Folha 8 digital
Senhoras
e senhores jornalistas, Angola está neste momento a viver uma verdadeira
tragédia, fruto da má planificação orçamental, da má gestão dos recursos
públicos, do desprezo total dedicado à Saúde - sector vital para qualquer país
que busque verdadeiramente o desenvolvimento - da priorização do desvio em
detrimento do bem comum, da vontade marcante de erguer o betão e derrubar o
cidadão. Em Angola, os angolanos estão a sobreviver como vermes e a morrer como
vermes. Mata a febre amarela, mata uma outra febre qualquer, uma diarreia
qualquer, uma doença qualquer. Mas, o que é mais doloroso, é que matam doenças
perfeitamente preveníveis e evitáveis, se estivéssemos num país sério e,
sobretudo, com um governo sério. E isso, infelizmente, não temos. O que se passa nos hospitais deste país, e
muito particularmente nos de Luanda, é uma autêntica tragédia; é uma autêntica
pouca vergonha. O grito de socorro vem do Hospital Pediátrico de Luanda, do
Américo Boa Vida, do Cajueiro, de todas as unidades hospitalares onde falta
tudo; absolutamente tudo; da luva à seringa; do penso ao comprimido; do fio de
sutura ao simples aspirador que leva à morte dezenas de recém-nascidos; ao lado
das morgues já sem capacidade para comportar cadáveres, enquanto os caixões
também fazem filas enormes à entrada dos cemitérios, tal é o número de óbitos
que ocorrem diariamente aqui em Luanda, onde todos os visitantes são levados às
centralidades do Kilamba, do Cacuaco, do Zango, etc., para ver a capacidade
chinesa de erguer prédios, quando falta capacidade para alimentar os cidadãos,
assegurar-lhes alguma saúde e um mínimo de tempo de vida. Isso, minhas senhoras
e meus senhores, é o colapso de um governo e de um regime que, volvidos 40
anos, se afunda de forma precipitada, mostrando completa incapacidade, falta de
engenho e abundância de maldade. O que é
que está efectivamente a acontecer e o que é preciso fazer? Há uma grande
avalanche de doentes que acorre aos hospitais em busca de socorro. São doentes
de malária e febres hemorrágicas como a dengue, chikungunya e febre amarela. O
aumento na incidência destas doenças é o resultado directo da combinação dos
amontoados de lixo espalhados pela cidade, e os charcos de água putrefacta que
se formam em decorrência das quedas pluviométricas que se abatem sobre a
cidade, nos últimos tempos. Esta combinação favorece as condições propícias
para o desenvolvimento de mosquitos, que são os vectores destas doenças, isto é, que transmitem,
através das suas picadas, os protozoários e vírus que as causam. Como se sabe,
quanto mais doentes há, maior a chance de existirem mosquitos infectados e,
portanto, capazes de transmitir a doença. Assim sendo, é muito importante
combater o vector por métodos diversos e, assim, impedir a transmissibilidade
dessas doenças. Por isso, as medidas de saneamento básico e a luta
anti-vectorial são a forma mais eficaz de prevenção destas doenças que são
perfeitamente evitáveis. As enchentes nos hospitais e centros médicos têm
desencorajado os doentes a procurar precocemente os cuidados médicos e assim,
muitos dos casos chegam aos hospitais em estádios avançados da doença e, em
muitos casos, com formas complicadas da doença. As crianças, particularmente,
são bastante vulneráveis à anemia que se desenvolve nessas situações,
requerendo, em muitos casos, transfusões de sangue para inversão da situação.
