Isabel
Moreira – Expresso, opinião
Marcelo
Rebelo de Sousa apresenta-se como um candidato popular, que agrada, que é
simpático. Com habilidade, foge a todas as questões sobre o país, foge a todas
as questões que impliquem a tomada de uma posição. Foge ao concreto, por uma
razão simples: porque o seu passado político e a sua campanha televisiva
travestida de comentador estão repletos de contradições, de uma coisa e do seu
contrário, de colagem ao poder quando lhe convém, como Cavaco. Foi o caso da
defesa da não fiscalização preventiva de orçamentos de estado claramente
violadores dos direitos dos pensionistas e dos funcionários públicos, da
consequente crítica ao TC e da recente tentativa de apagamento dessa posição.
Por
isso, Marcelo diverte-se – e eventualmente diverte – com coisas sérias, mostrando
a característica mais evidente deste candidato à presidência: Marcelo não é
confiável. Para Marcelo a política não foi bem-comum, mas entretenimento e
tática: Marcelo não é confiável.
Marcelo
“comentou” a vida política nacional todas as semanas, durante os últimos quatro
anos e não sabemos o que pensa Marcelo, o que sendo uma tática, é gravíssimo.
Basta formular algumas questões ao candidato e desafiar o leitor a tentar
recordar-se de uma posição firme de Marcelo (tem a inconstância de Cavaco): - foi
favorável à política de ajustamento fiscal do governo durante os últimos quatro
anos ou evitou a questão?; Acredita que serão necessárias mais medidas
impopulares ou não responde ou nunca respondeu?; Que leitura fez ou faz do
Tratado Orçamental?; Sempre defendeu candidaturas pessoais renegando, por
exemplo no seu caso, a sua vinculação à área política da direita?
Qual
é a conclusão?
Marcelo
é imprevisível, é um risco, Marcelo não é confiável.
Quanto
à ética republicana de Marcelo, diz o candidato mais beneficiado até hoje por
uma campanha, que tem aversão aos candidatos que, como Sampaio da Nóvoa, fazem
campanhas, “gastam dinheiro” a difundir as suas ideias, não se bastam a si
próprios. Isto, para qualquer republicano e para qualquer democrata é repugnante.
Durante
o fascismo, não era possível escrever panfletos, livros, o que quer que seja,
expressando o nosso livre pensamento e uma das conquistas de Abril foi precisamente a
política aberta, livre, com campanhas, sim, que custam dinheiro (no caso de
Sampaio da Nóvoa, pouco), sim, porque nada mais à borla do que uma ditadura.
O
argumento populista, antirrepublicano de Marcelo e pouco democrático quer fazer
passar a mensagem de que o povo sabe quem ele é, mas como disse e bem Sampaio
da Nóvoa, ficamos a saber que se Marcelo não precisa de ouvir ninguém, se fosse
presidente não ouviria ninguém, seria um presidente-rei, uma personalidade
autossuficiente, surda ao povo que o tinha elegido.
Quanto
às tomadas de posição de Marcelo acerca de questões de direitos fundamentais,
estamos recordados que tem como vitória do seu passado o primeiro referendo à
IVG que matou por mais dez anos tantas e tantas mulheres.
Agora
diz que é coisa do passado e que promulgaria a lei que “acaba com as taxas
moderadoras”. Perdão? Marcelo, em 2015, foi signatário da iniciativa
legislativa de cidadãos “direito a nascer” que deu azo à lei perseguidora das
mulheres agora revogada. A iniciativa que assinou e promoveu previa facadas
como estas, quase todas vertidas na lei revogada: fim do sigilo da IVG (taxas
moderadoras); obrigação das mulheres assinarem e verem a ecografia do feto
antes da IVG; depois da consulta, as mulheres deixariam de poder refletir
sozinhas durante 48 horas, mas acompanhas por médicos e por IPSS; entrariam no
processo médicos objetores de consciência para doutrinarem as mulheres; as
mulheres seriam forçadas a dizer o nome do pai e este teria uma palavra a dizer
(que podia ser um violador); após a IVG, as mulheres seriam sujeitas a uma
consulta compulsiva, repito, compulsiva. O que tem Marcelo a dizer acerca desta
sua aliança com o setor tea party português contra as mulheres?
