Rui Peralta, Luanda
Não
existem povos com maior tradição de resistência sob a forma de mobilização
popular, protestos, concentrações e actos públicos de desobediência civil que
os mais de 3 mil povos africanos. A todas as lutas da História de qualquer
povo, os povos africanos anexam as lutas contra os seculos de colonialismo, as
lutas contra a escravatura, as lutas de libertação nacional, as lutas pela
manutenção da independência nacional, as lutas contra o neocolonialismo e a
grande luta pelo desenvolvimento e modernização, a luta contra a fome e a
miséria, contra a pobreza e contra a condição periférica que as hegemonias
pretendem atribuir a África.
Durante
a ocupação colonialista os movimentos civis e sociais foram de uma importância
crucial na luta pela afirmação da soberania popular africana. Foram movimentos
sociais de massa, enormes, umas vezes organizados, outras, espontâneos, em
alguns casos violentos, na maioria, pacíficos, mas sempre constantes, activos e
fortes. Estas características passaram para as realidades pós-coloniais e os
movimentos sociais africanos (em alguns casos, nos regimes neocoloniais, tão
reprimidos como na época colonial) são, hoje, movimentos com capacidade de
influir na decisão dos Estados africanos, assumindo as suas exigências de
justiça social e de democratização da vida politica, económica, social e
cultural.
Nas
áreas rurais surgem, geralmente, como movimentos comunitários, com
revindicações sobre terras e direitos às terras, ou como movimentos de género,
conduzido por mulheres que se organizam em cooperativas de consumo e de
produção. Nos centros urbanos, os movimentos têm, obviamente, outra génese.
Podem ser movimentos grevistas, ou de revindicações de direitos sociais e de
direitos básicos, movimentos estudantis ou movimentos de revindicação dos
direitos de minorias culturais e/ou étnicas. Em alguns casos as suas lideranças
chegaram ao Poder politico (caso de Patrice Lumumba no Congo, Thomas Sankara no
Burkina Faso, Mandela na África do Sul) enquanto, noutros casos, os seus
líderes voltaram a desempenhar as funções que detinham anteriormente ou,
simplesmente desapareceram (da vida social ou do mundo dos vivos).
A
maioria das sociedades africanas enfrentam problemas e situações complexas, aos
quais os seus governos não conseguem – ou não têm capacidade – para fazer
frente, como sejam as crises de refugiados, a degradação ambiental, as
politicas sociais, as redes eléctricas de distribuição, as redes sanitárias,
problemas graves nas politicas de saúde e de educação, problemas enormes com a
produtividade, etc. Muitos destes problemas são levantados e a sua solução
encontra-se nas respostas, acção e revindicações dos movimentos sociais
africanos e não nas comprometidas e fragilizadas politicas governamentais. E em
muitos momentos históricos, diferenciados, foram os movimentos sociais
africanos que marcaram o percurso dos acontecimentos.
Se
recuarmos ao momento histórico colonial basta observar o que ocorreu com a
ocupação francesa da África Ocidental. Não foi apenas a guerra de 10 anos que
os franceses travaram contra os britânicos nesta região, que dificultou esta
colonização mas, essencialmente, a resistência dos povos da zona (o antigo império
Songhai, por exemplo) que obrigaram a França a efectuar a maior campanha
militar em África. Mais tarde a França dividiu a região em pequenos
departamentos provinciais ultramarinos, originando o Alto Volta (actual Burkina
Faso), Mali, Senegal, etc. com o objectivo de aumentar o controlo das
populações e de impedir que se formassem grandes movimentos sociais nessa vasta
área territorial, como aconteceu várias vezes.
