Em
cartas-denúncia, os activistas falam das condições degradantes das celas, dos
“esquemas” da cantina da cadeia e do impedimento de visitas.
Em
duas cartas-denúncia enviadas ao Rede Angola, nove do 17 activistas
condenados por “actos preparatórios de rebelião e associação de malfeitores”,
relatam as condições “nauseabundas”
do Estabelecimento Prisional de Viana,
denunciando ainda as proibições de vistas e entregas de comida e alertando para
o “negócio” da cantina do estabelecimento, que pratica preços, por vezes, três
vezes superiores ao do mercado.
“Vimos
por este meio exigir que se respeitem os nossos direitos fundamentais que estão
constantemente a ser violados”. Assim começa a carta assinada
por Inocêncio de Brito, Albano Bingo Bingo, José Gomes Hata, Manuel Nito
Alves, Arante Kivuvu, Benedito Jeremias, Hitler Samussuku e Nelson Dibango,
assinada pelos activistas a 20 de Abril.
Datada
de um dia antes, 19 de Abril, é escrita uma “Denúncia Pública” por Mbanza
Hamza, que pede que “parem de humilhar” as famílias dos activistas e de
trapacear os direitos dos mesmos.
Ambos
os documentos relatam as condições a que estão sujeitos os activistas e a forma
como eles e os seus familiares são tratados. As reclamações são endereçadas a
António Fortunato, director nacional do Serviço Penitenciário, e Menezes
Cassoma, porta-voz dos serviços prisionais.
No
passado dia 13 de Abril, António Fortunato informou que
os activistas iriam ser transferidos dos estabelecimentos prisionais onde se
encontravam (Calomboloca, Caquila e Caboxa) para a cadeia da comarca de
Viana em virtude das reclamações que os reclusos e os seus
familiares apresentavam. António Fortunato referiu que estavam
a ser criadas as condições para que os activistas estivessem bem
acomodados.
“Decidimos
levá-los para a cadeia de Viana. Estamos a criar condições para que as
condições de habitabilidade e internamento sejam razoáveis. Neste momento,
estão a ser feitas as diligências no sentido de fazer com que se execute o
plano individual de adaptação que foi aprovado e que está previsto nas normas
penitenciária para que eles possam cumprir as penas que o tribunal arbitrou”.
No
entanto, para Mbanza Hamza, “o anunciado El Dourado tem se
mostrado um inferno nauseabundo em termos de saneamento, com casernas
infestadas de insectos e ratos”. As celas que abrigam os detido em Viana são
“mal-cheirosas, sufocantes e extremamente quentes” e “inundam quando chove”.
Os
activistas contam que comem no quarto-de-banho por não existir “espaço
suficiente nas casernas”, refeições acompanhadas por água “acastanhada e
mal-cheirosa” que , por não correr das torneiras, é carregada em “bidões de 20
litros e galões de mais de 50 litros”.
Os
dias descrevem-se insuportáveis, assim como as noites. É difícil dormir por
causa do “constante batimento de portas, gritos e brigas”. A não
repartição dos detidos por alas que os separam por tipo de crimes, provoca
vários conflitos entre os prisioneiros. E medos. “Estamos misturados com todo o
tipo de criminosos, num ignominioso atropelo do princípio de compartimentação
de acordo com os crimes”, explica Mbanza Hamza, fazendo no entanto a ressalva
que, “apesar dos riscos inevitáveis” que a mistura de detidos pode provocar, “o
senso humanista” dos activistas leva a que seja dada a esta situação
particular “um desconto”, uma vez que entendem que muitos dos detidos em Viana,
tidos como criminosos, são também “vítimas do sistema”.
Para
alguns dos activistas, há funcionários arrogantes que dificultam a
“comunicação” no estabelecimento, e há também outros que deviam ser presos.
“As
nossas famílias são impedidas de acesso sem justificação, e são forçadas a
comprar numa cantina que pratica preços desonestos, são humilhadas”, descreve
Mbamza Hamza, professor de formação.
