terça-feira, 12 de janeiro de 2016

SOBRE MOVIMENTOS SOCIAIS NA ATUALIDADE AFRICANA



Rui Peralta, Luanda

Não existem povos com maior tradição de resistência sob a forma de mobilização popular, protestos, concentrações e actos públicos de desobediência civil que os mais de 3 mil povos africanos. A todas as lutas da História de qualquer povo, os povos africanos anexam as lutas contra os seculos de colonialismo, as lutas contra a escravatura, as lutas de libertação nacional, as lutas pela manutenção da independência nacional, as lutas contra o neocolonialismo e a grande luta pelo desenvolvimento e modernização, a luta contra a fome e a miséria, contra a pobreza e contra a condição periférica que as hegemonias pretendem atribuir a África.

Durante a ocupação colonialista os movimentos civis e sociais foram de uma importância crucial na luta pela afirmação da soberania popular africana. Foram movimentos sociais de massa, enormes, umas vezes organizados, outras, espontâneos, em alguns casos violentos, na maioria, pacíficos, mas sempre constantes, activos e fortes. Estas características passaram para as realidades pós-coloniais e os movimentos sociais africanos (em alguns casos, nos regimes neocoloniais, tão reprimidos como na época colonial) são, hoje, movimentos com capacidade de influir na decisão dos Estados africanos, assumindo as suas exigências de justiça social e de democratização da vida politica, económica, social e cultural.

Nas áreas rurais surgem, geralmente, como movimentos comunitários, com revindicações sobre terras e direitos às terras, ou como movimentos de género, conduzido por mulheres que se organizam em cooperativas de consumo e de produção. Nos centros urbanos, os movimentos têm, obviamente, outra génese. Podem ser movimentos grevistas, ou de revindicações de direitos sociais e de direitos básicos, movimentos estudantis ou movimentos de revindicação dos direitos de minorias culturais e/ou étnicas. Em alguns casos as suas lideranças chegaram ao Poder politico (caso de Patrice Lumumba no Congo, Thomas Sankara no Burkina Faso, Mandela na África do Sul) enquanto, noutros casos, os seus líderes voltaram a desempenhar as funções que detinham anteriormente ou, simplesmente desapareceram (da vida social ou do mundo dos vivos).

A maioria das sociedades africanas enfrentam problemas e situações complexas, aos quais os seus governos não conseguem – ou não têm capacidade – para fazer frente, como sejam as crises de refugiados, a degradação ambiental, as politicas sociais, as redes eléctricas de distribuição, as redes sanitárias, problemas graves nas politicas de saúde e de educação, problemas enormes com a produtividade, etc. Muitos destes problemas são levantados e a sua solução encontra-se nas respostas, acção e revindicações dos movimentos sociais africanos e não nas comprometidas e fragilizadas politicas governamentais. E em muitos momentos históricos, diferenciados, foram os movimentos sociais africanos que marcaram o percurso dos acontecimentos.

Se recuarmos ao momento histórico colonial basta observar o que ocorreu com a ocupação francesa da África Ocidental. Não foi apenas a guerra de 10 anos que os franceses travaram contra os britânicos nesta região, que dificultou esta colonização mas, essencialmente, a resistência dos povos da zona (o antigo império Songhai, por exemplo) que obrigaram a França a efectuar a maior campanha militar em África. Mais tarde a França dividiu a região em pequenos departamentos provinciais ultramarinos, originando o Alto Volta (actual Burkina Faso), Mali, Senegal, etc. com o objectivo de aumentar o controlo das populações e de impedir que se formassem grandes movimentos sociais nessa vasta área territorial, como aconteceu várias vezes.