Ante este afluxo acrescido de doentes,
os hospitais têm revelado absoluta impotência para responder à demanda,
sendo os principais pontos de constrangimento os seuintes: 1) Pessoal médico e de enfermagem insuficiente,
o que torna o atendimento lento, algumas vezes inexistente, com os doentes a
levarem, na maior parte dos casos, acima de cinco horas para serem atendidos, o
que agrava ainda mais o quadro e provoca a ansiedade por parte dos familiares,
geradora de tensões passíveis de descambar em atitudes violentas; 2) Espaço físico limitado para albergar doentes
e acompanhantes, mormente no caso das crianças, ocasionando, para todos,
funcionários e utentes, grande desconforto e risco acrescido para a transmissão
de outras doenças como, por exemplo, as respiratórias; 3) Falta de medicamentos para os primeiros
socorros, nomeadamente analgésicos/antipiréticos, anticonvulsivos e soros, para
corrigir desequilíbrios hemodinámicos, dificultando a prontidão na assistência
ao doente; 4) Material gastável
insuficiente e até mesmo inexistente, nomeadamente seringas, luvas, sistemas de
infusão endovenosa (soros) e outros; 5)
Suporte laboratorial deficiente, por incapacidade técnica dos
laboratórios instalados nos serviços de urgência, onde os equipamentos são
rudimentares, os reagentes quase sempre inexistentes e o pessoal técnico de
igual modo, insuficiente para a demanda. É este desequilíbrio entre o fluxo
aumentado de doentes que procuram cuidados médicos e as condições minguantes
existentes nos hospitais que explica o caos que hoje assistimos nos hospitais
de Luanda, da rede pública. Pode-se afirmar, categoricamente, que o sistema
entrou em colapso, daí as elevadas taxas de mortalidade que caracterizam o
quadro desses hospitais, nos últimos tempos. Informações fidedignas e
praticamente irrefutáveis apontam para uma média de 25 mortes por dia, no
Hospital Pediátrico de Luanda e no Serviço de Pediatria do Hospital Américo
Boavida. No caso deste último, se acrescentarmos uma média de 5 a 7 mortes por
dia, de doentes adultos, somando enfermarias e urgências, estaremos a falar de
cerca de 30 mortes por dia, o que representa uma taxa de mortalidade escandalosamente
elevada para um hospital de nível terciário. As taxas de mortalidade diária são
igualmente elevadas em outras unidades sanitárias, nomeadamente no Hospital
Josina Machel, no Hospital Geral de Luanda, na Maternidade Lucrécia Paim, no
Hospital do Cajueiro e em toda a rede de hospitais municipais. Portanto, contas
feitas, estima-se que estão a morrer nos hospitais de Luanda uma média diária
de 150 pessoas, uma cifra assustadora, brutal e escandalosa, para a qual as
autoridades sanitárias do país ainda não despertaram. Nem mesmo o grito
lancinante de socorro dos médicos do Hospital Pediátrico parece ter comovido os
corações endurecidos dos membros do Executivo do Presidente José Eduardo dos
Santos.Estamos perante uma situação de emergência, semelhante, por exemplo, à
situação criada pelo surto de Marbourg que assolou a região norte do país, há
uns anos. Não se pode ficar indiferente diante deste trágico cenário, pois
estamos a falar de cerca de 5 000 pessoas que podem perder a vida num mês por
causas que são perfeitamente evitáveis. Tratando-se de uma situação de
emergência, impõem-se medidas vigorosas e céleres que revertam, de forma
activa, o quadro presente. Não se pode esperar que a imunidade natural
adquirida e o quadro sazonal se encarreguem de diminuir passivamente a
incidência dessas doenças. É preciso agir rapidamente e de forma determinada
para evitar que mais mortes ocorram, sobretudo em crianças. A situação é
crítica, trágica, mas o Titular do Poder Executivo não diz nada. Absolutamente
nada! Como sempre. Apenas diz aos
angolanos que vai abandonar a “política actica” em 2018, sem nos dizer que
abandona a desgovernação agora e já! O Executivo angolano que, durante muitos
anos, foi gritando aos quatro ventos que tínhamos o país que mais crescia economicamente,
verdadeiro exemplo de riqueza, em meio de pobres e de menos ricos, hoje, depois
de desviados os biliões de dólares, nossos, de todos nós, que deviam socorrer
os cidadãos, livrando-os da fome, da doença, do lixo e de tantos outros males,
mostra-se impotente. Sem horizontes. Sem soluções. Associações de utilidade
pública, que consomem o dinheiro de todos mas fazem propaganda partidária
promíscua, barata e desconexa, como o AJAPRAZ, estão aonde? Em que latitude
moram os empresários da juventude, que usam e abusam do nosso dinheiro, e que
deviam, agora, mostrar que podem fornecer alguma saúde “potável”? Onde estão os
“rebentos” do nepotismo institucionalizado, que podem pagar milhões a artistas
estrangeiras que para aqui vêm exibir corpos desnudos, e não aparecem para usar
o nosso dinheiro - porque é nosso - para salvar vidas? Pede-se apoio e
solidariedade aos cidadãos. Está certo, mas como? O Presidente Eduardo dos
Santos, titular do Poder Executivo, confessou, há alguns dias, quando proferia
o discurso de abertura de mais uma reunião do Comité Central do seu partido,
que tinha ordenado o Tribunal Constitucional proibir os Deputados do Povo de
Angola de fiscalizarem os actos do Governo, ou seja, os seus actos, em
flagrante violação da Constituição da República de Angola. Como é que vamos
saber em que bolsos e contas bancárias moram os nossos dinheiros, se a
fiscalização é entre quem delapida o erário público e ele mesmo? E perante esta
situação, grave e gravosa, o Presidente Eduardo dos Santos diverte os angolanos
com joguinhos antigos e desusos de que sai da vida política activa em 2018.
