Valdemar
Cruz, jornalista do Expresso, trás à mesa o Expresso Curto para ser sorvido com
todo o ripanço, saboreando a espuma que já é Passos Coelho. Vão dar de caras
com referências ao PSD. Ao Congresso Laranja, ao peido mestre de Passos Coelho,
que em português vernáculo significa que o homenzinho que infernizou a vida dos
portugueses durante quatro anos está quase a acabar.
Valdemar fala de “Uma
selfie com Passos”. Será uma selfie dele a sair porta fora do PSD como o
maioral, o pequeno ditador. Adeus Passos, oxalá que o inferno que causaste aos
portugueses de médios, menores ou insuficientes recursos te caia em cima. Só mereces desprezo. É o que dizem os pacíficos, outros mais "escamados" até seriam mais violentos...
Passos
estará acabado, se não se nota agora vai ser limpinho-limpinho daqui por mais
um ano, no máximo, quando se concretizar a noção de que o governo de Costa vai
continuar a ser governo. Passos anda por ali, no PSD, a par da contestação que cresce para que o poleiro seja de outros. Piores ou melhores? Por lá os javardos são clones, apesar de parecerem diferentes. Enterraram a social-democracia e nem lhe fizeram o funeral, por isso aquele cheiro nauseabundo dos que o que querem é o poder maior: serem governantes e ampliar as suas vantagens, dos familiares e amigos, da seita. Tiveram um bom professor, o Cavaco. Podem tirar todos “Uma selfie com Passos”, o Passos acabado.
Bom dia? Talvez.
Redação
PG / MM
Bom
dia, este é o seu Expresso Curto
Valdemar
Cruz – Expresso
Uma
selfie com Passos
Aproxima-se
o Congresso do PSD e Pedro Passos Coelho, voltou a demonstrá-lo ontem
no debate quinzenal realizado na Assembleia da República, parece enredado no
seu próprio labirinto. Num dos momentos mais acessos da discussão, o dirigente
máximo do PSD teve de ouvir António Costa dizer-lhe que "sempre que
falamos do futuro, o senhor vem-nos falar do passado. O senhor, em vez de
falar sobre o que o país precisa, comporta-se como guardião das reformas que
fez enquanto Governo". Após um período inicial, pós-eleições, de elevados
índices de agressividade retórica, protagonizados pelo próprio Passos e
secundado pelos restantes dirigentes do PSD, o ex-primeiro-ministro encenou uma
espécie de mudança, mas há fatos desajustados a determinados corpos, por muita
ginástica que seja feita. Definitivamente, este não é o fato capaz de contornar
os factos que alimentam a narrativa de Passos. Marques Mendes já há dias
alertou na SIC para este caminho com forte componente autodestrutiva. Hoje, em
entrevista ao Público, Paulo Rangel diz entender uma inicial inércia, "mas
a partir do momento em que se fechou o novo ciclo político, o PSD já devia
estar (…) a fazer oposição mais ativa". Rui Rio, ausente do conclave,
porque se lá fosse, prevê com a sua proverbial modéstia, ainda se arriscava
"a ser um elemento central do congresso", deu ontem uma
entrevista à TSF carregada de farpas dirigidas a Passos Coelho. Como quando não
teve dúvidas em revelar de que lado estava na questão que tem vindo a ser
colocada a propósito do futuro e da localização dos centros de decisão da banca
portuguesa. Está com o primeiro-ministro e o Presidente da República e contra
as posições de Passos. Sibilino, deixa escapar: "se calhar não é assim
para um liberal, mas tenho uma perspetiva social-democrata".
Afogado numa lógica cuja validade depende em exclusivo de um eventual desastre da atual solução de governo, Passos segue um caminho demasiado arriscado e demasiado propício a uma perda de adesão à realidade. "El coronel no tiene quien le escriba" ("Ninguém Escreve ao Coronel" em português), foi um dos primeiros contos publicados por Gabriel Garcia Marquez. Um dos muitos oficiais de uma revolução, o Coronel fica anos e anos à espera do agradecimento traduzido numa carta que lhe anuncie a tão ansiada pensão. O problema é que o tempo passa, o mundo muda, a família altera-se, e ninguém escreve ao coronel, pelo menos a avisá-lo que não haverá pensão nenhuma. Talvez Passos esteja a precisar que alguém lhe escreva uma carta com citações da entrevista hoje dada por Rangel, até para o avisar que já não é primeiro-ministro, não há perspetiva de que o venha a ser tão cedo e, sim, o povo pode ser ingrato, sobretudo quando demasiado se valoriza o que se considera terem sido os feitos conseguidos. Marcelo, graças a uma hábil política de sedução, é hoje o homem ao lado de quem todos querem aparecer. O azedume ainda presente nos poros de Passos Coelho potencia o risco de o transformar no político com o qual ninguém quer tirar uma selfie. Há homens a quem faz falta um momento zen. Pode ser um problema de controlar a respiração.
