“Pelo
jornalismo faria tudo de novo” (Alberto
André)
Há
100 anos, no dia 2 de dezembro, sob o signo de Sagitário, nascia um dos maiores
expoentes do jornalismo gaúcho: Alberto André (1915 - 2001). Filho dos
imigrantes libaneses, Miguel e Sada André, ele nasceu em Porto Alegre. Ao longo
de sua existência, desenvolveu um importante trabalho no campo do jornalismo,
da política e da cultura, destacando-se como um exemplo de cidadania, dedicação
e amor por sua terra.
Embora
seu pai o incentivasse a formar-se em Medicina, Alberto André já sonhava, desde
cedo, com o universo de uma sala de redação. Sua base educacional foi
construída na Escola Lassalista de São João, no Colégio das Dores e no
Colégio Júlio de Castilhos.
O
profissional do jornalismo
Em
1936, começou a trabalhar na Rádio Sociedade Gaúcha, com o apoio do diretor da
emissora, Nilo Ruschel (1911-1975), tendo apenas cinco minutos, duas vezes por
semana, para falar acerca dos problemas de Porto Alegre, à qual devotou um amor
incondicional. No ano seguinte, iniciaria sua vida acadêmica no Curso de
Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mas sem abandonar
sua paixão pelo jornalismo.
A
sua primeira experiência na redação de um periódico foi no Jornal da Noite.
Tratava-se de um jornal vespertino e político, sob a orientação de Flores da
Cunha (1880-1959) e seu Partido Republicano Liberal. Com a criação do Estado
Novo (1937-1945), o periódico encerrou a sua circulação. Nele, Alberto André
redigia matérias muito ricas sobre a cidade de Porto Alegre.
Ainda
em 1937, começou a trabalhar no jornal A Nação que pertencia à Tipografia do
Centro e à Cúria Metropolitana de Porto Alegre, ganhando experiência em
assuntos internacionais. Nesse período, ele teve o primeiro contato com a
violência de origem ideológica contra a imprensa. O jornal A Nação, de origem
germânica, acabou, em 1942, sendo depredado durante a II Guerra Mundial. Este
episódio ficou conhecido, em nosso jornalismo, como a “Noite do Quebra-Quebra”.
Alberto André trabalhou também no Correio da Noite, na Agência Brasileira de
Notícias e colaborou no jornal, ligado ao Partido Libertador, O Estado do Rio
Grande, fundado, em 1929, pelo médico e jornalista Raul Pilla (1892-1973).
O
Estado Novo de Getúlio Vargas e o jornalismo
Em
1940, Alberto André recebeu o convite de Manoelito de Ornellas (1903-1969) -
figura de destaque em nossas letras - para trabalhar como censor de notícias
sobre a II Guerra Mundial (1939-1945), do Departamento Estadual de Imprensa e
Propaganda, ligado ao DIP. A princípio isso parece ir de encontro a sua
figura democrática, porém, como censor, poupou jornais de empastelamento e
avisou colegas acerca do risco de uma prisão iminente. A liberdade de
informação foi o foco e a razão principal de sua carreira, como jornalista, ao
longo dos anos.
Em
1941, Alberto André passou a lecionar Contabilidade no Colégio Nossa Senhora do
Rosário. Na condição de professor, Alberto André assumiu a Faculdade de
Ciências Políticas e Econômicas, um dos núcleos da futura PUCRS, lecionando em
várias matérias durante 45 anos.
O
jornalista do Correio do Povo
No
ano em que ocorreu a famosa “Enchente de 41”, inundando de forma trágica a
cidade, Alberto André se casou com Lourdes Cafruni, cuja união permaneceu
sólida até a sua morte em 2001. O casal teve três filhos: Marlene (já
falecida), Roberto e Fernando. Em 1941, Alberto André ingressou na
redação do mais antigo e tradicional jornal da capital gaúcha, o Correio do
Povo, onde trabalhou por 43 anos, atuando também como articulista na Folha da
Tarde e na Folha da Tarde Esportiva que pertenciam à Empresa Jornalística
Caldas Júnior. De 1942 a 1956 era Alberto André que dava a ordem para a rodagem
do Correio do Povo. No ano de 1941, publicou o seu primeiro livro:
Aspectos da Vida Internacional, pela Editora A Nação.