Um exemplo concreto de um grande movimento social desencadeado durante a ocupação colonial foi o ocorrido em Angola, na Baixa do Kasanje, em Janeiro de 1961 e que antecedeu os levantamentos armados do 4 de Fevereiro de 1961, início da luta armada de libertação nacional, e os de 15 de Março do mesmo ano. O movimento inicia-se nas terras do Kwango e na Baixa do Kasanje, a 4 de Janeiro quando os camponeses protestaram contra as condições em que trabalhavam, contra a cultura única do algodão (monopólio da Cotonang) e contra o pagamento do imposto a que estavam sujeitos pelas autoridades coloniais portuguesas. O movimento foi selvaticamente reprimido tendo, os colonialistas portugueses, utilizado meios aéreos para bombardearem aldeias com bombas incendiárias. Kasanje tornou-se um campo experimental para o exército português. O resultado foi uma tragédia, com a morte de milhares de civis.

Na actualidade o desenvolvimento das novas tecnologias da comunicação e as redes sociais possibilitaram outros modos de aceder á informação e de processar a comunicação. Estas tecnologias possibilitaram uma maior visibilidade dos movimentos sociais africanos, tanto a Norte (como aconteceu com as Primaveras do Norte de África – vulgo e erradamente conhecidas por Primaveras Árabes - na Tunísia, Líbia – que acabou com a destruturação da nação líbia devido á intervenção da NATO e dos grupos de mercenários fascistas islâmicos - e no Egipto, mas com repercussões na Argélia e em Marrocos, afectando todo o Norte do continente) e a Sul do Sahara. Em simultâneo, as novas tecnologias da comunicação, possibilitaram novas formas de mobilização e de organização.

Em África os telemóveis e a Internet revolucionaram a comunicação. O mercado africano é o maior mercado de telemóveis e a utilização das novas tecnologias da comunicação cresce, aqui, sete vezes mais que no resto do mundo. Com este conhecimento os africanos aproveitaram com êxito, nas Primaveras do Norte de África, as audiências que estes meios possibilitaram, irrompendo pelo Ocidente, lançando mensagem destinadas a estas audiências em diversas línguas. Desta forma os movimentos sociais podem sair da invisibilidade a que os tentam submeter. Difundem as suas acções e os seus manifestos e revindicações.

É evidente que há os aproveitamentos do exterior, que tentam capturar os movimentos para outros fins. Mas isso sempre aconteceu. Quando as dinâmicas internas se cruzam com as dinâmicas externas isso torna-se, geralmente, inevitável. O mesmo se passou com as lutas de libertação nacional, quando os movimentos foram colocados nos tabuleiros de xadrez da guerra fria. Ou com as lutas travadas pelos povos africanos durante a implementação colonial, que eram aproveitadas pelas potências colonias para afectar o domínio da potência concorrente. O que ocorre no espaço nacional origina diversos fenómenos no espaço internacional e vice-versa.

O que importa reter é a importância que os movimentos sociais africanos detêm nas suas sociedades e na realidade africana como um todo. Representam um factor fundamental no aprofundamento da democratização do continente e na continuidade dos projectos históricos de libertação nacional e, simultaneamente, da integração do continente. Representam importantes dinâmicas de progresso e de desenvolvimento e são um factor de autonomia cidadã, de autogestão e de reapropriação dos recursos naturais e são uma resposta das sociedades africanas aos problemas que as afligem.

Do aproveitamento efectuado pelas hegemonias da economia-mundo depende a atitude dos governos africanos. O Estado Democrático de Direito implica autonomia cidadã, baluarte da soberania popular. Implica, também, soberania nacional e defesa da integridade territorial. E isto apenas é possível se o Estado servir a Nação, se corresponder aos seus anseios. Caso contrário, caso a Nação seja um instrumento dos interesses do Estado, é inevitável a instabilidade social e a continuação da situação periférica das economias africanas.

E, neste ultimo caso, assistiremos á perpetuação do neocolonialismo em África, sob uma nova capa, tão deprimente e totalitária como o colonialismo: o Estado Oligárquico de Direito…

Sem comentários:

Mais lidas da semana