurdi – encontrado afogado em uma praia da Turquia – chocou o mundo, deflagrando os horrores da imigração ilegal no norte da África.

Não se trata de migração, a bem da verdade. O caso é mais grave. Os veículos de comunicação deveriam chamar o êxodo maciço no Mediterrâneo de fim da civilização. O planeta é da humanidade para dispor, mas nem todos podem levar uma vida tranquila.

Quando a opressão do Estado Islâmico iniciou suas actividades no norte da África, só restou às pessoas de bem a busca por condições mínimas de dignidade em países europeus. O desespero é tamanho que levou os refugiados a embarcarem em viagens perigosas rumo ao desconhecido. Viagens, estas, as quais muitos não regressam.

A crise é humanitária, não política. É lastimável que a Europa – e a comunidade internacional – tratem do tema com viés governamental. Ninguém se atreve a abrigar todos os refugiados do mundo. Esqueçam-se as soberanias. Ignorem-se as fronteiras nacionais.

Nosso mundo é feito de pessoas e sob a égide de uma única bandeira: a da humanidade. Que futuro estamos construindo? Crianças mortas, boiando em praias como se lixo fossem? Incontáveis indivíduos à mercê da própria sorte em meio a um conflito não originado por eles?

Eu tenho um número que representa o volume de mortos: 1. Um único morto. Uma história perdida já é suficiente para fomentar minha perplexidade. Uma breve história, no caso do garotinho Aylan. Ele foi vítima de uma espécie que não mede esforços para verter sangue.

Nossa civilização é bélica, seja por motivos religiosos, políticos ou económicos. E parece não evoluir nesse sentido. Há milhares de anos nos especializamos em uma abjecta arte: matar. Somente assim para satisfazermos nossa ânsia de ódio pelo próximo.

Torço que Aylan esteja em um plano melhor. A imagem do corpo dele, entretanto, não pode ser esquecida. Relembrou os piores horrores da Segunda Guerra Mundial. Note, os horrores continuam. A foto é o símbolo de uma desordem cruel e injustificada. O desfecho dos actos de homens que usam a violência para vender sua tirania. Quantos mais precisarão morrer até que possamos obter um pouco de tranquilidade e paz? Um garotinho nos deixou. Honremos sua memória.

(*) Jornalista e escritor – Porto Alegre, Brasil

Refugiados. António Guterres deixa Bruxelas frustrado mas determinado




O alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados, António Guterres, disse hoje que deixa Bruxelas com um "duplo sentimento", de frustração por a União Europeia tardar em responder à atual crise, mas de determinação em encontrar soluções alternativas.

Em declarações após um encontro com o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, António Guterres, que hoje já participara numa audição no Parlamento Europeu, disse ter sido "muito desagradável ver que o Conselho Europeu de ministros dos Assuntos Internos não foi capaz de tomar um conjunto de decisões absolutamente essenciais, que estariam longe aliás do desejável, mas que seriam a base mínima para haver uma resposta europeia à crise que a Europa enfrenta de movimentos de refugiados e de imigrantes".

"Mas ao mesmo tempo, (com um sentimento) de determinação, na medida em que não podemos assistir a este impasse sem agir, e por isso a proposta que fiz ao presidente da Comissão, aos diferentes comissários e à Alta Representante (da UE para os Negócios Estrangeiros) é que se passe imediatamente a um plano B", apontou.

Preconizando então um plano alternativo que passe pela criação e capacitação de centros de receção, sobretudo na Grécia, e através de um acordo com a Sérvia, e "imediata recolocação" de refugiados -- dos 40 mil já aprovados formalmente, mas também eventualmente antecipando já quotas dos países "que já disseram que aceitariam participar" no acolhimento de mais 120 mil -, Guterres disse acreditar que desse modo se crie finalmente uma dinâmica europeia.

"Se começarmos a agir imediatamente, eu estou convencido que depois o processo de decisão acabará por ratificar este movimento e que a Europa será capaz de responder. Mas essa determinação neste momento é absolutamente indispensável. Não podemos esperar porque vivemos numa situação de caos e confusão que causa enorme sofrimento às pessoas e dá uma péssima imagem da Europa", insistiu.

Segundo o responsável da ONU, "as divisões no seio da UE começam infelizmente a repetir-se a propósito de muitos temas e essa é uma tragedia para a Europa".

"Se a Europa não for capaz no mundo de hoje", com tantos desafios de vária ordem, "de agir unida, a Europa perderá cada vez mais relevo na comunidade internacional e acabará por ter uma influência cada vez menor naquilo que se passa no mundo", advertiu.

Lusa, Notícias ao Minuto

Migrações: Europa pode travar crise "se deixar de apoiar terroristas" - Bashar al-Assad




O Presidente sírio, Bashar al-Assad, afirmou hoje que a União Europeia (UE) pode travar a avalancha de refugiados "se deixar de apoiar os terroristas" que combatem o seu regime, numa entrevista divulgada hoje pela imprensa russa.

"A questão não é se a Europa recebe ou deixa de receber os refugiados, mas a necessidade de acabar com a origem do problema. Se os europeus estão preocupados com o destino dos refugiados, que deixem de apoiar os terroristas", afirmou.

Assad fez um apelo aos sírios para que se "juntem à luta contra o terrorismo", porque "o caminho para alcançar os objetivos políticos dos sírios é através do diálogo e de um processo político".

"Se hoje perguntarmos a qualquer sírio o que quer, a sua primeira resposta será: segurança e estabilidade para todos e cada um de nós. Assim, todas as forças políticas, tanto no governo como fora dele, devem unir-se em torno das exigências do povo sírio", disse.

Assad defendeu que as forças políticas sírias devem "continuar com o diálogo para alcançar um consenso", mas frisou que "é impossível ser bem-sucedido se continuarem a morrer pessoas, se continuarem o derramamento de sangue e a insegurança".