O
presidente da ARI e sua visão democrática
Em
1943, formou-se em Direito pela UFRGS, atuando, por 15 anos, nessa área.
Cinco anos depois, ele se filiou à Associação Riograndense de Imprensa (ARI),
ocupando alguns cargos administrativos. Devido à insistência dos amigos da
redação do Correio do Povo, Alberto André se candidatou à presidência da ARI,
em 1956, e ganhou de forma excepcional o pleito por um voto de diferença.
Dirigiu a entidade por 34 anos, posto no qual enfrentou o período do regime
militar (1964-1985), auxiliando, principalmente, durante “os anos de chumbo”
vários jornalistas e intelectuais, a exemplo de Flávio Tavares e Reinaldo Moura
(1900-1965), então, diretor da Biblioteca pública do Estado, a escapar dos
tentáculos do regime de força e repressão que havia se estabelecido no Brasil
em 1964. Neste ano de 2015, no dia 19 de dezembro, a ARI
comemora 80 anos de existência.
O
homem político
Eleito,
em 1951, para a Câmara Municipal de Porto Alegre, foi reeleito três vezes
seguidas até 1963. Na condição de vereador, dedicou-se a buscar soluções para
os problemas urbanos e sociais da nossa cidade, considerando isso um dever
ético. Ainda em 1956, consegue seu registro, como professor, na Secretaria de
Educação. Elege-se também para deputado estadual, no período de 56/60,
exercendo o cargo por apenas dois meses. No ano seguinte, assumiu o cargo de
Delegado Conselheiro da Federação Nacional de Jornalistas (FENAJ), permanecendo
por dois anos. Nesse ano, publicou o livro Coletânea de Legislação Tributária
Municipal pela Editora Sulina.
O
professor universitário
No ano de 1962, Alberto André começou a lecionar na cadeira de Direito Aplicado
à Economia na Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS, aposentando-se ao
completar 70 anos, após 31 anos de trabalho como professor adjunto e chefe de
departamento dessa universidade Ainda, em 1962, ele assumiu a presidência da
Câmara Municipal de Porto Alegre, exercendo, com dignidade e altruísmo, essa
importante função.
Em
1966, Alberto André é homenageado com a Medalha do Porto de Bremen na Alemanha
Ocidental, que havia visitado em 1956. Um ano depois, publica, pela Editora
Sulina, o livro Alemanha Hoje, no qual narra as duas viagens que fez a esse
país.
No
ano em que o Brasil ganhou a Copa Jules Rimet, em 1970, ele é escolhido, para
assumir a direção da Faculdade dos Meios de Comunicação Social da PUCRS
(Famecos). Ele permaneceu no cargo função até o ano de 1975. Ainda nesse ano,
publica Ética e Códigos da Comunicação nos Cadernos de Comunicação da PUCRS. Em
1972, recebe o prêmio Destaques do Diário de Notícias e Medalha da Assembleia
Legislativa. Passados dois anos, recebe o título de Comendador da Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB) / Secção Rio grande do Sul.
O
apoiador cultural
Durante
o período nevrálgico da nossa política, que sucedeu ao golpe militar de 64, ele
se envolveu em campanhas de interesse público, a exemplo da criação do Museu de
Comunicação Social Hipólito José da Costa (Musecom), em 10 de setembro de 1974,
em plena ditadura militar. O jornalista Sérgio Dillenburg - fundador e
idealizador dessa instituição - teve o apoio incondicional da ARI e de seu
presidente, em exercício, o jornalista e escritor Alberto André. Essa
instituição prestou a sua homenagem, criando, no espaço do Musecom, a Sala
Alberto André, na qual ocorrem diversos eventos culturais ligados à
Comunicação. A campanha, para que fosse criada também a Casa de Cultura Mário
Quintana, no prédio em que funcionou o famoso Hotel Majestic e morou o nosso
poeta maior, teve a fundamental participação de Alberto André, então,
representante da ARI no Conselho do Patrimônio Histórico e Cultural de Porto
Alegre.