A MINHA MORTE É MELHOR QUE A TUA
Não tencionava destacar hoje o tema do terrorismo. Porém, uma reportagem apresentada pela CNN a partir das 5h30 da madrugada deixou-me descorçoado. Centrava-se num hospital em Lahore, no Paquistão, para onde foram dirigidos grande parte dos feridos, na sua maioria crianças, na sequência do último atentado bombista ocorrido no passado domingo no parque público Gulshan-i-Iqbal, naquela cidade. Entre as vítimas mortais, num total de 72, encontram-se 29 crianças. Outras 315 pessoas ficaram feridas.
O longe é um lugar sem nome. Não o conhecemos. Não existe. Não nos comove. Não mobiliza o fluxo de notícias. Fala-se durante os instantes iniciais e depois é como se o nada constituísse o quotidiano daquela gente de quem nada sabemos. Não sabemos como riem. Não sabemos como beijam os filhos. Não sabemos como amam. Não sabemos como dançam. Não sabemos se dançam. Não sabemos nada dos homens, das mulheres, das crianças do Iraque, do Iémen, do Chade, da Costa do Marfim, do Mali, da Síria, de Kabul, de Islamabad.Não sofremos com o que não conhecemos. Não compreendemos o que não conhecemos. Não vivemos os desgostos, a dor daqueles que desconhecemos. A ignorância é um lugar muito distante. Quem vive naquele longe são pessoas. Podem morrer 70, 100, 200 e não será o mesmo que morrerem 5, 10, 20, em Paris, Londres, Bruxelas ou Washington. A contabilidade das mortes é pornográfica. Mas não há maior pornografia moral do que deixarmo-nos enredar naquela voraz máquina noticiosa que faz perceber como não somos iguais. Nem na morte. Porque a minha morte é melhor que a tua.
Afogado numa lógica cuja validade depende em exclusivo de um eventual desastre da atual solução de governo, Passos segue um caminho demasiado arriscado e demasiado propício a uma perda de adesão à realidade. "El coronel no tiene quien le escriba" ("Ninguém Escreve ao Coronel" em português), foi um dos primeiros contos publicados por Gabriel Garcia Marquez. Um dos muitos oficiais de uma revolução, o Coronel fica anos e anos à espera do agradecimento traduzido numa carta que lhe anuncie a tão ansiada pensão. O problema é que o tempo passa, o mundo muda, a família altera-se, e ninguém escreve ao coronel, pelo menos a avisá-lo que não haverá pensão nenhuma. Talvez Passos esteja a precisar que alguém lhe escreva uma carta com citações da entrevista hoje dada por Rangel, até para o avisar que já não é primeiro-ministro, não há perspetiva de que o venha a ser tão cedo e, sim, o povo pode ser ingrato, sobretudo quando demasiado se valoriza o que se considera terem sido os feitos conseguidos. Marcelo, graças a uma hábil política de sedução, é hoje o homem ao lado de quem todos querem aparecer. O azedume ainda presente nos poros de Passos Coelho potencia o risco de o transformar no político com o qual ninguém quer tirar uma selfie. Há homens a quem faz falta um momento zen. Pode ser um problema de controlar a respiração.
A MINHA MORTE É MELHOR QUE A TUA
Não tencionava destacar hoje o tema do terrorismo. Porém, uma reportagem apresentada pela CNN a partir das 5h30 da madrugada deixou-me descorçoado. Centrava-se num hospital em Lahore, no Paquistão, para onde foram dirigidos grande parte dos feridos, na sua maioria crianças, na sequência do último atentado bombista ocorrido no passado domingo no parque público Gulshan-i-Iqbal, naquela cidade. Entre as vítimas mortais, num total de 72, encontram-se 29 crianças. Outras 315 pessoas ficaram feridas.
