Com
apenas 3 anos, o menininho, certamente, não compreendeu bem o que estava
acontecendo. Seus pais o conduziram a um barco, dizendo que, após a travessia,
tudo seria melhor.
Gabriel
Bocorny Guidotti (*) – Folha 8
Como
todo bom filho, obedeceu sem pestanejar. Ele mal sabia da terrível guerra que
deixou para trás. Não sabia, igualmente, que a aventura de barco seria a última
de sua breve vida.
Nessa
semana, a foto do pequeno Aylan Kurdi – encontrado afogado em uma praia da
Turquia – chocou o mundo, deflagrando os horrores da imigração ilegal no norte
da África.
Não
se trata de migração, a bem da verdade. O caso é mais grave. Os veículos de
comunicação deveriam chamar o êxodo maciço no Mediterrâneo de fim da
civilização. O planeta é da humanidade para dispor, mas nem todos podem levar
uma vida tranquila.
Quando
a opressão do Estado Islâmico iniciou suas actividades no norte da África, só
restou às pessoas de bem a busca por condições mínimas de dignidade em países
europeus. O desespero é tamanho que levou os refugiados a embarcarem em viagens
perigosas rumo ao desconhecido. Viagens, estas, as quais muitos não regressam.
A
crise é humanitária, não política. É lastimável que a Europa – e a comunidade
internacional – tratem do tema com viés governamental. Ninguém se atreve a
abrigar todos os refugiados do mundo. Esqueçam-se as soberanias. Ignorem-se as
fronteiras nacionais.
Nosso
mundo é feito de pessoas e sob a égide de uma única bandeira: a da humanidade. Que futuro estamos construindo? Crianças mortas, boiando em praias como se lixo
fossem? Incontáveis indivíduos à mercê da própria sorte em meio a um conflito
não originado por eles?
Eu
tenho um número que representa o volume de mortos: 1. Um único morto. Uma
história perdida já é suficiente para fomentar minha perplexidade. Uma breve
história, no caso do garotinho Aylan. Ele foi vítima de uma espécie que não
mede esforços para verter sangue.
Nossa
civilização é bélica, seja por motivos religiosos, políticos ou económicos. E
parece não evoluir nesse sentido. Há milhares de anos nos especializamos em uma
abjecta arte: matar. Somente assim para satisfazermos nossa ânsia de ódio pelo
próximo.
Torço
que Aylan esteja em um plano melhor. A imagem do corpo dele, entretanto, não
pode ser esquecida. Relembrou os piores horrores da Segunda Guerra Mundial.
Note, os horrores continuam. A foto é o símbolo de uma desordem cruel e
injustificada. O desfecho dos actos de homens que usam a violência para vender
sua tirania. Quantos mais precisarão morrer até que possamos obter um pouco de
tranquilidade e paz? Um garotinho nos deixou. Honremos sua memória.
(*)
Jornalista e escritor – Porto Alegre, Brasil
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