Pedro
Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião
Doses
massivas de informação sob a forma de imagens, reportagens, entrevistas e
comentários, dilatadas e repetidas em cada bloco noticioso, continuam a ser
debitadas através dos meios de Comunicação Social, a pretexto dos mais recentes
atentados terroristas. Na mira de cativar audiências, esta superabundância
noticiosa combina de modo perverso ingredientes diversos. Imagens das vítimas,
dos supostos autores e dos lugares devastados pelas explosões. Entrevistas a
familiares, vizinhos e testemunhas dos atos terroristas. Fragmentos de
resultados provisórios das investigações policiais, em permanente atualização.
Especulações mais ou menos sofisticadas. Inquéritos com pretensões
"sociológicas" sobre os habitantes de áreas residenciais suburbanas,
que agravam, inevitavelmente, a respetiva estigmatização.
Nos
horários nobres, esta programação substituiu ou relegou para segundo plano toda
a atualidade política nacional, as reportagens sobre os refugiados no
Mediterrâneo ou a crise "golpista" no Brasil. Outros atentados, que
normalmente seriam minimizados por ocorrerem em regiões mais distantes do
continente europeu, merecem agora inusitada atenção, transformados em câmara de
ressonância das atribulações ocidentais. A superabundância noticiosa sobre os
atos terroristas cria a perceção falsa de que se trata de um fenómeno inédito
no "Ocidente", o que manifestamente não é verdade.
Como
todos bem sabemos, as atividades do Exército Revolucionário Irlandês - IRA -,
da ETA basca, das "Brigate Rosse" italianas ou do Baader-Meinhoff
alemão, para considerar apenas estes últimos 50 anos, dispensam-nos de recuar a
tempos mais remotos em que o terror e a violência foram protegidos como
instituição: dos autos de fé do Santo Ofício ao holocausto nazi. Sobram também
os exemplos de âmbito doméstico, desde o julgamento dos Távoras - nos tempos do
Marquês - ao Buíça, aos movimentos de libertação das colónias africanas, ao
"ELP" ou às "Brigadas Revolucionárias".
O
terrorismo é um fenómeno anterior a todas as civilizações - porventura mais
antigo do que própria invenção da escrita - e, de facto, nunca a humanidade
teve ocasião de se habituar a viver sem ele. O que o distingue na atualidade,
não são particulares motivações religiosas, étnicas ou ideológicas, o
espetáculo de brutalidade, os laços de sangue, as afinidades culturais ou
sequer a sofisticação organizativa. A diferença está na generalização do acesso
aos meios tecnológicos do nosso tempo e disso, não há forma de os excluir. A
diferença está nas sociedades cosmopolitas do nosso tempo, numa diversidade
cultural de que antes desfrutávamos como um bem mas que agora nos descrevem
como um perigo.
Reclama-se
a pretexto do horror, a drástica restrição das liberdades de todos, para
facilitar as ações das polícias, o prolongamento indeterminado dos
"estados de exceção", a resignação às violações da privacidade, a
alteração radical de velhos hábitos e profundas mudanças nos nossos modos de
vida. Identificam-se os imigrantes e refugiados com os terroristas. Alimenta-se
a perceção sinistra de que a ameaça vem do exterior, fecham-se fronteiras e
constroem-se muros como se fosse possível transformar um continente numa
fortaleza inexpugnável.
E
assim se evita, no plano interno, a ponderação dolorosa das consequências
sociais das políticas de austeridade friamente concebidas ao gosto dos mercados
financeiros. E assim se ocultam as consequências das opções de política externa
"administradas" pelo "Ocidente" na Palestina, Israel,
Afeganistão, Iraque, Síria, Líbia e Ucrânia. De Gibraltar aos Urais, permite-se
que o ódio fermente até que se confunda a vítima com o agressor, a liberdade
com a xenofobia, o sofrimento com o destino. É a hora de sair em defesa das
liberdades cívicas e da democracia social, da paz e da solidariedade. É a hora.
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