O longe é um lugar sem nome. Não o conhecemos. Não existe. Não nos comove. Não mobiliza o fluxo de notícias. Fala-se durante os instantes iniciais e depois é como se o nada constituísse o quotidiano daquela gente de quem nada sabemos. Não sabemos como riem. Não sabemos como beijam os filhos. Não sabemos como amam. Não sabemos como dançam. Não sabemos se dançam. Não sabemos nada dos homens, das mulheres, das crianças do Iraque, do Iémen, do Chade, da Costa do Marfim, do Mali, da Síria, de Kabul, de Islamabad.Não sofremos com o que não conhecemos. Não compreendemos o que não conhecemos. Não vivemos os desgostos, a dor daqueles que desconhecemos. A ignorância é um lugar muito distante. Quem vive naquele longe são pessoas. Podem morrer 70, 100, 200 e não será o mesmo que morrerem 5, 10, 20, em Paris, Londres, Bruxelas ou Washington. A contabilidade das mortes é pornográfica. Mas não há maior pornografia moral do que deixarmo-nos enredar naquela voraz máquina noticiosa que faz perceber como não somos iguais. Nem na morte. Porque a minha morte é melhor que a tua.
OUTRAS
NOTÍCIAS
Os lesados do BES começam a ver luz ao fundo do túnel. Até início de maio deverá ser conhecida uma solução destinada a atenuar as perdas sofridas com o investimento em papel comercial do Grupo Espírito Santo. A proposta será financeiramente suportada pelo chamado BES "mau", mas não há qualquer garantia de recuperação dos €500 milhões aplicados.
Maria Luís, a ex-ministra das Finanças de Passos Coelho, tentou uma alteração da composição da administração do BANIFde modo a ir de encontro aos desejos da Comissão Europeia. A informação foi ontem confirmada por Luís Amado, ex-ministro e último "Chairman" do banco na Comissão Parlamentar de Inquérito.
Prossegue a novela José Sócrates. O diretor do departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), Amadeu Guerra, decidiu que as investigações sobre as atividades do ex-primeiro-ministro José Sócrates devem ser prolongadas por mais seis meses e terminar até 15 de setembro. Os advogados de Sócrates consideram esta decisão "inadmissível" e demonstrativa de que "se continua à procura de indícios e provas, quando tinham antes dito que já tinham os suficientes para prender - então é porque na verdade nunca tiveram", declarou Pedro Dellile. São mais 169 diaspara acusar José Sócrates. Ou não.
Hoje é o último dia para os contribuintes verificarem todas as despesas elegíveis como dedução à coleta do IRS. A Antena 1 avançava às 7h da manhã que até ontem tinham sido apresentadas 8 300 reclamações. No Expresso Diário chama-se a atenção para um dado da maior importância. Acontece que metade dos internautas tem de mudar de navegador para conseguir entregar a declaração de IRS.
É o título principal da edição de hoje do Público. Profissionais da PSP e da GNR estão a ser obrigados a usar os telemóveis pessoais para registar os acidentes de viação. A explicação é simples: as forças de segurança portuguesas não dispõem de equipamentos fotográficos suficientes para assegurar esse registo.
O preço dos manuais escolares não aumentará no próximo ano letivo. Governo e Associação Portuguesa de Editores e Livreiros chegaram a acordo para satisfação dos pais que, ainda assim, continuam a ter razões para contestar o peso excessivo do custo dos livros.
A Visão de hoje alerta na capa para os continuados perigos do terrorismo com um título preocupante: "Europa à espera do próximo ataque". No interior, o artigo de Thomas Piketty, diretor de estudos na École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris coloca uma interrogação: "A Europa está a tornar-se islamofóbica?". Por coincidência é um tema que abordo mais abaixo na parte das minhas leituras. Destaque ainda nesta edição para um trabalho de Cesaltina Pinto intitulado "Os Glutões da Banca", no qual a jornalista começa por afirmar que "o braço de ferro entre Isabel dos Santos e os espanhóis do CaixaBank pelo controlo do BPI é a batalha mais recente entre os interesses de dois países que, aos poucos, estão a controlar quase toda a banca portuguesa".