A entrevista de Assad foi divulgada horas depois de o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, ter defendido a sua estratégia de apoio ao regime sírio, afirmando que sem ela o afluxo de refugiados à Europa seria ainda maior e que a maior parte dos sírios que fogem para a Europa o fazem para escapar "a radicais" como os membros do grupo extremista Estado Islâmico.

"Apoiamos o governo sírio na sua luta contra a agressão terrorista. Propusemos-lhe e vamos continuar a fornecer-lhe ajuda militar técnica", disse Putin numa cimeira da Organização do Tratado de Segurança Coletiva, que reúne várias ex-repúblicas soviéticas, em Dushanbe (Tajiquistão).

Lusa, em Notícias ao Minuto

CORBYN. CONHEÇA AS PROPOSTAS DO NOVO LÍDER DO TRABALHISMO BRITÂNICO




Vegetariano, abstêmio, fala espanhol fluentemente, Corbyn conseguiu tirar os Trabalhistas do desânimo que tomou conta após a vitória dos Conservadores.

Marcelo Justo – Carta Maior

Defensor da nacionalização dos trens, do gás e da energia elétrica, do desarmamento nuclear unilateral, de um massivo financiamento público da infraestrutura e da moradia, da extradição de Augusto Pinochet para a Espanha nos Anos 90 – quando o ditador foi preso em Londres, a pedido do juiz Baltasar Garzón –, diretor da ONG “Stop the War Coalition” (Coalizão pelo Fim da Guerra) que encabeçou a luta contra a guerra de Iraque, Jeremy Corbyn é o novo líder da principal força de oposição do Reino Unido, o histórico Partido Trabalhista.

Ele é o líder mais progressista dos mais de cem anos da história da legenda, uma aposta tão impensável após a derrota eleitoral de maio, que só conseguiu o apoio dos 34 deputados – necessários para validar sua candidatura à presidência – dois minutos antes do prazo final, em junho. Com 59,5% dos 422 mil votos emitidos na eleição do partido, sua vitória foi um recado contundente, não somente para o Reino Unido, se estende a uma Europa que celebra eleições este mês na Grécia, com um Syriza dividido, e em novembro na Espanha, com o Podemos já instalado entre as forças políticas centrais.

Sua inesperada entrada na disputa pelo cargo, quando todos tinham certeza que a briga seria entre os candidatos que representam diferentes versões do chamado “Novo Trabalhismo” de Tony Blair e Gordon Brown, dinamizou o partido, que triplicou sua militância nos últimos dois meses, e deu um salto espetacular, com dezenas de milhares de “aderentes” que, por três libras (cerca de cinco dólares), podiam se inscrever e votar. Corbyn andou por todo o país, realizou quase 100 atos e eventos, congregou uns 16 mil voluntários para ajudar em sua campanha e, em cada encontro, conseguiu algo que este correspondente, com mais de 20 anos no país, jamais tinha visto: filas intermináveis, lugares cheios de gente, um incrível entusiasmo juvenil pela política difícil de acreditar, e de conter.

Vegetariano, abstêmio, fala espanhol fluentemente, Corbyn conseguiu tirar do estupor que tomou conta do partido após a derrota para os conservadores no dia 7 de maio, que levou David Cameron ao seu segundo período de governo, com maioria legislativa própria.

Entre os seus seguidores, não há dúvidas. “A social democracia está em crise, porque aceitou os princípios da austeridade e ficou sem ter muito o que dizer. Esse vazio foi preenchido agora por Corbyn, que ofereceu uma visão de esperança que reanimou muitos setores. Mas é preciso ter bem claro que isso é apenas o começo, e o mais difícil é o que virá agora”, afirmou neste sábado o jornalista Owen Jones, um dos poucos jornalistas que o apoiaram abertamente, em artigo no “The Guardian”.

Corbyn enfrenta dois desafios gigantescos. O primeiro é manter o trabalhismo unido. Com a dupla Tony Blair e Gordon Brown, o trabalhismo se inclinou tanto para a direita que terminou incluindo o adjetivo “novo”, que o transformava, na prática, num partido de centro que podia se balançar para o lado que o vento sopre, tanto para a direita quanto para a direita. Essa tendência ainda é majoritária entre os 232 deputados, e sua campanha pela presidência do partido foi baseada na moderação, com um alerta claro sobre uma vitória de Corbyn, vista como a transformação do trabalhismo num partido de protestos. A figura mais proeminente em favor desse discurso foi justamente o ex-primeiro-ministro Tony Blair, que chegou a pedir, em vão, que os eleitores não votassem por Corbyn, para não “cometer o ato mais demente da história politica deste país”.

O tom foi mudando nos dias prévios ao da eleição interna, quando já havia quase a certeza sobre uma vitória de Corbyn e o perigo de um racha no partido. A maioria dos parlamentares vinculados ao “novo trabalhismo” deixaram claro que não formarão um gabinete alternativo com Corbyn (uma espécie de ministério paralelo, a equipe que criará os abordagens da oposição), mas muitos passaram a buscar um tom mais conciliador sobre o futuro. “Sempre trabalhei com todos os líderes do partido, independente de quem fosse. Disse que não formarei parte do gabinete alternativo, mas sim serei parte do trabalhismo, como tenho sido durante toda a minha vida”, afirmou uma das candidatas derrotadas, Yvette Cooper, ex-ministra do Tesouro e do Trabalho.

É impossível prever se essa relativa paz será duradoura. O primeiro desafio é formar o gabinete alternativo incluindo as tendências mais moderadas do partido. As diferenças entre os “corbynistas” e o grupo do novo trabalhismo não são fáceis de resolver. Porém, em seu discurso da vitória, Corbyn se mostrou humilde e aberto. “Agradeço a todos os outros candidatos, pela maneira em que realizamos o debate político, e o fato de que, depois de fortes discussões, estamos disponíveis para um abraço. Agora, avançaremos como partido, e com um movimento mais fortes que nunca”, indicou.

