Retrógrado,
misógino, intolerante, Reino de Saud financia e estimula o ISIS. Decapitou
47 opositores, no primeiro dia do ano. É o grande aliado do “mundo livre”
no Oriente Médio…
Nuno
Ramos de Almeida - Outras Palavras
“Era
de manhã em Karbala, cidade a cerca de 100 quilômetros ao sul de Bagdad, e o
mercado local estava cheio quando todos ouviram gritos. Um grupo de homens
vestidos de preto, levando espadas e bandeiras negras, invadiu o mercado
matando crianças, mulheres, idosos e adultos. Avançaram pelas ruas até tomar o
controle de toda a cidade. Neste dia, cerca de 4 mil pessoas morreram. Os
homens vestidos de preto que organizaram esta matança não eram do grupo
autodenominado Estado Islâmico. O massacre ocorreu há mais de 200 anos e o
grupo era comandando por um dos primeiros governantes da Arábia Saudita, que
acabava de formar um novo movimento religioso: o wahabismo”, recorda a
insuspeita BBC.
A
história tem várias versões, mas resumindo e simplificando conta-se da seguinte
maneira: uma vez pediram ao ocupante de turno da Casa Branca que se
pronunciasse sobre Anastásio Somoza Garcia, o primeiro da família como ditador
da Nicarágua. O líder do mundo livre terá feito um silêncio e respondido: “é um
filho da puta, mas é o nosso filho da puta”.
Só
essa lógica oportunística justifica o apoio dos Estados Unidos e dos seus
aliados europeus à monarquia reinante na Arábia Saudita. Mas essa lógica de ter
aliados pouco recomendáveis para fazerem o jogo mais sujo, arrisca-se a
rebentar-lhes nas mãos, como os apoios que deram a Bin Laden durante a guerra
do Afeganistão contra a ocupação soviética.
Não
só vêm da Arábia Saudita os principais financiamentos a grupos terroristas como
o Estado Islâmico; também é o reino que fornece a sua base ideológica: sem o
wahabismo, doutrina salafista, pregada pelo poder saudita, não haveria
interpretações radicais do Islã, que transformam a religião muçulmana numa
identidade assassina para todas as pessoas, inclusive os muçulmanos que não
acreditam numa interpretação feudal, misógina e conservadora que viola
repetidamente as palavras do Corão. Por todo o mundo muçulmano, os sauditas
exportaram a sua forma de religião, com o dinheiro do petróleo financiam
madrassas e outras escolas religiosas que propagam o salafismo além fronteiras.
Esse
apostolado tem tido frutos venenosos: quando vemos como regride a situação
das mulheres nas zonas libertadas do Sahara Ocidental ou da Palestina,
percebemos o papel da influência religiosa do wahhabismo.
Finalmente,
a Arábia Saudita é a concretização na prática do que seria um país dirigido
pelo Estado Islâmico. Nesse território, as mulheres são seres de segunda, os
imigrantes são abaixo de cão, os não crentes podem ser mortos, os estrangeiros
estão proibidos de visitar às cidades sagradas de Meca e Medina, e qualquer
oposição ao poder despótico vigente é condenada à morte por decapitação.
No
entanto, com a execução neste sábado de 47 condenados, entre os quais o clérigo
xiita Nimr al Nimr, a estratégia terrorista de apoios ao Estado Islâmico
atingiu um novo e perigoso patamar. O líder dos xiitas da Arábia Saudita foi
preso, torturado e decapitado. As suas últimas palavras foram um aviso: “a
minha morte será um motivo para ação”. Esse aviso há muito que monarquia
saudita conhece: aquilo que se pretende com esta execução é transformar a
guerra contra o Estado Islâmico num conflito entre sunitas e xiitas.
O
governo da Arábia Saudita está envolvido numa guerra em várias frentes contra
os xiitas, nomeadamente no Iemen, Bahrein, Síria e Iraque. Os governos do
Ocidente têm fechado os olhos a estas ações, porque elas são contra a maior
potência xiita, o Irã. Mas as ruas de Paris são a prova que não há guerras
limpinhas para os aliados do reino. Um conflito que opusesse sunitas e xiitas
poderia salvar, momentaneamente, o Estado Islâmico e Riad, mas conduziria o
mundo a uma guerra sem fronteiras.
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