António
José Gouveia* – Jornal de Notícias, opinião
O
ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho veio este fim de semana exigir um
"esclarecimento tão transparente quanto possível" sobre a alegada
interferência direta do primeiro-ministro nos negócios entre a empresária
angolana Isabel dos Santos e o setor bancário, esquecendo-se rapidamente que,
na sua legislatura, a interferência do Governo em vários bancos, através da
recapitalização de alguns deles, permitiu a sua sobrevivência (e bem) porque
estava em causa o sistema financeiro nacional.
E
interferência por interferência, desde que os propósitos sejam defender o que é
melhor para os portugueses, a diferença entre Passos e António Costa é assim
tão significativa?
No
seu Governo, Passos Coelho exigiu como troca da recapitalização dos bancos,
sempre em tom de ameaça, a reanimação do crédito às empresas e às famílias.
Nada mais louvável, perante a situação que o país vivia, mas que não deixa de
ser uma interferência.
Em
maio de 2013, o líder do PSD afirmava: "O Estado, que, de resto, suportou
a recapitalização de alguns bancos privados, não deixará de ativamente, junto
dessas instituições, garantir que tudo o que elas podem fazer para reanimar o
crédito à economia seja feito".
A
acusação de Passos Coelho a António Costa e, indiretamente, ao recém-presidente
da República, Marcelo Rebelo de Sousa, tem tons de intensidade. Como quando, no
futebol, um árbitro julga a "intensidade" de um empurrão de um
jogador a outro na grande área e marca penálti ou não.
Para
o líder do PSD, o perigo de a maioria da Banca nacional ser dominada por
acionistas oriundos de um único país, seja Espanha ou outro, não fere a
economia nacional e não é motivo de preocupação.
Em
termos de interferência do Governo na Banca, o que será mais legítimo ou
"intenso"? A ajuda estatal aos bancos protagonizada por si ou as
conversações de António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa com os acionistas
privados dos bancos? O primeiro evitou o colapso dos bancos em Portugal e os
segundos tentam equilibrar os poderes do sistema financeiro na economia.
Os
convites de Passos Coelho aos empresários internacionais para investirem em
Portugal foram uma constante da sua legislatura. Na altura, não interessava a
nacionalidade do capital, fosse chinês, angolano ou espanhol. Não é isso que
António Costa está a fazer?
Um
país não pode funcionar sem um sistema financeiro sólido. Esta é uma verdade
assumida pelos partidos do chamado "centrão".
É
verdade que Passos Coelho sempre colocou o ónus político da recapitalização e a
da resolução do antigo Banco Espírito Santo no supervisor financeiro liderado
por Carlos Costa. E o resultado está à vista. Mas se o seu Governo foi assim
tão independente dos negócios privados, foi também aquele que mais negociou com
eles. Uns empurrados pela troika e outros para além da troika, numa fúria
liberalizadora.
*Editor
executivo
Leia
mais em Página Global
Sem comentários:
Enviar um comentário