Se o desafio de manter a unidade partidária é enorme, o de fazer o trabalhismo voltar ao governo será abismal. O consenso público é de que o Reino Unido, a sexta economia mundial, navega entre a moderação e o conservadorismo, e que não há lugar para uma alternativa de esquerda como Corbyn. Esse foi o argumento de Blair em sua guinada à direita nos Anos 90, seguida por Brown na década seguinte, e que teve eco nas urnas: pela primeira vez na história, o partido ganhou três eleições consecutivas.

Nos próximos dias, Corbyn espera por aquilo que é o pão de cada dia para Cristina Kirchner e Dilma Rousseff: uma campanha midiática incessante e implacável contra si. Nas últimas semanas, já começaram a proliferar os artigos que o acusam de tudo: desde antissemita e racista (apesar dele ter feito da luta contra o racismo uma bandeira durante toda a sua vida) até traidor da pátria.

A ofensiva conservadora dos próximos dias será furiosa, e os temas são previsíveis. O programa econômico de Corbyn será um flanco de ataque, mas suas receitas receberam o respaldo de muitos economistas e acadêmicos, incluindo o de Paul Krugman e o de um ex-membro do Banco Central da Inglaterra. Sem ponto fraco é sua política exterior, num país que, apesar de ser conhecido por sua ironia e ceticismo, também possui uma importante reserva de nacionalismo – como se vê, por exemplo, em temas como o das Ilhas Malvinas.

Que possibilidades de sucesso ele pode ter? Não há dúvidas de que Corbyn renovou o debate no partido e insuflou a paixão pela polêmica, num país que muitas vezes parece apolítico, ou desencantado, ou desconfiado, ou as três coisas juntas. Nas últimas eleições, 40% dos votantes se abstiveram: se houvessem preferido o trabalhismo, poderiam ter mudado o resultado final. Na Escócia, onde os trabalhistas dominaram o cenário político durante décadas, o partido foi arrasado pelos nacionalistas escoceses, que tinham uma clara plataforma antiausteridade.

Se consideramos também os votos perdidos no País de Gales e no norte da Inglaterra, os trabalhistas de Corbyn têm um caminho longo pela frente, para poder voltar ao governo. O centro e o sul da Inglaterra – com exceção de Londres – tradicionalmente mais conservadores, são o osso mais duro de roer. O primeiro grande teste será daqui a oito meses, nas eleições simultâneas para a prefeitura de Londres e para os parlamentos da Escócia e de Gales, além de outras prefeituras da Inglaterra: nessa ocasião, poderemos medir o quanto a Corbynmania pode resistir o embate de ideias.

Quadro: Política exterior e Malvinas

No dia 29 de agosto, o “Daily Telegraph” e outros diários britânicos desenterraram uma declaração de Corbyn, feita em 2013, sobre as Ilhas Malvinas, e agregaram a ela uma resposta emocionada de um veterano da guerra, o ex-oficial Simon Weston.

“É uma ideia repugnante. A Argentina não tem nenhum direito sobre aquelas ilhas. Causaria uma guerra civil novamente, porque estimularia os argentinos”, comentou Weston, que sofreu queimaduras em todo o seu rosto durante o conflito.

Corbyn não disse que o Reino Unido deveria renunciar à soberania e devolver as ilhas à Argentina.

Na entrevista concedida à BBC, em 2013, o novo líder máximo do trabalhismo sugeriu uma “administração compartilhada”, com os moradores da ilha mantendo sua nacionalidade britânica, poderia resolver o conflito. “Isso já foi feito em outras situações, como no conflito entre a Finlândia e a Suécia, que disputavam as Ilhas Aland, foi feito no caso de Hong Kong e também, em certa medida, com Gibraltar. É um caminho que podemos explorar”, afirmou Corbyn.

Em março, em plena febre pré-eleitoral, o ministro da Defesa britânico, Michael Fallon, anunciou um aumento do gasto militar para as ilhas, devido a uma suposta “ameaça militar argentina”, e Corbyn foi um dos 28 deputados que participou do debate parlamentar a esse respeito. “Que tipo de diálogo o ministro teve com o Brasil, com o Uruguai e com a Argentina? Pois quando pensávamos que a ideia era diminuir as tensões, ao invés de propor um aumento do gasto de 180 milhões de libras”, perguntou Corbyn.

Essas intervenções formam parte do perfil de Corbyn e de suas posições em matéria de política exterior, que parecem muito mais radicais que suas propostas de nacionalização – curiosamente, devido ao contexto britânico. Instintivamente pacifista, membro do comitê de desarmamento nuclear (CND), avesso às intervenções militares, Corbyn é vulnerável a algumas acusações da direita, como a de ser “vendido” ou a de “dormir com o inimigo”, toda vez que propõe diálogo com o Hamas ou com o IRA, por mais que essas ideias sejam, depois, seguidas pelos governos da vez.

Com os meios de comunicação dominados pelos conservadores e uma opinião pública que navega entre a apatia, a desconfiança, a nostalgia imperial e o patriotismo, a postura de Corbyn sobre alguns assuntos contingentes é um risco, por ser fácil de distorcer. Corbyn é consciente desse problema, e suavizou algumas de suas posições, com a postura de alguém disposto a escolher as batalhas que pode enfrentar. Corbyn sempre defendeu a ideia de abandonar a OTAN, e embora tenha dito, durante a campanha, que ela era um resquício da guerra fria, assegurou que continuaria formando parte do tratado, ainda que de forma crítica com relação à obrigatoriedade imposta aos seus membros, de reservar 2% do PIB para gastos militares.

Com relação às Malvinas, o mais provável é que siga o mesmo caminho. No final de semana passado, Corbyn assistiu um evento para latinos em Londres. Em seu discurso, que durou meia hora, e que começou com palavras ditas num espanhol fluído e graciosamente acentuado, advogou em favor das mesmas políticas que defendeu durante toda a sua carreira, mostrou o quanto ele conhece quase todos os países da região – os quais ele visitou pela primeira vez quando tinha 19 anos, e muitas outras vezes depois – mas não mencionou o tema das ilhas nem ao menos uma vez.

