quinta-feira, 31 de março de 2016

A ESTUPIDEZ DO ESCRITOR



Rafael Barbosa – Jornal de Notícias, opinião

São 17 e foram apanhados numa conspiração para derrubar o regime angolano. É certo que não tinham, no momento da detenção, nenhuma Kalashnikov. Mas esse é um argumento falacioso. Enquanto não se entendiam quanto ao modelo e ao vendedor das armas automáticas, manipulavam outro tipo de armas de destruição massiva. Um dos modelos designa-se "Da ditadura à democracia" e foi desenvolvido por um tal Gene Sharp. Pior, um dos elementos subversivos produzira a sua própria arma artesanal: "Ferramentas para destruir o ditador e evitar nova ditadura. Filosofia política da libertação para Angola". Só um lunático disposto a tudo dá um nome destes a uma arma. Não serve de atenuante o facto de não ser possível medir o calibre.

Dados estes factos, não surpreende que, numa democracia como a de Angola, em que há uma clara separação entre os poderes executivo, legislativo, judicial, militar e petrolífero (eu sei que a literatura costuma referir apenas os primeiros três, mas estamos a falar de uma democracia avançada), estes subversivos, que incluem um rapper, tenham sido condenados a pesadas penas de prisão.

Argumentam os ingénuos que preparar uma rebelião não é a mesma coisa que executar uma rebelião. Que entre falar sobre uma arma e empunhar uma arma vai pelo menos a distância de uma ida prévia à carreira de tiro. Ou ainda, e lembrando o tal rapper, que quando se diz que a "cantiga é uma arma", se está apenas a reproduzir uma metáfora. Acontece que a justiça, felizmente, é cega. Não tem de se preocupar com metáforas. Uma arma é uma arma, independentemente de usar caneta e papel, ou metal e pólvora.

Causou igualmente algum impacto em mentes suscetíveis que os 17 subversivos tenham sido acusados de associação de malfeitores. Gente como a que faz parte da Amnistia Internacional lembra que este crime não fazia parte do rol inicial e que só apareceu nas alegações finais do Ministério Público, metida a martelo, para garantir que não poderia haver suspensão das penas. Como se isso fosse uma arbitrariedade, em vez de uma demonstração de eficácia. Não estamos fartos de ver, na Comunicação Social, casos de ladrões, pedófilos e criminosos afins que, apesar de condenados, beneficiam da suspensão das penas? Não vos dá a volta ao estômago? Pois ao presidente de Angola também.

Li por estes dias que um grande escritor angolano avisou que nunca se deve subestimar a estupidez do regime. Na verdade, o que não deve é dar-se demasiado crédito a escritores. Se é escritor, publica livros. Livros são armas. Armas servem para derrubar regimes. A lógica é imbatível e é parecida com a que atirou os 17 subversivos para a cadeia. No fundo, José Eduardo Agualusa (é desse escritor que falo) não fez mais do que, estupidamente, confessar a sua culpa. Cadeia com ele.

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