Todos
os produtos que se vendem na cantina – informam as famílias que alguns
pelo triplo do preço – não podem entrar no estabelecimento prisional –
incluíndo água. Apesar das demoradas e, para alguns, “humilhantes” revistas a
que os familiares são sujeitos, a medida foi tomada pela direcção da cadeia há
algum tempo para evitar a passagem de drogas ou objectos proibidos aos reclusos
por parte dos familiares. A direcção da cadeia, segundo o relato de Mbanza
Hamza, não se responsabiliza pelos preços praticados pelo gestor da cantina do
estabelecimento prisional que, para o activista, “devia ser preso por
extorsão”. O professor alerta ainda para o cariz privado do negócio da cantina,
a ser explorado numa “instituição que deveria ser do Estado”.
A
transferência dos activistas para a Comarca de Viana, que pretendia “facilitar
as famílias que se queixavam da distância” dos outros estabelecimentos,
resultou também em mais dificuldades na entrega da alimentação. Sem
justificação clara, alguns familiares não podem visitar os detidos. Aqueles que
conseguem, muitas vezes têm que aguardar fora da cadeia, por vezes à chuva,
durante períodos de três horas. Em alguns casos, as visitas foram limitadas,
sem aviso-prévio, a um familiar.
Mbanza
Hamza explica que, devido a todas as restrições por parte do estabelecimento
prisional, desde dia 13 de Abril que não recebe comida dos seus familiares,
contando com a solidariedade dos seus colegas para se alimentar, que consigo
dividem as refeições que vão conseguindo chegar aos activistas.
Os
Serviços Prisionais
Contactado
pelo Rede Angola, Menezes Cassoma afirma que o mau-cheiro descrito pelos
activistas vem da fossa do estabelecimento prisional.
“Os
activistas estão no bloco D que é próximo do outro bloco onde há fossas, quem
passa pelo bloco onde eles estão depara-se com o cheiro nauseabundo”, diz
Cassoma.
No
que diz respeito à divisão dos detidos, Cassoma explica que “os reclusos são
separados por blocos (o de reclusos que cometeram crime contra
pessoa, outros dos crimes contra a propriedade, um terceiro de
crimes contra a ordem pública, e um quarto para os fins de cumprimento de
pena”.
“Em
condições normais, eles estariam no bloco C, mas estão no D, que é
para aqueles reclusos que estão no fim do cumprimento da pena. Normalmente
estão neste bloco aqueles que têm boa conduta, onde estão incluídos no
processo de escolarização e enquadrado no trabalho social. É normal que,
estando eles no Bloco D, aí encontrem reclusos que cometeram outros
crimes”, avança Cassoma.
O
porta-voz dos serviços prisionais disse, em relação às visitas, que
os activistas só as podem receber aos sábados. “Existem escalas para as
visitas. Por norma, o recluso tem uma hora de visita por semana. No caso dos
“revús” o dia das visitas é o sábado. Se os familiares forem na segunda-feira,
não vão conseguir visitá-los. Excepto a entrega da alimentação, que é feita de
forma personalizada e todos os dias, ao contrário de outros reclusos, que a sua
alimentação é registada no guiché e os parentes não têm contacto com o recluso.
Já aos “revús”, por uma questão de flexibilidade, o serviço penitenciário
deu-lhes a oportunidade, até por razões de segurança, de verem quem lhes leva
alimentação”.
A
compra de certos produtos na cantina da cadeia de Viana, segundo o Menezes
Cassoma, foi adoptado por medida de segurança. Cassoma diz que havia parentes
que levavam até drogas aos outros reclusos.
“Em anos anteriores a alimentação não era comprada na cantina, os parentes vinham com os alimentos de casa. Infelizmente, havia parentes que tentavam levar liamba no interior da comida e nas garrafas de água congelada. Por razões de segurança, alguns objectos como água e sumo devem ser comprados na cantina porque só assim nos oferece garantia de que os alimentos não estejam adulterados”, disse.
No
que diz respeito aos preços praticados pela cantina, Cassoma afirma que essa é
uma questão “que vai merecer a sua maior atenção”.
Rede
Angola – Foto Ampe Rogério/RA
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