Marcha dos imigrantes

O primeiro ato público de Corbyn, logo após ser eleito líder do trabalhismo, foi participar de uma marcha multitudinária em favor dos refugiados, em frente ao parlamento. Mais de 100 mil pessoas (ou dezenas de milhares, segundo a polícia) se amontoaram para escutar as palavras de Corbyn, que acabava de assumir a liderança do seu partido. “Quando fui declarado líder, há três horas e meia, eu disse que minha primeira ação como líder partidário seria vir a esta marcha, em apoio aos refugiados, pelo direito a asilo e em favor de todos os seres humanos que passam necessidade. Eu fico horrorizado quando vejo como tantos meios, durante tanto tempo, de forma insistente e incessante, descreveram essas pessoas como `o problema´. São pessoas desesperadas, em situações desesperadas, descritas como ilegais. Estão em todas as partes do mundo, e em todos os momentos da história. Temos que reconhecer nossas obrigações internacionais. Esta campanha defende que nossas sociedades tenham uma atitude decente diante desse tema”, defendeu Corbyn, ovacionado por toda a multidão.

Tradução: Victor Farinelli - 
Créditos da foto: Wikimedia Commons

O fim do ciclo progressista ou a inversão do fluxo político na América Latina?




Esse novo momento exige um esforço de honestidade intelectual para tentar gerar propostas para as esquerdas latino-americanas e caribenhas.

Katu Arkonada - Rebelión - Carta Maior

Faz tempo que o ciclo progressista na América Latina e no Caribe vem mostrando um desgaste, que nos leva a supor o seu fim. A partir da morte do Comandante Chávez, e de uma certa inversão do fluxo nos avanços obtidos pelos processos de mudança no continente, a direita começou a construir um discurso que tenta deslegitimar a década de conquistas para as maiorias sociais e populares.

Mas, nos últimos tempos, até mesmo os diferentes setores da esquerda vêm construindo a tese do fim do ciclo, aderindo ao discurso da direita contra os governos de esquerda. Um dos representantes da esquerda “lightberal”, o argentino Pablo Stefanoni, fala de uma derivação do lulismo (1) na esquerda latino-americana. Maristella Svampa, companheira de Stefanoni no grupo de apoio ao trotskismo antikirchnerista do FIT (Frente de Esquerda dos Trabalhadores da Argentina, em sua sigla em espanhol), escreveu um artigo no diário oligárquico Clarín sobre uma crise do pluralismo político e um populismo de alta intensidade (2) na Bolívia e no Equador. Enquanto isso, pelo lado da esquerda autonomista, Raúl Zibechi sustenta que estamos não só diante do final do ciclo progressista, mas também que o progressismo não tem sido um avanço (3).

Por outro lado, o paraguaio-brasileiro e militante do PT (Partido dos Trabalhadores) Gustavo Codas afirma (4) que Venezuela, Brasil e Equador, cada um com seus diferentes matizes, enfrentam uma série de problemas econômicos e políticos, com uma importante mobilização da direita nacional (às vezes, com apoio do exterior). Essa conjuntura, junto com uma Argentina onde a candidatura presidencial governista é encabeçada por Daniel Scioli, nos leva a pensar que nos encontramos imersos no fluxo contrário ao das mudanças de época iniciadas na América Latina em 1998.

Essa onda encerrou a longa noite neoliberal, que teve seu apogeu nos dois anos transcorridos entre o fim de 2004 e o de 2006, quando foi a aliança ALBA-TCP (Alternativa Bolivariana para as Américas – Tratado de Comércio dos Povos, em sua sigla em espanhol) foi lançada, Evo Morales e Rafael Correa chegaram ao poder, surgiram novas ferramentas fundamentais para essas mudanças, como o canal TeleSur e a Rede de Intelectuais em Defesa da Humanidade, e quando, em Mar del Plata, o instrumento imperialista chamado ALCA (a Área de Livre Comércio para as Américas) foi enterrado por três patriotas nosso-americanos: Chávez, Lula e Néstor Kirchner.

Pelo contrário, hoje, sem a presença física do comandante venezuelano, com Fidel retirado da condução política em Cuba, com uma direita recarregada, que tenta chegar ao governo dentro ou fora da institucionalidade, com instrumentos de desintegração latino-americana como a Aliança do Pacifico, o TPP (Tratado Trans-Pacífico, em sua sigla em inglês) e o TISA (Acordo sobre o Comércio de Serviço, em sua sigla em inglês), tentando construir um novo consenso de reivindicação neoliberal, a guerra de posições na Nossa América empurra as forças de esquerda, tanto as revolucionárias quanto as reformistas, a uma tentativa de recuperação.

Esse novo momento exige um esforço de honestidade intelectual para, a partir da lealdade e do compromisso com os processos, tentar ler melhor o momento de inversão do fluxo e gerar propostas para as esquerdas latino-americanas e caribenhas. Nesse sentido, propomos sete teses para alimentar o debate sobre a necessidade que temos de fazer um diagnóstico do momento histórico no qual nos encontramos, com o fim de obter uma radiografia da conjuntura atual.

1 – A crise do capitalismo chegou para ficar

Entre 2004 e 2014, o preço do barril de petróleo foi de 86,989 dólares em média. Foram 87 dólares em média durante dez anos, apesar de que, em 2008, após a quebra do Lehman Brothers, o preço do barril de petróleo caiu de 147 dólares em julho para 35,58 dólares no final daquele ano.

Atualmente, o barril de petróleo se mantém entre 45 e 50 dólares, e não há previsão de que suba significativamente enquanto a desaceleração da China favoreça o excesso de produção atual. Ao mesmo tempo, importantes produtores, como a Arábia Saudita e a Venezuela, não diminuem a produção, para garantir os recursos que os respectivos países necessitam, o que alimenta o ciclo vicioso e dá a entender que não há como desativar a sobreprodução. Além da redução da demanda do gigante asiático e da manutenção da produção dos países produtores da OPEP, também deve-se considerar a produção norte-americana de gás de xisto mediante fracking – método de extração que se assemelha a uma espécie de terrorismo ambiental, e que só é rentável a partir de preços entre 60 e 70 dólares. Portanto, é entre a faixa atual, dos 50 dólares, e a dos 70, que permitiria uma maior rentabilidade aos campos de extração, que a guerra energética não declarada entre Estados Unidos e Arábia Saudita vai se mover nos próximos meses.

