sábado, 9 de janeiro de 2016

A EUROPA, DA HUNGRIA À POLÓNIA



Pedro Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião

Entre a Hungria e a Polónia, inscreve-se o perigoso caminho que a construção europeia vem trilhando ao longo da última década. Uma deriva encetada com a recusa da ratificação da "Constituição para a Europa", no referendo francês de maio de 2005, e que culmina com a fracassada tentativa de expulsão da Grécia da União Monetária, em 2015. A Polónia, agora governada por forças políticas da extrema-direita nacionalista e xenófoba, decidiu seguir o exemplo da Hungria. O Parlamento Europeu tinha aprovado há cerca de dois anos um relatório alarmante de Rui Tavares que denunciava as graves violações de direitos fundamentais e restrições à democracia praticadas pelo Governo húngaro. Porém, nenhuma medida séria foi tomada pelas instituições europeias e criou-se uma expectativa de impunidade que não só estimulou as autoridades húngaras a persistir e a alargar tais práticas - de que é marco simbólico a construção de uma muralha para barrar o caminho aos refugiados! - como inspirou outros governos a adotar idênticas condutas, tal como agora ocorre com os polacos.

Os governantes franceses, por seu lado, parecem menos preocupados em apressar o fim do "estado de exceção" - decretado em consequência dos atentados terroristas de 13 de novembro, em Paris - do que na discussão das alterações legislativas propostas para retirar a cidadania francesa, como medida punitiva, a titulares de dupla nacionalidade. Até na fronteira entre a Suécia e a Dinamarca, a crise dos refugiados serve para justificar a multiplicação de limitações à liberdade de circulação entre os estados da União. O antigo Alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados, António Guterres, declara numa entrevista ontem concedida ao jornal "Público", que "vivemos num Mundo caótico" e já prevê, para "depois do inverno", a possibilidade de "colapso do regime europeu de asilo".

Com mágoa, dou-me conta da surpreendente atualidade de numerosos trechos de uma intervenção que fiz na Gulbenkian, no verão de 2007, numa conferência dedicada à ratificação do Tratado de Lisboa, essa máscara fúnebre de uma Constituição falhada... Continua por fazer quase tudo o que então ali recomendava: "permanece no quadro das reformas políticas da União o objetivo estratégico de melhorar as garantias dos direitos dos cidadãos europeus de forma adequada (1) a uma dimensão territorial expansiva, (2) a um pluralismo cultural acentuado pelos fluxos migratórios permanentes e (3) aos poderes reforçados das instituições comuns". E concluía que só assim, "a Europa promoverá a afirmação dos Direitos Humanos num Mundo globalizado que exige das democracias uma resposta cabal à hegemonia da globalização económica e financeira, à ameaça do terrorismo, às tentações da guerra preventiva e à degradação que impende sobre valores inscritos na nossa matriz identitária de que são hoje exemplo alarmante as concessões inadmissíveis em sede de garantias do processo penal e recurso à tortura".

Eram já bem patentes as consequências perversas da guerra "contra o horror" lançada por George W. Bush, ao que se iria somar a crise financeira internacional que rebentou nos Estados Unidos da América ainda nesse ano. Os anos seguintes iriam encarregar-se de demonstrar "a importância crucial da construção política europeia no processo de reestruturação da comunidade mundial" e, sobretudo, a necessidade de assegurar que a Europa continue a ser "uma experiência exemplar para o estímulo e desenvolvimento dos espaços de integração supranacionais emergentes". Torna-se por isso ainda mais premente, nos dias que correm, "reconduzir os valores da dignidade humana ao centro do projeto político europeu, subordinar os progressos nas políticas de defesa e segurança às garantias dos cidadãos e reforçar a coerência entre as políticas de direitos humanos no interior da União e nas relações entre a Europa e o Mundo".

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