Um
exemplo concreto de um grande movimento social desencadeado durante a ocupação
colonial foi o ocorrido em Angola, na Baixa do Kasanje, em Janeiro de 1961 e
que antecedeu os levantamentos armados do 4 de Fevereiro de 1961, início da
luta armada de libertação nacional, e os de 15 de Março do mesmo ano. O
movimento inicia-se nas terras do Kwango e na Baixa do Kasanje, a 4 de Janeiro
quando os camponeses protestaram contra as condições em que trabalhavam, contra
a cultura única do algodão (monopólio da Cotonang) e contra o pagamento do
imposto a que estavam sujeitos pelas autoridades coloniais portuguesas. O
movimento foi selvaticamente reprimido tendo, os colonialistas portugueses,
utilizado meios aéreos para bombardearem aldeias com bombas incendiárias.
Kasanje tornou-se um campo experimental para o exército português. O resultado
foi uma tragédia, com a morte de milhares de civis.
Na
actualidade o desenvolvimento das novas tecnologias da comunicação e as redes
sociais possibilitaram outros modos de aceder á informação e de processar a
comunicação. Estas tecnologias possibilitaram uma maior visibilidade dos
movimentos sociais africanos, tanto a Norte (como aconteceu com as Primaveras
do Norte de África – vulgo e erradamente conhecidas por Primaveras Árabes - na
Tunísia, Líbia – que acabou com a destruturação da nação líbia devido á
intervenção da NATO e dos grupos de mercenários fascistas islâmicos - e no
Egipto, mas com repercussões na Argélia e em Marrocos, afectando todo o Norte
do continente) e a Sul do Sahara. Em simultâneo, as novas tecnologias da
comunicação, possibilitaram novas formas de mobilização e de organização.
Em
África os telemóveis e a Internet revolucionaram a comunicação. O mercado
africano é o maior mercado de telemóveis e a utilização das novas tecnologias
da comunicação cresce, aqui, sete vezes mais que no resto do mundo. Com este
conhecimento os africanos aproveitaram com êxito, nas Primaveras do Norte de
África, as audiências que estes meios possibilitaram, irrompendo pelo Ocidente,
lançando mensagem destinadas a estas audiências em diversas línguas. Desta
forma os movimentos sociais podem sair da invisibilidade a que os tentam
submeter. Difundem as suas acções e os seus manifestos e revindicações.
É
evidente que há os aproveitamentos do exterior, que tentam capturar os
movimentos para outros fins. Mas isso sempre aconteceu. Quando as dinâmicas
internas se cruzam com as dinâmicas externas isso torna-se, geralmente,
inevitável. O mesmo se passou com as lutas de libertação nacional, quando os
movimentos foram colocados nos tabuleiros de xadrez da guerra fria. Ou com as
lutas travadas pelos povos africanos durante a implementação colonial, que eram
aproveitadas pelas potências colonias para afectar o domínio da potência
concorrente. O que ocorre no espaço nacional origina diversos fenómenos no
espaço internacional e vice-versa.
O
que importa reter é a importância que os movimentos sociais africanos detêm nas
suas sociedades e na realidade africana como um todo. Representam um factor
fundamental no aprofundamento da democratização do continente e na continuidade
dos projectos históricos de libertação nacional e, simultaneamente, da
integração do continente. Representam importantes dinâmicas de progresso e de
desenvolvimento e são um factor de autonomia cidadã, de autogestão e de
reapropriação dos recursos naturais e são uma resposta das sociedades africanas
aos problemas que as afligem.
Do
aproveitamento efectuado pelas hegemonias da economia-mundo depende a atitude
dos governos africanos. O Estado Democrático de Direito implica autonomia
cidadã, baluarte da soberania popular. Implica, também, soberania nacional e
defesa da integridade territorial. E isto apenas é possível se o Estado servir
a Nação, se corresponder aos seus anseios. Caso contrário, caso a Nação seja um
instrumento dos interesses do Estado, é inevitável a instabilidade social e a
continuação da situação periférica das economias africanas.
E,
neste ultimo caso, assistiremos á perpetuação do neocolonialismo em África, sob
uma nova capa, tão deprimente e totalitária como o colonialismo: o Estado
Oligárquico de Direito…
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