Em todo caso, não parece que os preços do petróleo possam voltar, nos próximos anos, a se aproximar dos valores vistos na década passada e começo da atual, que permitiram aos processos de mudança na América Latina e no Caribe uma redistribuição da riqueza e redução da pobreza sem precedentes. Se, além disso, somamos a tendência de baixa nos preços dos minerais, sobretudo os que a China costuma comprar em quantidades importantes – consome cerca de 40% da produção mundial – parece que os tempos de vacas gordas terminaram definitivamente.

Tudo isso leva à necessidade de uma diversificação produtiva e uma mudança na matriz energética. É necessário gerar uma transição do atual modelo extrativista, herança colonial e neoliberal, a um novo modelo de desenvolvimento que incorpore o direito ao desenvolvimento, os direitos da Mãe Terra, e a necessidade de tirar da pobreza uma parte significativa da população.

2 – O mundo multipolar já está aqui

Embora estejamos acostumados a falar na transição a um novo mundo pluripolar e multicêntrico, a realidade é que já estamos imersos nele. O declínio da hegemonia dos Estados Unidos (ao mesmo tempo que entra numa perigosa fase de dominação violenta), o surgimento dos BRICS, o rol geopolítico da América Latina nas relações entre os países do sul, ou o avanço da integração latino-americana com a CELAC e sem Estados Unidos e Canadá, reflexo da Pátria Grande que os libertadores sonharam, são claros sintomas desse novo cenário mundial.

Existem duas variáveis fundamentais neste contexto atual da América Latina e do Caribe. A retomada das relações entre Estados Unidos e Cuba, com embaixadas reabertas, marcando o início de uma nova era, simbolizam a soberania de toda a Nossa América, não somente de uma Cuba digna ao longo de mais de 50 anos de agressões ininterruptas. O outro sintoma é uma presença cada vez maior da China na região. Hoje em dia, exceto no caso do Porto de Mariel, em Cuba, todas os grandes investimentos na região são de capital chinês, começando pela faraônica construção de um canal na Nicarágua, passando pelos principais investimentos em recursos naturais, petróleo, gás e mineração. Mas essa presença chinesa cada vez maior demonstra grandes diferenças com a outrora hegemonia estadunidense – ao contrário do hard power dos Estados Unidos, baseado na imposição econômica ou militar, se está constituindo um soft power com uma certa paciência oriental, que faz da diplomacia econômica e cultural a base para as relações. Para ser mais explícito, a China não parece disposta a construir bases militares na América Latina, ou a patrocinar golpes de Estado contra governos legítimos.

Mas foi a voraz demanda da China por recursos naturais o que provocou uma reprimarização da economia latino-americana. Em geral, exceto nos países onde os recursos estão nas mãos do Estado, que pode controlar o fluxo, o setor primário está mais ligado ao capital financeiro que aos outros setores da economia. Na América Latina e no Caribe se debate atualmente entre um triângulo incerto entre um Consenso Bolivariano, um Consenso de Beijing e um Consenso das Commodities.

3 – A necessidade imperiosa de aprofundar a integração

Na medida em que a crise do capitalismo se aprofunda e a direita avança em sua ofensiva, os processos correm o risco de se fechar em si mesmos e manter uma posição mais defensiva. Nenhum processo poderá avançar muito e aprimorar as mudanças se não estiver inserto em um processo de integração latino-americana mais amplo.

É necessário, portanto, ampliar a integração política, e buscar também a integração econômica, científica, tecnológica e cultural, uma integração ampla, que permita, como propõe Gustavo Codas, criar cadeias de valor regionais, para inverter o processo de reprimarização continental.

Ao mesmo tempo, se faz urgente e necessária a reativação da ALBA, e ir dotando a Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC) de uma maior institucionalidade.

4 – Desativar os instrumentos para a desintegração latino-americana

É necessário incluir os países que ainda apostam no modelo econômico neoliberal ao processo de mudanças, especialmente os da Aliança do Pacifico, e em particular a Colômbia e o México. Por isso, temos que fazer nossas a reivindicação pela paz com justiça social na Colômbia, e a aposta por fortalecer um projeto alternativo de esquerda no México, fronteira sul dos Estados Unidos. A incorporação desses dois países não só abriria um horizonte radicalmente diferente, mas aprofundaria a integração nosso-americana e ajudaria a desativar os novos ALCA do Século XXI, os instrumentos para a desintegração latino-americana – a Aliança do Pacífico, o TPP e o TISA.

5 – Enfrentar a direita recarregada

Durante boa parte do processo de mudança de época, vimos uma direita desorientada e na defensiva. Foram as embaixadas dos Estados Unidos que fizeram o papel de principal opositor aos governos de esquerda na região, patrocinando golpes de Estado, duros ou brandos. Os opositores locais eram simples títeres, ainda ancorados no discurso do Consenso de Washington e distribuídos entre os velhos partidos defensores do neoliberalismo.

Entretanto, hoje temos uma direita renovada, assessorada pelos gurus do marketing político neoliberal e assumindo um rol de paraopositores, que sabem se camuflar sob uma estética mais atraente e um discurso mais amável, tão pós-moderno quanto pseudo pós-neoliberal, que não ataca diretamente as conquistas alcançadas na década ganhada.