Hoje
Marcelo diz que promulgaria a lei que permite a adoção por casais do mesmo
sexo, mas o que fez à sua abjeção tão violenta pela igualdade que o levou ao
ponto, em 2010, de ser o único político, juntamente com Ribeiro e Castro, a
manifestar-se ao lado do PNR? De onde lhe vem a capacidade de unir esforços a
neonazis? Fácil. À sua máxima de que os fins justificam todos os meios (tal
como Cavaco): Marcelo esteve do lado injusto da história, Marcelo é
contraditório, Marcelo não é confiável.
Ora,
sobretudo nos tempos que correm, o que se espera de um presidente? Confiança,
previsibilidade, imparcialidade, independência, defesa dos valores da igualdade
previstos na Constituição que o presidente jura cumprir.
Marcelo
não só não preenche, como ofende todos estes requisitos.
E
Maria de Belém? Esta candidata consegue o feito de ferir de morte a ética
republicana quando reserva o direito a ser-se candidato a quem anda “nisto na
política “ há muito tempo. Já Sampaio da Nóvoa – que a candidata não tem por
político na cidade – “ não pode começar a vida política pelo topo”.
Esta
visão inovadora contrária à Constituição traduz uma tese de casta, de
exclusividade, de privilégio ou mesmo monopólio no que toca à candidatura a um
cargo político por parte de quem, nesse domínio restrito, fez uma carreira.
Maria de Belém entende, assim, que ser filiada no PS e ter uma carreira
política exclui do conceito de política quem tem uma vida longa, com
provas dadas, na cidadania, na Universidade, como atuar-se napolis não
fosse também política. Pior: Sampaio da Nóvoa valoriza os partidos políticos e
a participação dos cidadãos na vida que é de todas e de todos e Maria de Belém
que tinha no passado reconhecido que um dos problemas da atualidade era o da
falta de abertura dos partidos políticos à cidadania vem agora aderir ao
detestável conceito de classe política na qual ninguém entra.
Como
feminista, é evidente que tenho por fundamental a presença de mulheres em
cargos de topo. Mas não é qualquer mulher que deve fazer ou marcar esse momento
histórico. Tem de ser uma mulher que precisamente por causa da
histórica coletiva de discriminação de género, leve consigo, sem hesitações, um
combate feroz a esse passado ainda presente.
Ora
Maria de Belém está longe de ter uma agenda de igualdade e de não discriminação
como a que Sampaio de Nóvoa apresenta. Nem a poderia ter. Porque foi desde logo
responsável, em 2006, pela defesa acérrima da exclusão de mulheres não casadas
ou unidas de facto com um homem no acesso a técnicas de procriação medicamente
assistida. E hoje, em 2016, com uma sociedade tão mais avançada em termos de
conquista de igualdade de direitos, continuamos sem lhe conhecer uma indignação
perante a mais gritante humilhação das mulheres presentes na lei. Essa de se
permitir que uma mulher sirva para dar um filho a um homem e que
recuse a solteiras, a viúvas, a casais de lésbicas o direito, na sua plena
autonomia, de aceder à maternidade, apenas porque não têm a tutela de um homem.
Hoje,
as mulheres podem escolher livremente, em consciência, recorrer à IVG até às 10
semanas – possibilidade pela qual Maria de Belém, lutou com base em argumentos
de saúde e argumentos economicistas, nunca mencionando a autonomia das mulheres
- mas não podem ser mães se não forem casadas ou unidas de facto com um homem
que pode ser estéril. A hipocrisia dos tempos do aborto clandestino que atirava
para Espanha quem pudesse repete-se em 2016, para quem pode. Mais uma vez, é
Sampaio de Nóvoa, um homem, e não Maria de Belém, uma mulher, que tem isto por
ultrajante.
Também
nunca vi em Maria de Belém uma defesa ativa como vejo em Sampaio da Nóvoa dos
direitos das pessoas LGBT, que são uma luta indissociável da luta pelos
direitos das mulheres.
É
assim, por isso, que exatamente por ser feminista e republicana que
voto em Sampaio da Nóvoa e não em Marcelo Rebelo de Sousa ou em Maria de Belém.
Quero
um Presidente que me garante os valores mais atingidos por Cavaco sem a
denúncia clara de Marcelo: os valores da confiança, da independência, da defesa
intransigente e sem tacticismos da Constituição, da igualdade de género e da
não discriminação e da autenticidade. Só Sampaio da Nóvoa me garantiu todos
eles.
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