O tema de capa da Sábado é dedicado aos novos tratamentos contra o cancro, num trabalho em que se explora uma nova vertente da investigação com as células do doente a serem treinadas para eliminar o tumor
Lá fora
François Hollande recuou. Renuncia a avançar com a sua polémica revisão da Constituição. No dia 16 de novembro anunciara a intenção de retirar a nacionalidade francesa a cidadãos envolvidos em atos terroristas.
Pablo Iglesias entreabriu uma porta para um possível entendimento capaz de levar à formação de um governo em Espanha. Afirmou-se disponível para sair de cena, mas qualquer acordo parece ainda muito distante.
Nos EUA, a campanha para a eleição dos candidatos a candidatos presidenciais é todos os dias um poço de surpresas. Agora foi preso o diretor de campanha de Donald Trump, acusado de ter agredido uma jornalista. Trump veio desculpá-lo. Como tudo aquilo é um mundo à parte, vale muito a pena ler aqui uma deliciosa e bem humorada viagem ao mundo de Donald Trump, publicada na New Republic pela poeta e humorista Patricia Lockwood. "Lost in Trumplandia" é o sugestivo título deste trabalho.
Meryl Streep é uma grande atriz e uma das grandes estrelas do cinema feito na segunda metade do século XX. Aos 29 anos fazia o luto da morte de um namorado e começava a trabalhar em "Kramer contra Kramer", com Dustin Hofman, o filme que fez dela uma estrela e lhe proporcionou o Óscar para Melhor Atriz em 1980. Michel Schulman publica na Vanity Fair publica uma adaptação da biografia de sua autoria a lançar em breve e intitulada "Her Again: Becoming Meryl Streep", onde fala das lutas físicas, emocionais e intelectuais que fizeram da atriz uma lenda.
FRASES
"A questão é que partido é que queremos que o PSD seja no futuro. Queremos que seja um partido de quadros, quase confessional, como vimos no congresso do CDS?". Paulo Rangel em entrevista ao Público
"Se não tivermos criação de emprego, este Programa Nacional de Reformas vale zero". Catarina Martins no debate quinzenal na Assembleia da República
"Acabar com os exames no ensino é pior para o ensino. O senhor está a fazer a estratégia errada". Pedro Passos Coelho no debate quinzenal na Assembleia da República
"Há aqui uma certa hipocrisia quando não entram soldados, mas entram instâncias europeias a dizer: esse banco é para ali e façam favor de pôr os constribuintes portugueses a pagar". Rui Rio em entrevista à TSF
"Já que pagamos o banco, ao menos que fiquemos com ele". Manuel Tiago, deputado do PCP sobre o Novo Banco
"O Porto ainda não tem noção do presente que ganhou com a ponte aérea". Fernando Pinto, presidente executivo da TAP em entrevista à TVI
"O Cunhal apreciava a vida. Gostava de mulheres, gostava do que era belo. Mas em relação a si próprio era austero". Manuel Alegrenuma entrevista à Sábado em que revela que o dirigente comunista lhe levou um dia o pequeno almoço à cama. Na brincadeira.
"Impeachment sem crime de responsabilidade é o quê? É golpe. Não adianta discutir que estamos discutindo em tese o impeachment".Dilma Roussef
NÚMEROS
30
Milhões de dólares é o valor da indemnização reclamada por Pelé à Samsung pela utilização indevida e sem autorização da imagem de um sósia num anúncio no New York Times
450
Mil refugiados sírios vão ter de ser realojados até 2018. Estimativas da ONU indicam que um em cada dez sírios vão precisar de realojamento
130
Mil dólares é quanto a arquidiocese de Nova Iorque espera obter com a venda do FIAT 500 Lounge, o carro usado pelo Papa Francisco durante a sua visita à cidade em setembro
54
É o número de países onde foi feita uma investigação da qual resultou a conclusão segundo a qual estar muito tempo sentado aumenta os riscos de morrer mais cedo. Os resultados do estudo são apresentados pelo American Journal of Preventive Medicine
O QUE ANDO A LER E A VER
