Miguel
Guedes – Jornal de Notícias, opinião
O
talento para acabar em beleza é uma arte de quem suspeita que, pelo fim, deve
fazer bem melhor do que fez no passado ou fazer tudo o que não conseguiu criar,
cumprir ou acabar. Um sortilégio de brio e boa ventura, a marca de água no
"photo-finish", o fechar da porta que deixa a sala respirar. O último
ano do segundo mandato de um presidente pode ser à porta fechada ou ancorado na
perspectiva de fechar a porta. Faz toda a diferença. Aqueles presidentes que
abdicam de um passeio até à coroação semimonárquica, aqueles que aproveitam o
derradeiro suspiro para deixar obra ao invés de enviar cupões de aspiração ao
pleno para a memória colectiva são os que não querem ser amados pela ausência,
mas sim guardados pelas melhores razões. São esses os presidentes que, normalmente,
reservam viagem para o futuro.
Até
9 de Março, dia em que o novo presidente da República tomará posse, Cavaco
Silva viverá com os poderes mitigados por uma eleição presidencial a que
assiste em missão-estátua, fazendo as malas após ser constrangido a fazer algo
que a História o obrigou pela utilização de fórceps. O seu último acto foi uma
contrariedade e será sempre essa a sua última marca: a de ser obrigado a
aprender democracia ao vivo e em directo, coagido por aqueles que nunca pensou
terem voto de qualidade na matéria. Sem popularidade, ultrapassado pela
realidade que dizia conhecer em todos os cenários, foi relevante pelo bloqueio.
Nos
antípodas mas também com a campanha eleitoral à porta, Barack Obama enfrenta o
seu último ano de mandato determinado a continuar a ser relevante. Só se
ressuscitar como ícone o conseguirá. Com o Congresso controlado pelos
Republicanos e com um índice de confiança a rondar os 44% dos americanos,
poderá deixar a sua última marca pelo acordo comercial Pacífico-Asiático e
através da nova legislação sobre o sistema criminal (enquanto trava a dura luta
interna pela regulação da venda e posse de armas). A bem ou a mal, Reagan, Clinton
e George W. Bush conseguiram marcar o seu último ano por resoluções fortíssimas
de política externa, elegendo os seus parceiros e inimigos. Obama poderá lidar
com a questão síria, a relação russo-ucraniana, mas não se adivinha nenhuma
possibilidade de acção que suplante o acordo nuclear com o Irão ou a resolução
da Cimeira do Clima.
Dois
presidentes no último ano. Obama fez história, mas só a guerra deixa marcas no
último ano, raramente a paz. Cavaco, à portuguesa, travou a sua guerra interna.
Perdeu e perdeu um ano nisto.
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