Essa direita reciclada e transformista tenta roubar as bandeiras da democracia e dos direitos humanos, apelando sobretudo aos novos atores da política, a juventude e as classes médias. E aí é onde os processos têm um desafio importante: reatualizar tanto o seu programa quanto a sua práxis política, para seduzir uma juventude que não viveu o terrorismo social neoliberal e chega à maioridade sem a noção de a presença do Estado na economia e na redistribuição da riqueza é algo que está em risco. O mesmo sucede com as novas classes médias, que alimentam a ilusão de continuar seu ascenso social, e por isso encontram atrativa a ideia de votar por um “gestor”, normalmente um candidato proveniente do mundo empresarial, com um discurso que apela à cidadania moderada, que não esteja rotulada como esquerda ou direita.

Diante disso, mais que perder tempo em atacar essa direita que compre com sua tarefa, amparada pelas elites econômicas e com o apoio das transnacionais comunicacionais, devemos reatualizar e tornar o projeto político das esquerdas mais atraente, a única maneira de sustentar e aprofundar os processos. As possíveis derrotas eleitorais que estão por vir serão de responsabilidade única e exclusivamente nossa.

6 – A necessidade de ter lideranças

E para nos prepararmos para as próximas batalhas políticas, é necessário fazer um debate sobre a questão das lideranças. A morte do Comandante Hugo Chávez nos coloca diante do espelho, e nos leva a repensar os processos que dependem demais líderes de enorme peso político e intelectual. Mas essas lideranças também são fruto de uma época de resistência e insurreição contra o neoliberalismo, que já deixamos para trás.

Será difícil que volte a surgir um líder como Evo Morales na Bolívia, alguém leve em sua essência o componente anti-imperialista, anticolonial e anticapitalista, capaz de expulsar a DEA, a USAID e o próprio embaixador estadunidense do território nacional, levando os dirigentes sindicais que combateram os governos neoliberais a ocupar cargos de condução política no Estado, levando as relações internacionais do movimento social a construírem laços com outras esquerdas dentro do governo. Por isso, é mais necessária que nunca a construção de lideranças coletivas e o fortalecimento do poder popular e da formação política, pois somente a partir dessas sementes poderão germinar outros dirigentes, preparados para liderar uma nova etapa ascendente de mudanças de época, que possa deixar para trás o atual fluxo conjuntural. Porém, ao mesmo tempo enquanto líderes como Evo sigam tendo a capacidade de conduzir os processos, devemos habilitar os mecanismos que sejam necessários para que a legalidade não obstaculize a legitimidade.

7 – A importância das batalhas eleitorais

Por mais paradoxal que pareça, a irreversibilidade dos processos depende, em boa parte, das vitórias eleitorais que a esquerda for capaz de conseguir neste momento histórico. Para isso, é necessário não retroceder em nenhuma das conquistas alcançadas até o momento. Sabemos que chegar ao governo não significa ter o poder, e que uma vez chegando lá é preciso enfrentar uma guerra de posições com o poder exercido pelas burguesias nacionais e internacionais, através de suas fortalezas econômicas ou midiáticas. Mas é preciso primeiro conseguir essa vitória eleitoral para poder chegar a esse momento de consolidar a hegemonia.

Este 2015 nos deixa ainda duas importantes batalhas eleitorais: as eleições presidenciais da Argentina, em outubro, e as legislativas da Venezuela, em dezembro. Apesar das contradições com qual nos enfrentamos sobre esse tema, é preciso apoiar a candidatura de Scioli-Zannini na Argentina, bem rodeada por um núcleo duro kirchnerista. Depois virá o momento da crítica, se o próximo governo se desvia do horizonte traçado por Néstor Kirchner e Cristina Fernández. E o mesmo cenário se reproduz na Venezuela, onde devemos dar todo o apoio aos candidatos e candidatas do PSUV e do Grande Polo Patriótico, contra o terrorismo econômico e midiático que a Revolução Bolivariana e Chavista enfrenta atualmente. O mesmo no caso do Brasil e do Equador, onde devemos apoiar os legítimos governos de Dilma Rousseff e Rafael Correa contra as pressões.

Já não é tempo de política de ficção, e sim de fazer definições. É tempo de audácia, para gerar pensamento crítico, sempre priorizando os que vêm de baixo, sempre priorizando as visões à esquerda, suando a camisa com a prática da política em terreno, ainda que em meio às contradições, e não lendo a realidade com o lápis vermelho virtual numa mão, através do wifi dos cafés dos bairros da classe média. Recordando as palavras do Comandante Hugo Chávez: “Que ninguém se equivoque, que ninguém se deixe confundir, porque nós podemos criticar a revolução, mas não esquecer que este é o caminho de salvação da Pátria”.

Notas:
1 – A lulização da esquerda latino-americana: http://www.eldiplo.org/notas-web/la-lulizacion-de-la-izquierda-latinoamericana
2 – Termina a era das promessas andinas: http://www.revistaenie.clarin.com/ideas/Termina-promesas-andinas_0_1417058291.html
3 – Fazer o balanço do progressismo: http://www.resumenlatinoamericano.org/2015/08/04/hacer-balance-del-progresismo
4 – Desafios ao ciclo progressista na América Latina: http://www.mateamargo.org.uy/2015/08/13/desafios-al-ciclo-progresista-en-america-latina


Tradução: Victor Farinelli - Créditos da foto: reprodução

A FUNESTA IDEOLOGIA DA TESOURA




Para cortar programas sociais sem enfrentar causas da crise, algo tem de ser ceifado antes: nossa capacidade de pensar

Alexandre Pilati – Outras Palavras - Imagem: Karla Locke

Não sem alguma facilidade, os setores conservadores que comandam a sociedade global, através de dolente mantra numerológico, vão conseguindo fazer colar nas cabeças dos setores médios brasileiros a ideia de que a crise econômica atual só se vencerá com uma bela e grande tesoura, que ataque os gastos “escabrosos” do governo federal.

Mais uma vez trata-se da boa e velha fabricação de consenso em torno de algo que, a partir de uma constatação real, sustenta-se quase que miticamente como única saída, cujo endereço de classe, entretanto, como bem sabemos, é bastante definido. É mirar e ver: nas últimas semanas, a fabricação de consenso em torno da tesoura como saída única e necessária para a crise econômica passa-se à fabricação de consentimento. “Nada de política; a pura matemática nos vai tirar do abismo.” Será?