Porto
Alegre reconhece Alberto André
No
ano de 1977, Alberto André recebe o título de professor Emérito da PUC, Ao
iniciar a década de 80, Alberto André é agraciado com o título de Cidadão
Emérito de Porto Alegre - fato que se repetiu em 1982.
Em
1980, é também escolhido Membro do Conselho Municipal do Plano Diretor de Porto
Alegre, além de ser eleito chefe de Departamento de Direito Econômico e do
Trabalho da UFRGS, aposentando-se em 1985. Em 1988, ele é homenageado como
Patrono da 34ª Feira do Livro de Porto Alegre, em reconhecimento pelo seu
trabalho, em prol da cultura gaúcha, e também por ter oficializado, por meio da
criação de uma lei, esse tradicional evento cultural a céu aberto, criado, em
1955, pelo jornalista Say Marques do Diário de Notícias. A Feira do Livro
ocorre, anualmente, na Praça da Alfândega no centro da capital gaúcha.
Em
1992, Alberto André publica 50 anos de imprensa, pela Editora FEPLAM. Um
ano depois, ele recebe o título de Patrono das Agências de Propaganda do Rio
Grande do Sul. Em 1995, o Jockey Club institui o Páreo Alberto André,
sendo sua figura escolhida Decano dos Jornalistas do RS. O jornalista é
homenageado pela Biblioteca da Câmara Municipal de Porto Alegre, cujo nome é
Alberto André, localizando-se no terceiro andar do Legislativo.
Alberto
André teve uma trajetória profissional notável, cuja palavra escrita foi
utilizada, como instrumento, para o bem social e engrandecimento da cidade de
Porto Alegre e do nosso estado. Esse exemplar profissional desenvolveu
tantas atividades, no decorrer de sua existência, que é impossível enumerá-las
nesse breve texto. A intenção, que me moveu a escrever, acerca da vida desse
importante jornalista, foi a de prestar uma homenagem em seu centenário de
nascimento. Alberto André fez escola, em nosso jornalismo, pela sua postura
ética e tão cosmopolita em sua forma de pensar, ver e atuar como cidadão.
A
presença do presidente Alberto André, na Associação Riograndense de Imprensa,
foi tão marcante e significativa que recebeu o apelido de "Seu ARI".
Embora tenha se aposentado, ele jamais deixou de colaborar com artigos para
jornais de todo o Rio Grande do Sul, escrevendo em sua velha e companheira
máquina de escrever Remington.
A
morte do ícone
O
presidente de Honra e do Conselho Deliberativo da Associação Riograndense de
Imprensa (ARI) faleceu, em 06 de setembro de 2001, em sua residência, devido a
uma insuficiência hepática, após anos de dedicação ao jornalismo, ao
magistério, à advocacia e à política. Seu velório ocorreu na Assembleia
Legislativa do Estado. O prefeito de Porto Alegre, na época, Tarso Genro
assinou o decreto N° 13.379, determinando luto oficial, por três dias, na
capital gaúcha.
Em
abril de 2010, A Associação Riograndense de Imprensa (ARI), em parceria com a
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), inaugurou o Laboratório de
Recuperação do Acervo que contempla a vida e o legado cultural do Jornalista
Alberto André.
O
amor pelo jornalismo, que está presente em sua alma, não desapareceu com sua
morte, aos 85 anos, pois, com certeza, transcende, noutra dimensão, o seu
legado cultural e a intensa influência de seu trabalho na área da Comunicação
Social, eternizado em sua amada Porto Alegre.
Bibliografia
GOULART,
Antõnio , TORMA, Ercy. Grandes nomes da Comunicação. Porto Alegre: Museu de
Comunicação Social Hipólito José da Costa, IEL, CORAG, 1997.
ANDRÉ
Alberto. 50 anos de imprensa. Porto Alegre: FEPLAM, 1992.
Alemanha
Hoje. Porto Alegre: Ed. Sulina,1967.
Aspectos
da vida internacional. Porto Alegre: Ed A Nação
1941.
Fonte
Grandes nomes da Comunicação
*Pesquisador
e coordenador do Setor de Imprensa do Musecom