O
regime de anarquia económica e financeira que matou a política, fez da guerra o
instrumento favorito de rapina e desregulação, deixou a Terra em agonia
climática e ambiental, criou milhões e milhões de novos pobres, famintos,
deslocados e refugiados está caduco. Porém, os estertores finais em que se
debate ameaçam ser longos e catastróficos, porque tentará deitar a mão a tudo
para sobreviver e, como sempre, não olhará a meios para alcançar esse fim.
Os
sinais são muitos e, além disso, indubitáveis. Poderia citar o desespero em que
vive a União Europeia como consequência dos efeitos perversos da ortodoxia
neoliberal; além disso, os ricochetes da cultura de guerra e do terrorismo
estão a atingir aqueles que a puseram em prática, cuidando que poderiam beneficiar
de imunidade total e impunidade absoluta; as massas desesperadas, já com pouco
ou nada a perder, movem-se em ondas de pânico por todo o planeta, desaquietando
as sociedades “civilizadas” que lhes deram origem e, mesmo quando não reclamam
vinganças, despertam memórias de crimes que muitos julgavam enterradas e
provocam transtornos insanáveis.
Outro
sinal gritante é o que se passa na política, tornada vazia de ideias e de
conceitos pelas práticas inquisitoriais do mercado desde os anos oitenta do
século passado, e ressurgindo agora do vazio, razão pela qual é ainda um magma
onde escasseia substância consolidada.
É
fácil identificar a situação existente na Europa como exemplo do que ficou
escrito; aqui abundam as provas da falência do sistema bipartidário – na
verdade escondendo uma prática monolítica entregue aos grumetes do mercado. O
que acontece em Portugal, Espanha, Grécia, França, Itália, países nórdicos,
países de Leste e na própria Alemanha demonstra que a ordem política neoliberal
se esgotou e, no deserto político e de ideias que impôs durante décadas,
despontam múltiplas correntes, restauradas e de nova geração, reveladoras da
saturação dos cidadãos com a ordem estabelecida e os efeitos que gerou.
Essas
opções aparecem, naturalmente, fora do contexto bipartidário, à esquerda, por
um lado, e ainda mais à direita daquele, assumindo de maneira ostensiva o cariz
fascista e populista, onde não é difícil detectar o desespero neoliberal, o
plano B do mercado, a fusão absoluta das ditaduras política e económico-financeira.
Exemplo
flagrante de tal é o que está a acontecer nos Estados Unidos da América. E
quando isso ocorre na pátria do bipartidarismo monolítico e da ditadura
económico-financeira posta em prática pelo neoliberalismo, estamos perante a
mais contundente e reveladora prova de que o sistema entrou, de facto, em
agonia.
Talvez
seja cedo para tirar conclusões da pouca substância produzida ainda no início
do longo processo de designação de um novo presidente norte-americano, mas os
sinais estão lá: o descrédito atinge em cheio as figuras mais identificadas com
o regime, dando espaço, como acontece também na Europa, ao aparecimento de
opções para levar a sério tanto à esquerda – o que quer que seja isso nos
Estados Unidos da América – como ainda mais à direita, neste caso o fascismo
sem máscara de Donald Trump.
Ao
contrário do que tanto intriga a comunicação de “referência”, o que está em
causa nos Estados Unidos não são os problemas de afirmação propagandística da
senhora Clinton, do gusano Cruz ou de outras e outros da mesma extracção.
Alguns anos depois, Trump é aquilo que a fascista Sara Pallin não conseguiu ser
com o Tea Party. E Bernie Sanders afirma-se como aquele que surge de mãos
limpas, capaz de recuperar as ilusões perdidas com o que Obama não quis ser,
precisamente porque surge do exterior do sistema, não traz colado o rótulo do
establishment.
O
tempo é ainda de ler e tentar interpretar os sinais dados por este cenário,
embora seja prematuro dele tirar conclusões. No entanto, os fenómenos de Donald
Trump e Bernie Sanders configuram a manifestação muito mais poderosa de
comportamentos e tendências que outrora estiveram por detrás de Sara Pallin e
Barack Obama. Deve ressalvar-se, porém, que Trump é uma espécie de plano B do
establishment, o recurso claro ao fascismo dentro do sistema, porque este sente
que terá perdido condições para sobreviver de outra forma; e que Bernie Sanders
surge do exterior do sistema neoliberal, trazendo ao encontro de vastas camadas
saturadas com a situação, entre elas a da juventude, uma bem-intencionada
memória romântica do keynesianismo de Roosevelt, tal como Jeremy Corbin surge
no Reino Unido evocando os tempos áureos do trabalhismo com referências
laborais, nos antípodas da traição de Blair.
Sem
fazer futurologia, mas tendo a noção de que, mesmo em desespero, o
establishment é o poder nos Estados Unidos, poderá prever-se que Donald Trump
continuará com firmeza o seu caminho. Porém, não tardará que Sanders comece a
percorrer o terreno minado pela NSA e as suas equivalentes mediáticas oficiais
da espionagem e da conspiração, de modo a que a senhora Clinton, ou alguém por
ela, o ponha fora da corrida. Surpresa, surpresa mesmo, será que Sanders
consiga a nomeação democrática; nesse caso assistiríamos à mobilização total do
circo financeiro e propagandístico do sistema no apoio ao candidato republicano,
ainda que este venha a ser o fascista Trump.
Do
que parece não haver dúvidas é que estamos a assistir ao estertor do
neoliberalismo. Sabendo, por experiência histórica, que um sistema autoritário
nunca se dá por vencido, a sua agonia terá repercussões temíveis, talvez
trágicas, porque na verdade ele continua em vigor e sustenta-se na conjugação
mais terrorista de todas: a que funde a guerra com a arbitrariedade
económico-financeira e a ditadura política, cada vez menos encapotada.
*Mundo
Cão
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