Os que já estão lascados por uma crise que não foi por eles inventada, aderem paulatinamente ao consenso de que a saída única é o sacrifício “momentâneo” de algumas conquistas (elevação real do salário mínimo, ampliação do alcance de serviços públicos essenciais, participação maior no mercado de trabalho, superação da miséria, conquista da casa própria…). Depois consentirão que a tal tesoura, a inefável tesoura da cartilha neoliberal, brandida na terra da Casa Grande por um coroinha do Grande Capital, corte o que os “de baixo” têm “de sobra”.

Pagaremos mais impostos, teremos o acesso aos serviços públicos mais restringido, perderemos salário real etc. E consentiremos. Aderiremos à “ideologia da tesoura”, deixando de vê-la como a ideologia dos “de cima”, ou seja, dos que criam a crise e lucram com ela. Veremos a “ideologia da tesoura” como a mística saída, a racional saída, a matemática (i.e.: mística+racional) saída para a crise. Por aí penetra surdamente a lenga-lenga do Estado mínimo e do arrocho sobre os trabalhadores, de mãos dadas com o fantasma do desemprego e a assombração das perdas salariais, que podem ser momentâneas ou perenes, dependendo da contrição que empreguemos ao ajoelhar diante do Capital que nos quer esmagar; o Capital com seus donos, que podem esperar mais um pouquinho, dependendo de nosso bom comportamento, de nossos trejeitos de lacaios.

E nós nos iludimos, seduzidos pelos senhores respeitáveis de negro terno imoral, pelos moços de rostos inteligentes e profundamente estúpidos que aparecem no infernal noticiário da noite. A primeira coisa que a tesoura corta é nossa cabeça, nossa capacidade de pensar. O medo, fabricado pela fabricação de consenso, fabrica também o consentimento. E nós aceitamos. Aceitamos a “ideologia da tesoura” como nossa salvação, embora ela seja um prenúncio de nossa rendição a uma vida mais restrita materialmente.

Quero lembrar aqui, ainda que medianamente extenso, um belo parágrafo de Terry Eagleton sobre a ideologiai:

“A visão racionalista de ideologias como sistemas de crenças conscientes, bem articulados, é claramente inadequada: deixa escapar dimensões afetivas, inconscientes, míticas ou simbólicas da ideologia, a maneira como ela constitui as relações vividas, aparentemente espontâneas do sujeito com uma estrutura de poder e a provê a cor invisível da própria vida cotidiana. Mas se ideologia, nesse sentido, é discurso primariamente performativo, retórico, pseudoproposicional, isso não significa que seja desprovida de um importante conteúdo proposicional – ou que as proposições que faz, inclusive as morais e normativas, não possam ser avaliadas quanto a sua verdade ou falsidade. Muito do que as ideologias dizem é verdadeiro e seria ineficaz se não o fosse, mas as ideologias também têm suas proposições que são evidentemente falsas, e isso não tanto por causa de alguma qualidade inerentemente falsa mas por causa das distorções a que são submetidas nas suas tentativas de ratificar e legitimar sistemas políticos injustos, opressivos.”

Eagleton chama as ideologias, neste mesmo trabalho, de “crenças letais”. Esta é a condição da letal “ideologia da tesoura”. Vencer a crise, segundo esta ideologia, quer dizer aplicar um remédio neoliberal, ou seja, que não atingirá jamais as estruturas que causam a crise. Então, se é isto que propala a “ideologia da tesoura”, fica certo que ela é uma “crença letal”, uma crença que não dizimará os seus sacerdotes, mas fará ficar à míngua os seus crentes mais frágeis. Isto pois a “ideologia da tesoura” não irá considerar a taxação das grandes fortunas, o corte significativo dos juros, a cobrança impiedosa dos grandes sonegadores, a revisão da necessidade de se manterem tão altas reservas, os penduricalhos chiques da ostentação do poder, a auditoria a sério da dívida pública, entre tantas outras coisas.

Como se explicarão cortes em “despesas obrigatórias” como educação, saúde ou programas sociais? Como será possível politizar esse debate para evidenciar que, nos últimos anos, o que o povo quis com mais força foram mais direitos sociais, mais atuação do Estado na prestação de qualidade de serviços públicos? O povo, está claro, não quer menos Estado, ele que mais Estado e com mais eficiência.

Alguém, contudo, terá de pagar por isso. A luta política de hoje devia caminhar para que os que sempre levam a melhor paguem mais pela manutenção da melhoria de vida progressiva daqueles que têm menos. Isso não é uma utopia. É apenas a simples negação política, consciente, da “ideologia da tesoura”. É o desejo de que a Política protagonize o enredo da atual crise e que a economia sirva para preencher com mais vida a vida de quem mais necessita.

A economia é uma ciência cujos atores centrais são as gentes. Os números, portanto, devem estar a serviço das gentes. As gentes: essas estranhas massas moldadas a sonho, desejo, sorriso e lutas. Mas, no cenário em que vivemos, de iminente vitória cabal da “ideologia da tesoura”, tem nos esbofeteado duramente a sugestão de que muitas vidas se acinzentarão, para sustentar o fetichismo frio dos números. Os números: esses estranhos animais sem ânima, que dão sustentação performática aos golpes seguros e escorchantes da “ideologia da tesoura”.

i EAGLETON, Terry. Ideologia. São Paulo: Boitempo/Unesp: 1997.

Alemanha duplica exportações de armas de guerra; entidades exigem plebiscito



Roberto Almeida, Berlim – Opera Mundi

Faturamento atingiu 1,8 bilhão de euros em 2014; novos negócios foram fechados com Israel, Arábia Saudita, Egito e Argélia, com entregas agendadas pelo menos até 2025

Desde a década de 1970 entre os cinco maiores exportadores de armamentos do mundo, a Alemanha, governada por uma coalizão social-cristã, está longe de frear os lucros de sua controversa indústria bélica e continua a abastecer países com péssimo histórico em direitos humanos com tanques, motores, radares, mísseis, munição, submarinos, fragatas e veículos blindados.