Sobre os angolanos que morrem todos os dias, às dezenas, ele nem tuge nem muge.
Com esse comportamento, não sai já porquê? E o apelo, para resolver os
problemas, vai para os cidadãos que ficam meses e meses sem receber salários,
que não sabem como comprar um quilo de fuba para uma refeição “desenrascada”,
que vêm o filho, o sobrinho, o neto, enfim, a morrer num corredor qualquer, de
um hospital qualquer, porque falta o reagente, o medicamente, a luva, a
seringa.... tudo. E isso misturado à insensibilidade e falta de deontologia
profissional de certos técnicos da saúde que ora destratam os doentes, ora nem
sequer lhes dedicam um simples olhar, ora usam o mesmo par de luvas
ensanguentado noutros doentes, para desespero destes e dos seus familiares,
ante a possibilidade real de morrer de doenças trazidas ou encontradas, quando
não se lhes exige o pagamento de uma “gasosa” ou de um “saldo” que lhes “unte”
as mãos em troca de alguma atenção, mesmo que fingida... As escassas morgues de
Luanda, todas elas, já não têm espaço para guardar e conservar o número cada
vez maior de corpos que para lá são enviados, para desespero de todos. Caso
para dizer “Meu Deus, tende piedade de nós”!Caros Jornalistas, Minhas senhoras
e meus senhores:Ante esse quadro, a UNITA conclui que a crise no sector de
saúde, em Luanda, em particular, e no País, em geral, tem causas políticas.
Neste sentido, alerta o Executivo para a calamidade que está a ocorrer, pelo
que propõe: 1. Que o Presidente da
República se pronuncie e declare estado de alerta máxima para Luanda, e de
Calamidade Nacional para o resto do País; 2.
Que seja revisto, com carácter de urgência, o OGE para 2016, com o fito
de se cabimentar mais verbas para a Saúde e sectores conexos; 3. Reunir os responsáveis dos serviços de
urgência dos principais hospitais, do INEMA e do Corpo de Protecção Civil e
Bombeiros numa task force para fazer, a título provisório emergencial, a gestão
integrada do atendimento de urgência e emergência, em Luanda; gestão integrada
que compreende a gestão de vagas, de recursos humanos e de outros meios
indispensáveis à prossecução dos objectivos; 4.
A mobilização e recrutamento de pessoal, a título temporário, para acudir
à situação de emergência, colocando este corpo de profissionais sob gestão da
task force, atrás referida; 5.
Disponibilizar, a título emergencial, recursos financeiros destinados à
aquisição de medicamentos, seringas, sistemas de infusão endovenosa e toda a
sorte de material gastável necessário ao funcionamento adequado dos serviços de
urgência e emergência. Se há dinheiro para a batota, para dar à família, para a
política ridiculamente exibicionista do “betão”, tem de haver para o bem maior
que é a “vida”; 6. Reforçar as capacidades dos Laboratórios das
urgências, o que permitiria tornar mais célere e eficaz o atendimento e
prestação de cuidados aos doentes; 7.
Que o Instituto de Hemoterapia promova uma campanha de doação de sangue
para incrementar, de forma consistente e significativa, a oferta de sague;
8. Implementar medidas urgentes de
saneamento básico da cidade e a evacuação dos grandes amontoados de lixo que se
registam em toda a extensão da cidade de Luanda, assim como de outras cidades e
urbes do país. Uma última nota: quando se chega a este ponto, o Governo abriu
falência. O único remédio é sair e deixar que aqueles que querem e podem
governar para o Povo e pelo Povo o façam. Se a resposta fosse chave de lotaria,
seguramente toda a gente ganharia, porque toda a gente sabe que esses “aqueles”
de que falo, que querem e podem governar Angola, são as mulheres e homens da
UNITA, em concurso com todos os bons
quadros angolanos, independentemente da sua cor partidária, do seu
credo, raça, região de origem, etc., etc., etc. Eu fico por aqui, colocando-me,
assim como os meus colegas - sobretudo o senhor Secretário da Saúde - à
disposição de Vossas Excelências, para as perguntas e dúvidas que eventualmente
ainda possam ter. Muito obrigado.
Raúl
Manuel Danda - Vice-Presidente da UNITA - Luanda, 17 de Março de 2017
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