Gosto de leituras cruzadas e aprecio muito a sucessão de acasos capazes de nos conduzirem até uma nova proposta. Há dias, em casa de um amigo em Braga, deparei com Morte na Pérsia o pequeno livro escrito nos anos de 1930 pela suíça Annemarie Schwarzenbach, mantido inédito até 1955 e utilizado pela “Tinta da China” para inaugurar a coleção Viagens, dirigida por Carlos Vaz Marques. É um pequeno, mas muito belo texto, através do qual a autora narra uma viagem transformada em fuga. Fuga do nazismo. Porventura fuga de si própria. E encontro com outras civilizações, outras culturas, sempre a partir do olhar, mas sem a arrogância, de quem chega do Ocidente a um espaço que hoje nomeamos como Irão. É nas aldeias e cidades dessa Pérsia, ou dessa ideia de oriente hoje transformado em origem do mal, território de todas as barbáries, que se embrenha Annemarie, antifascista, morfinómana e lésbica. Um dia, em Moscovo, André Malraux pergunta-lhe: “o que espera da Pérsia? (...). Só por causa do nome? Só porque fica muito longe?”. A autora, que colocara na primeira linha do primeiro parágrafo o premonitório aviso de que "este livro trará pouca alegria ao leitor. Não o poderá consolar, nem reconfortar, como muitas vezes os livros tristes sabem fazer...", contorna as interrogações do escritor para revelar um pensamento centrado "na terrível tristeza da Pérsia...”. Percorre o deserto, as planícies, os lugares mais recônditos. Vai do Mar Cáspio ao Golfo Pérsico, passa pelas escavações arqueológicas das ruínas de Persépolis ou pela cidade morta de Rages. Atravessa desfiladeiros. Débil, apaixona-se por Ialé, a filha de um turco, também ela muito doente, aventura-se por encostas íngremes e chega ao monte Damavand. Ali, naquele fim do mundo a que chamam vale de Lar, junto a um vulcão extinto, encontra o mais solitário dos lugares. Desliza sempre na mais profunda das tristezas. "O que ainda me prende aqui é a desesperança extrema", escreve já depois da morte de Ialé e logo após uma constatação poderosa: "a liberdade só existe para quem tem força para a usar". Ler este livro é como acariciar a delicadeza contida numa peça de filigrana.
Esta viagem a um mundo ao qual já não temos acesso, porque se esfumou, porque se consumiu nos conflitos contemporâneos, traduz uma muito pessoal descoberta do Oriente a partir de uma experiência de crise de valores no Ocidente de que a autora é originária. Como estas não são leituras alheias ao quotidiano vivido na Europa, na Turquia, no Paquistão, no Mali ou no Iraque, chegado ao fim impôs-se-me a irresistível vontade de regressar a uma espécie de contraponto. “Orientalismo”, o já clássico e bem mais extenso livro do egípcio Edward W. Said, publicado em 1978. Com o subtítulo “Representações ocidentais do Oriente”, apresenta uma tese dispersa por várias constatações, como essa de que a ideia de “Oriente”, muito para lá de um nome com tradução geográfica, é uma invenção política e cultural do Ocidente para se referir a diferentes civilizações situadas a leste da Europa e quantas vezes olhadas com o paternalismo próprio do vício colonial. Não será este o espaço para falar em detalhe de um livro crucial para entender a história dos preconceitos anti árabes e anti-islâmicos cada vez mais presentes no Ocidente, bem como, acentua-o Said, "a ausência quase total de uma predisposição cultural que possibilite uma identificação com os árabes e o islão e uma discussão desapaixonada sobre eles". Para compreender os porquês. Não para desculpar o que em nome do Islão possa ser feito.
Termino com uma breve referência a um documentário visto há dias, assinado por Ken Loach e disponível nas lojas a um preço acessível. Intitulado "O Espírito de '45", mostra-nos o esforço de reconstrução de Inglaterra no pós-guerra a partir de uma ideia hoje subversiva: se foi possível unir todos naquele combate, não será possível, em nome do bem da maioria da população, prolongar essa união de esforços na construção de casas dignas para os operários, criar um sistema de saúde e um sistema de transportes públicos, assumir o controlo público do carvão e da eletricidade? Era uma ideia nobre concretizada ao longo de décadas. Até que chega Margaret Tatcher e começa o mundo em que ainda vivemos. Parece que falta privatizar o ar.
Por hoje é tudo. Não perca o último 2.59, da responsabilidade da Vera Lúcia Arreigoso, através do qual, para lá de se mostrar como os números da saúde são bem melhores a Norte que a Sul, fica claro que há doentes mais iguais que outros. Amanhã terá cá o Martim Silva para lhe servir mais um Expresso Curto.
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