Relatório publicado pelo Parlamento alemão mostra que, apesar de ter aprovado uma política mais restritiva de exportações a países do Oriente Médio, o país dobrou o faturamento com armamentos de guerra em 2014. O montante atingiu 1,823 bilhão de euros (cerca de R$ 7,3 bilhões), ante os 957 milhões de euros (cerca de R$ 3,8 bi) de 2013. Os números não incluem a exportação de armas consideradas menores, como pistolas e metralhadoras.

O Instituto de Pesquisas pela Paz de Estocolmo (Sipri), principal entidade fiscalizadora do comércio de armas do mundo, sublinhou que as novas restrições não impediram a negociação de 33 barcos patrulha para a Arábia Saudita, quatro fragatas para Israel, dois submarinos para o Egito e 926 veículos blindados para a Argélia. As entregas vão manter a indústria alemã de armamentos ocupada até pelo menos 2025.

Reações e pessimismo

A lista dos países compradores e os valores das negociações assustaram representantes da Aktion Aufschrei, principal campanha contra a exportação de armas da Alemanha, que reúne mais de uma dezena de entidades de advocacia, igrejas e ONGs. Eles reagiram com bastante pessimismo.

Nos últimos 10 anos, o país acumulou vendas de 15,5 bilhões de euros (cerca de R$ 62 bilhões) – sem contar as contribuições com licenciamento de novas tecnologias. O país está na quarta posição global, atrás apenas de EUA, Rússia e China, e acumula denúncias de corrupção, como no caso da venda de tanques Leopard, pela Rheinmetall, para a Grécia, que está sob investigação.

Jürgen Grässlin, autor de Schwarzbuch Waffenhandel – Wie Deutschland am Krieg verdient (O livro negro do comércio de armas – como a Alemanha lucra com a guerra), criticou duramente o governo de Angela Merkel por não cumprir promessas de redução nas exportações, que fizeram parte da campanha eleitoral do ano passado.

“Todos esperávamos uma mudança de rumo”, disse Grässlin, em comunicado de imprensa. “Mas entre os países compradores estão, novamente, estados beligerantes que violam os direitos humanos.”

Os ativistas frisam que as vendas de armamento de guerra alemão para Israel, Cingapura, Coreia do Sul, Arábia Saudita, Indonésia e Brunei deveriam ser feitas apenas em casos excepcionais e pedem, em última instância, um plebiscito para banir as exportações. No entanto, segundo Christine Hoffmann, secretária-geral da ONG Pax Christi, a consulta popular “continua fora de questão” no Parlamento.

“Existe um forte movimento pela paz na Alemanha, que influencia até certo ponto a exportação de armas do país”, disse a Opera Mundi o pesquisador Pieter Wiezer, do Sipri. “Mas as discussões no Parlamento em torno de restrições devem ser vistas com precaução. Não devemos acreditar que algo vá mudar drasticamente.”

Wiezer classificou ainda os números oficiais das exportações alemãs como “bastante confusos”. “Eles fazem uma divisão entre o que é armamento de guerra e outros armamentos. Não gosto dessas distinções. No relatório, um tanque é para guerra e um radar não. Mas um radar pode ser até mais importante que um tanque no abuso de direitos humanos”, alertou.

Como ponto positivo, o pesquisador nota que o governo alemão está “cada vez mais transparente”. “O relatório sai duas vezes por ano e há constantes questionamentos por parte de parlamentares da esquerda alemã com relação às exportações de armamentos”, anota. “Mas o caso de corrupção na Grécia certamente não é uma situação isolada. O sigilo no comércio internacional de armas favorece um cenário de pagamentos de propina, que são difíceis de comprovar.”

Às compras

Segundo dados do relatório governamental, o maior comprador de armamentos de guerra de 2014, responsável por quase um terço do faturamento, foi Israel, com despesas de 606 milhões de euros (cerca de R$ 2,5 bilhões) e o pedido por um submarino Dolphin AIP, do estaleiro Howaldtswerke-Deutsche Werft, da gigante ThyssenKrupp.

A Sipri informa que os negócios futuros com Israel incluem também quatro fragatas MEKO-A100 do estaleiro Blohm+Voss, de Hamburgo, e que foram entregues, entre 2002 e 2014, 635 motores a diesel para tanques Merkava-4 e veículos blindados Namer, presenças constantes nos conflitos em Gaza.

á a Arábia Saudita, que segundo o relatório oficial gastou 50 milhões de euros em 2014 (ou cerca de R$ 200 milhões), recebeu, de acordo com o Sipri, 1400 mísseis ar-ar IRIS-T para caças Tornado e Typhoon, 255 motores a diesel para veículos blindados e fez um pedido de quatro barcos patrulha FBP-1 do estaleiro Lürssen, uma empresa familiar que opera há 135 anos na Alemanha.

Em paralelo, a Rheinmetall, tradicional produtora de armamentos alemã, recebeu da Argélia um pedido de 926 veículos blindados Fuchs equipados com metralhadoras e sistemas de mísseis. A entrega está programada para acontecer até 2025. Os gastos argelinos em 2014, segundo o relatório governamental, ficaram em 78 milhões de euros (cerca de R$ 316 milhões) e devem continuar em alta pelos próximos anos.

O Egito, segundo o Sipri, fez em 2014 ordens de compras para dois submarinos Type 209, do estaleiro Howaldtswerke-Deutsche Werft. Além disso, recebeu quatro motores a diesel para corvetas montadas nos Estados Unidos. As despesas do país com armamentos de guerra, segundo o relatório oficial, ficaram em 22,5 milhões de euros (cerca de R$ 90 milhões) e também devem crescer até a entrega final dos submarinos, que não foi divulgada.

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