Como
a ascensão de candidatos e idéias à esquerda faz os conservadores perderem as
estribeiras. Estudo dos casos inglês e norte-americano
Glenn
Greenwald, no The Intercept - em Outras Palvras - Tradução: Antonio Martins
A
elite política e a mídia britânica perderam pouco a pouco a cabeça, após a
eleição de Jeremy Corbyn para a liderança do Partido Trabalhista – e ainda não
parecem capazes de se recuperar. Nos Estados Unidos, Bernie Sanders é bem
menos radical; os dois não
estão sequer na mesma constelação política. Mas, especialmente em
temas econômicos, Sanders é um crítico mais robusto e sistêmico do que os
centros do poder oligárquico julgariam tolerável. Sua denúncia contra o
controle da vida política pelas corporações é uma ameaça grave. Por isso, ele é
visto como a versão norte-americana do extremismo de esquerda e uma ameaça ao
poder do establishment.
Para
quem já tinha observado os desdobramentos da reação britânica à vitória de
Corbin, é fascinante constatar que as reações de Washington e da elite do
Partido Democrata à emergência de Sanders replicam o caso inglês, seguindo
idêntico script. Pessoalmente, creio que a escolha de Hillary é extremamente
provável, mas as evidências de um movimento crescente em favor de Sanders são
inquestionáveis. Trata-se de algo consistente, que está desconcertando os
dirigentes do partido, como seria de esperar.
Uma
pesquisa revelou,
semana passada, que Sanders tem uma clara liderança entre os eleitores mais
jovens inclusive as mulheres. Como a revista Rolling Stone notou, “as
mulheres jovens apoiam Bernie Sanders por larga margem”. O New York Times admitiu
que, em New Hamphire, Sanders “já abriu uma vantagem de 27 pontos”, o que é
“espantoso para os padrões do Estado”. O Wall Street Journalreconheceu,
em editorial, que “já não é impossível imaginar este socialista de 74 anos
candidato pelo Partido Democrata”.
Como
no caso de Corbyn, há uma correlação direta entre a força de Sanders e a
intensidade e amargura dos ataques baixos desencadeados contra ele por
Washington, a estrutura partidária e a mídia. No Reino Unido, esta curiosa
revolta elitista passou por sete fases; e nos EUA, a reação a Sanders segue a
mesma trajetória. Ei-la:
Fase
1: Condescendência
polida diante do que é percebido como algo inofensivo (achamos realmente
ótimo que
ele possa expressar seus pontos de vista).
Fase
2: Ironia leve e casual à medida em que cresce a confiança dos apoiadores
do candidato (não, caros, um extremista de esquerda não vencerá, mas é muito
bom ver vocês tão animados)
Fase
3: Auto-piedade e
lições graves de etiqueta dirigidas aos apoiadores, após a constatação de não
estão cumprindo seu dever de rendição MEEK, temperada com doses pesadas de (ninguém
é tão
rude com os jornalistas, ou os ataca tanto, nas redes sociais, como estesradicais,
e isso, infelizmente, está enfraquecendo
as causas de seu candidato)
Fase
4: Tentar colar, no candidato e em seus apoiadores, insinuações
de sexismo e racismo, afirmando falsamente que
apenas homens brancos os apoiam (você gosta deste candidato porque ele é
branco e homem como
você – não
devido a sua ideologia ou políticas, nem
porsua oposição às políticas pró-guerra e pró-corporações da
elite do partido).
Fase
5: Difusão escancarada de ataques
de direita para demonizar e marginalizar o candidato, quando as
pesquisas comprovarem que ele é uma ameaça real (ele é fraco
contra o terrorismo, irá render-se
ao ISIS, faz alianças
bizarras e é um clone de Mao e
Stalin).
Fase 6: Lançamento de alertas graves ou histéricos sobre o apocalipse à frente, em caso de derrota do candidato do establishment, quando a possibilidade de perder torna-se imenente (suas ideias irão sofrerderrotas por décadas, talvez por várias gerações, se você desobedecernossas advertências sobre que candidato escolher).
Fase
7: Derretimento
completo, pânico, reprovações, ameaças,recriminações, cotoveladas
presunçosas, associação
aberta com a direta, completa fúria (Eu não posso mais, em sã consciência,
apoiar este partido de aloprados, adoradores de terroristas, comunistas e
bárbaros).
O
Reino Unido está bem na Fase 7, e talvez seja capaz de inventar em breve um
novo estágio (militares britânicos anônimos ameaçaram
promover um motim, caso Corbyn seja eleito democraticamente
primeiro-ministro). Nos EUA o establishment político e a mídia
pró-Partido Democrata estão na Fase 5 há semanas, e parecem prestes a entrar na
Fase 6. A passagem à Fase 7 é certa, caso Sanders vença as primárias em Iowa.
É
normal e legítimo, nas eleições, que as campanhas de cada candidato critiquem
duramente os demais. Não há nenhum problema nisso: seria ótimo que os
contrastes aparecessem claramente, e quase não surpreende que isso seja feito
com agressividade e aspereza. As pessoas chegam a extremos, para obter poder. É
da natureza humana.
Mas
isso não impede as pessoas de pesar os ataques que fazem, nem significa que
estes estejam imunes a críticas (a exploração grosseira e cínica dos temas de
gênero pelos apoiadores de Hillary, para sugerir que o apoio a Sanders
baseia-se em sexismo foi especialmente desonesta, quando se que os grupos de
esquerda que hoje defendem o candidato tentaram,
por meses, lançar a candidatura de Elisabeth Warren – para não dizer do
vasto número de apoiadoras
do senador).
Gente
de todos os partidos, e em todo o espectro político, está enojada com as
disputas em Washington. Não surpreende que um amplo número de adultos
norte-americanos busquem uma alternativa a uma candidata como Hillary.
Mergulhada no dinheiro de Wall Street (tanto política quanto pessoalmente), ela
mostra-se incapaz de desaprovar uma única guerra, e sua única convicção parece
ser a que qualquer coisa pode ser dita ou feita, para assegurar sua própria
vitória.
A
natureza dos establishments é baterem-se desesperadamente pelo poder,
e atacar com fervor sem limites qualquer um que desafie ou ameace aquele poder.
Foi o que ocorreu no Reino Unido com a emergência de Corbyn e o que se repete
nos EUA com a ascensão de Sanders. Não surpreende que os ataques a ambos sejam
tão parecidos – a dinâmica dos privilégios do establishment é a mesma
– mas não deixa de ser chocante que os scripts sejam idênticos.
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